A Trilogia do Diabo
À noite, Adams Leyner começou a ler o livro “Inferno 1: A Chegada do Anticristo” que comprara, pela manhã, num sebo da rua Uruguaiana. Adams já assistira a inúmeros filmes sobre o Diabo como: “A Profecia”, “A Marca da Besta” e “666”; mas o primeiro livro da Trilogia do Diabo fisgou o advogado criminalista pela riqueza de detalhes que ele continha. Parecia que o autor, Alex Cross, estava realmente presente nos eventos narrados. Adams levou cerca de seis horas para devorar as quase trezentas páginas do manuscrito. Ficou com um gostinho de quero mais e decidiu que voltaria, no dia seguinte, ao sebo Alfa e Ômega para comprar os livros restantes da Trilogia do Diabo: “Inferno 2: Inferno na Terra” e “Inferno 3: A Batalha da Luz contra as Trevas”. Adams saiu apressado do escritório de advocacia. Aproveitou a hora do almoço para ir ao sebo, que não ficava longe de seu trabalho. Chegando lá, para sua decepção, não encontrou os livros. O dono do lugar, seu Jair, que lhe vendera o primeiro exemplar da Trilogia do Diabo, disse a Adams que estes livros, provavelmente, estão esgotados e indicou ao advogado criminalista um lugar onde, com um pouco de sorte, poderia encontrá-los. Adams Leyner estava tão excitado para ler os livros que varou a noite toda sem conseguir fechar os olhos um minuto sequer. Eram oito horas da manhã, de um sábado que prometia ser quente, quando o advogado desistiu de ficar na cama e, enfim, se levantou. Após um banho frio para despertar o corpo de uma noite não dormida e um café da manhã frugal, Adams sai de casa. Ao entrar no carro para ir à livraria indicada por seu Jair, que ficava no Méier, ouve o canto agourento do bem-te-vi. Balança a cabeça de um lado para o outro e não dá maior importância a isto, apesar de saber ser um mau presságio, segundo sua avó materna, dona Isaltina. Ao chegar à Livraria e Sebo Centaurus, Adams é muito bem recebido por João, o livreiro. O homem baixo e de olhos amigáveis diz a Adams que livros de trilogia costumam ser muito procurados, porque todo mundo quer ler a continuação e, por isso, costumam ser raros. Infelizmente, o livreiro não tinha os livros que Adams tanto procurava, mas deu-lhe uma esperança: a Livraria Xerxes, uma enorme livraria em Madureira que costuma vender livros esgotados ou raros. Adams agradece a João e, no momento em que se dirige ao carro, sente uma mão fria lhe puxando para trás. Ele se vira e não vê ninguém. “É só o vento”. diz o advogado querendo acreditar nas próprias palavras. Após uma hora de viagem, Adams chega ao endereço indicado pelo funcionário da livraria e sofre um grande baque: o lugar está fechado e o lixo abundante na entrada demonstra que já está abandonado há um bom tempo. Puxando os cabelos loiros encaracolados com as mãos, o advogado recorda-se do canto azarento do bem-te-vi e nem sai do carro: vai direto para sua casa no Grajaú. Após estacionar o carro na garagem e dar alguns passos, uma folha ressequida de árvore cai sobre seus pés. Segundo dona Isaltina, isto era um sinal de morte e em breve. Ao chegar em casa, assustado e bastante pensativo com a sinistra mensagem que recebera do destino, Adams toma um café com leite bem quente e liga a TV. Nela passava o filme “8 mm”, com Nicolas Cage. Nesta película, Nicolas é um detetive contratado por uma viúva rica que quer saber se o filme, encontrado no cofre de seu marido morto, que mostra o assassinato de uma jovem, é real ou não. O detetive em busca desta informação acaba entrando no submundo dos filmes pornográficos e extremamente violentos. Adams que, assim como o protagonista do longa-metragem, também estava numa busca frenética (mais intensa ainda, agora, depois do aviso fúnebre que recebera do acaso), viu o filme com atenção até ser vencido pelo cansaço e adormecer no sofá. O advogado dormiu profundamente por horas, até ter um sonho muito estranho. No sonho, Adams pega o livro “Inferno 1: A Chegada do Anticristo”, na estante da sala, e o examina detidamente por um longo tempo. O livro possui 284 páginas e foi escrito, em 1990, por Alex Cross, um demonologista. Tinha capa dura e, apesar de bem manuseado, não possuía anotações visíveis. Entretanto, Adams nota que sob sua capa há um endereço: rua Piedade, 969, Cascadura. Neste instante, surge a figura de um demônio rubro com chifres curvados na cabeça gargalhando sarcasticamente: Ah! Ah! Ah! Adams Leyner desperta do transe suando frio e com o corpo gelado. Recobrando-se ainda do susto, o advogado toma um copo de café bem quente e pega o livro que comprara no sebo Alfa e Ômega que, como no sonho, estava na estante da sala. Porém, após examiná-lo com extremo cuidado não encontra endereço, nem nada de útil que o ajude na sua busca pelos manuscritos. Apesar de ser apenas três horas da madrugada, Adams não consegue mais dormir de tanta ansiedade. Decide, então, tomar um banho quente para ver se o sono volta. Minutos depois do banho, come biscoitos de chocolate acompanhados de café com leite bem quente. Sem conseguir dormir, aguarda intranquilo as horas passarem lentamente enquanto pensa no sonho insólito que tivera. Por mais maluco que pareça, o advogado criminalista decide pagar para ver e quando o relógio digital de seu pulso marca sete horas, pega o carro na garagem e vai até o endereço visto em seu sonho. Havia mesmo um 969, na rua Piedade, no bairro de Cascadura, ou seja: o endereço realmente existia, mas não era uma livraria, nem um sebo: era um cemitério! Adams sai do carro rangendo os dentes e chutando tudo que vê pela frente durante longos e intermináveis minutos. Após passar o ataque de fúria, já mais calmo, o advogado decide entrar no lugar. Não sabia por que, mas sentiu uma vontade instintiva de olhar cada um dos túmulos do lúgubre lugar. Adams Leyner caminha, então, vagarosamente observando as lápides em mármore negro e branco de cada túmulo do campo-santo. Quando já estava quase desistindo de sua procura alucinada e insana, o nome inscrito numa lápide de mármore negro lhe desperta a atenção: Alex Cross. Neste momento, uma tempestade irrompe na necrópole e raios e trovões tomam conta do lugar sagrado. Indiferente aos fenômenos da natureza, o advogado criminalista lê apressadamente e com extrema curiosidade o epitáfio do morto: “Aqui jaz um escritor best-seller, excelente pai e filho que nunca será esquecido por seus fãs, amigos e familiares”. “É ele! É ele! O escritor da Trilogia do Diabo!” grita extasiado Adams Leyner com sua “descoberta”. De repente, tomado por um impulso de loucura, o advogado pega uma pá esquecida ali perto pelo coveiro e começa a cavar incessantemente a sepultura do renomado escritor para ver se encontra alguma pista dos livros que tanto procurava...
Dois anos depois…
O paciente, Adams Leyner, encontra-se internado no Manicômio Dover, em Realengo. Seu estado é considerado preocupante, já que, mesmo após serem ministradas doses consideráveis dos mais modernos remédios contra esquizofrenia, sua fixação delirante e alucinada em encontrar livros da Trilogia do Diabo que não existem (a trilogia não foi concluída pela morte prematura do escritor) permanece inalterada. É um caso que deve ser estudado com bastante cuidado e sem previsão de alta.
Dr. Américo Colombo. Psiquiatra-chefe do Manicômio Dover.
FIM