Sinistro...

Acordei às seis horas da matina para ir ao trabalho. Manuela, minha esposa, continuava dormindo. Era o dia de folga dela e decidi não acordá-la. Nina e Patrícia, minhas filhas, mantinham-se adormecidas indiferentes ao barulho do despertador. Dormiam tão placidamente que fiquei com pena de acordá-las. Mas era preciso e, por isso, acordei-as. Após o café da manhã, deixei-as na escola e fui trabalhar. Cheguei ao escritório e dei bom dia à Ana, minha secretária. Ela pareceu não ouvir. Não liguei para isso, pois tinha muitos processos para estudar. Adalberto, meu sócio, chegou meia-hora depois de mim. Achei-o estranho. Pálido como um vampiro, seu sorriso parecia forçado e seus olhos denotavam cansaço e apreensão. Também não liguei para isso. Ele tinha os problemas dele e eu os meus. Quando deu a hora do almoço, fui a uma lanchonete. Comi um misto-quente com uma Coca-Cola sem açúcar. Voltei para o escritório. Dei boa tarde à Ana e, ela novamente ficou indiferente. “Sinistro”. Pensei, mas sem dar maior importância a isso. Terminei de ler os processos e, às 17 horas, dei por encerrado meu expediente no escritório de advocacia. Quando cheguei em casa, minhas filhas e Manuela estavam assistindo à TV. Eu as saudei, mas elas não tiraram os olhos da maldita televisão. Por que as pessoas estão agindo assim comigo hoje? Muito sinistro... Após jantarmos num silêncio sepulcral, finalmente Manuela virou-se para mim e disse:

― O José Paulo ligou…

― O que ele queria? ― perguntei surpreso, já que não falava com José Paulo, meu psiquiatra, desde que ele me deu alta há dois anos.

― Ele disse que precisa te ver e com urgência…

Concordei com um movimento de cabeça e fui dormir. Manuela nem me deu um beijo de boa noite. Todos estavam agindo de modo estranho comigo e isso era… sinistro…

Acordei, tomei um banho quente rápido e engoli o café da manhã como o The Flash. Fui direto para o consultório do José Paulo para saber o que era tão urgente. Quando desci no metrô da Rua Carioca, um homem barbudo, fedorento e com roupas puídas veio em minha direção e disse baixinho no meu ouvido direito: “tem um cemitério aqui pertinho pra você morrer...”. Afastei-o com um empurrão e segui apressado meu caminho até o consultório do doutor José Paulo que ficava no Edifício Avenida Central.

Após os cumprimentos de praxe, fui direto ao ponto. ― O que aconteceu, doutor José Paulo, para o senhor querer me ver com tanta urgência?

― Foi um erro ter te dado alta, Luís. Você não estava curado... Você é como uma bomba-relógio prestes a explodir. Basta uma faísca…

No dia seguinte, eu estava trancado num quarto pequeno branco como o leite com uma camisa de força apertadíssima. Vim a descobrir, pelo meu atual psiquiatra, doutor Eduardo Augusto, que surtei e matei o doutor José Paulo, minha secretária, meu sócio, minhas filhas, minha esposa e Débora, minha amante há dois anos que conheci no consultório do doutor José Paulo, a tiros. O pior de tudo é que não estou arrependido. Sinistro…

FIM

Luciano RF
Enviado por Luciano RF em 19/06/2019
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