REFLUXO

Durante todos esses anos em que atuei como médico, eu nunca me deparei com um caso tão grotesco e tão medonho quanto o que presenciei, numa cidade esquecida que hoje já não tem mais o mesmo nome. O caso de refluxo gastroesofágico que me surpreendeu, e me apavora... até hoje e pelo visto continuará assombrando meus pensamentos por toda a eternidade.

Trabalhei como clinico geral em hospitais públicos e hoje, aposentado e a beira da morte, quero deixar registradas essas linhas nesse caderno velho para que todos saibam de uma coisa: nunca duvidem do sobrenatural.

O hospital em que atuei era grande, porém estava ficando à mercê dos maus investimentos públicos. Já à beira da falência, o número de pacientes foi diminuindo e o dinheiro enviado para lá somente pagava os poucos funcionários e serviam para algumas manutenções. Os leitos velhos com suas rodas enferrujadas pelo desgaste, as paredes e corredores brancos com seus assentos vazios, os balcões de recepção tendo apenas alguns papéis em cima, o lodo que crescia do lado do fora das paredes, as muitas salas vazias com portas entreabertas e luzes apagadas, vez ou outra se achava uma cadeira de rodas jogada por entre os corredores, o teto estava com aspecto mofado e cinzento e o cheiro de alguns consultórios dava arrepio.

Mesmo assim pessoas de boa vontade com falta de opção para um novo emprego ainda trabalhavam nesse lugar; ele funcionava durante 24 horas ininterruptas, embora durantes semanas com poucos pacientes, já que o aspecto caliginoso do hospital dava-lhe a fama, mesmo em perfeito funcionamento, de Hospital Fantasma. Infelizmente eu atuava no período noturno. Digo infelizmente porque... vocês entenderão.

Meu consultório, embora distante da entrada e da recepção, ficava no primeiro andar, então qualquer caso corriqueiro eu de imediato atenderia. Todas as noites eu atendia as pessoas que lá chegavam com poucos recursos financeiros e sintomas quase que iguais. Houve tempos atrás um pequeno surto de gripe e viroses anêmicas que deixavam algumas pessoas cambaleantes. O surto passou, mas algumas pessoas ainda possuíam sintomas semelhantes e, dominados por forças maiores, pobreza e outros motivos que prefiro não discorrer, iam nesse hospital.

Digo-vos que a doença é um mal que pode acometer a todos, porém um fato determinante dos distúrbios no organismo está relacionado à sua causa. Dores de cabeça, febre, espirros, coriza, tontura, dormência de membros, enjoo e entre outras dores e incômodos podem ser apenas sintomas de um mal ainda maior que predomina no corpo humano. Mas qual a sua real origem ou nascituro? Depois da minha experiência, posso precisar que elas têm origem no diabo.

Era numa noite de sexta-feira e eu estava chegando ao hospital quando olhei para a lua. Estava lívida, radiante, semelhante à um sol prateado que ao invés de aquecer a pele, gelava minha espinha. O frio decidiu comparecer aquela noite e um vento como um sussurro maldito farfalhava as árvores próximas da entrada do estacionamento.

Cumprimentei os funcionários que lá estavam. Um atendente com uma garrafa de café e uma feição taciturna, a enfermeira que conversava com a outra médica que já estava de saída, o segurança da entrada do hospital e alguns poucos pacientes espalhados por entre os assentos de espera da recepção.

Enquanto eu andava pelos longos corredores do hospital, onde as lâmpadas pares de led, foscas uma e bruxuleantes outra, os painéis digitais com seus números em 88:88, as teias de aranha que se formavam nos cantos do teto baixo, via a solidão que predominava naquele lugar. Perguntava-me até quando manteriam aquele corpo morto sólido feito de concreto e vigas em pé. O local que era para receber e tratar doentes estava enfermo por dentro.

Uma das recepcionistas de outra ala foi até a mim e me entregou um número de telefone. Disse ela que alguém, pela voz dava a impressão que era um homem, entrou em contato dizendo que estava passando muito mal e queria saber que horas o doutor chegaria.

Estranhei o ocorrido porque havia outros médicos no horário em que ele ligou e porque eles não o atenderam. A mocinha dizia que passou essa informação para o homem, porém ele vociferava com voz engolfada do outro lado da linha:

“Não! Quero ser atendido pelo médico que fica depois da 0h30!”

Aquilo me estarreceu, já que eu era fixo naquele horário, porém apenas urgências ou casos cotidianos passavam esse horário. Uma complicação ou outra, mas nada que fugisse do controle. Porém aquela atitude foi excêntrica, pensava eu. Excêntrica... mas não para aquela noite.

Ela disse que ele ligaria novamente e gostaria de falar diretamente no número do médico. Possuo celular, mas não daria meu número particular para qualquer paciente. Solicitei-a que caso ele ligasse novamente, ela transferisse a ligação para o ramal 508, que já não era usado a muito tempo, na sala ao lado da minha, pois no meu consultório não havia telefone.

Perguntei o nome da pessoa, mas ela disse que ele não havia informado. Questionei sobre o horário que ele poderia vir, e nada foi relatado.

Após pegar o papel com o número anotado e entrar no meu consultório, fui acometido por uma sensação estranha. Algo não parecia normal naquela noite. Soturna e silenciosa noite.

Vieram três ou quatro pessoas para que eu atendesse e o ritmo estava como nos outros dias. Estagnado. Meu consultório ficava um pouco afastado da entrada, então eu não ouvia os demais funcionários conversando, assistindo ao jornal ou tomando café como bêbados num bar.

Eu estava em minha sala lendo algumas notícias do jornal, pois na época ainda possuía o hábito de comprar um para ler. Percebi que havia uma matéria na última página com pouco destaque sobre um furto num cemitério, onde covas foram remexidas e túmulos violados. A polícia procurava pelo suspeito, mas nada havia encontrado se não um liquido gorduroso perto de algumas sepulturas com mau cheiro.

Refleti comigo se não eram alguns roqueiros vândalos que curtiam cemitérios a noite ou algum mendigo. Eu preferi ficar com a primeira teoria.

De repente o telefone da sala ao lado toca. Era 1h50 da madrugada. Aquele som estridente, mas abafado me despertou de uma pequena sonolência enquanto passava os olhos no jornal. Fui até a sala e atendi. O tom da voz era de homem, porém as palavras saiam de modo entrecortado, lento e muitíssimo solene como aqueles mordomos de filme de terror:

- O doutor chegou?

- Boa noite, senhor. Sou eu. Em que posso ajudar?

- Aaaahhh doutor. Que bom que você já está aí. Não estou me sentindo bem e preciso ir ter contigo o mais rápido possível.

- Tudo bem. Pode vir. O que o senhor sente?

- Prefiro lhe contar... ou melhor... que veja pessoalmente.

E desligou.

O tom melancólico, mas ao mesmo tempo pesado em que aquela voz falou comigo me deixou apreensivo, de modo que perdi o meu sono por completo desde então e fiquei aguardando a chegada desse paciente com certa indiscrição.

Já eram 2h25 da madrugada e nada daquela pessoa misteriosa chegar. Enquanto pensava nisso eu olhe para a lua da janela do meu consultório. Parecia que ela ficava maior na medida em que a madrugada se desenrolava como um pergaminho, como se cada vez mais que a noite e a escuridão a envolvesse, mais massa prateada ganhava.

A enfermeira me trouxe um papel com um nome. Difícil demais de compreensão, possuindo muitas consoantes e poucas vogais. “Croata, russo ou sérvio”, pensei.

Examinei o papel da recepção e decidi chama-lo, mais pela curiosidade do que por empatia da doença:

- Phrenkho Muvucinic.

Chamei e voltei para a sala.

Minha porta estava fechada. O silencio reinava, pois ainda estava absorto nas noticias e em quem seria meu paciente. O silencio foi repentinamente quebrado quando ouvi passos lentos no corredor, e os passos não aumentavam a velocidade. Aquilo me deu um desconforto. Por que ele não andava mais rápido?

A porta se abriu lentamente. Fui surpreendido com o que via.

Era um homem muito bem trajado, alto, vestindo um terno finíssimo cor de chumbo, uma gravata vermelha, gola branca, sapatos marrons muito bem engraxados, rosto redondo, bigode, pele clara, olhos negros como a noite, um sorriso que mais parecia ter sido desenhado por um pintor raivoso e uma voz rouca que nunca ouvi igual na minha vida. Ele constantemente levava um lenço em sua boca para limpá-la:

- Boa noite, sr. Frenco. Posso chama-lo assim?

- Não me importo muito com meu nome. Apenas a sensação que muito me incomoda, doutor. Preciso da sua ajuda.

Naquele clima estranho, engoli a saliva timidamente e prossegui o atendimento:

- O que o senhor sente?

- Uma azia insuportável. Constantes vontades de vomitar, mesmo com fome, doutor. Desde que me conheço por gente tenho tido refluxos e essa azia me corrói de vez em quando. Mas hoje está forte demais e não aguento mais essa sensação de que meu jantar voltará para o lugar de origem.

- Você sente isso desde quando?

- Desde a...

Um silêncio parou no local por poucos segundos, mas foi o suficiente para perceber que a pergunta o incomodara:

- Sim, senhor. Prossiga. Desde a...

- Desde o dia em que minha esposa faleceu.

- Eu lamento, senhor. Sinto muito mesmo. Imagino como o senhor deve ter sofrido.

- Bom... mas ainda tenho ela aqui dentro de mim. – disse batendo em seu peito - Isso é o que importa.

- Exato. O sentimento dura para sempre. Você vem se alimentando direito? É alérgico a algum tipo específico de comida?

- Doutor, está voltando...

Ele se afastou da minha mesa e começou a fazer como se fosse vomitar intensamente. Levou o pano para a boca para impedir o vomito e levantou o rosto para cima. Naquela hora eu não sabia o que fazer, pois quando me levantei para acudi-lo ele apenas estendeu uma das mãos em sinal de que estava tudo bem, mesmo eu o vendo naquela situação angustiante. Ele tossiu no lenço. Vi que ficou com respingos vermelho sangue.

- Podemos continuar, doutor?

-Ok. Você come e já dorme em seguida?

- Doutor... estou há mais de 20 horas sem me alimentar. E ainda sinto esse mal-estar horrível. Por dias decido apenas tomar alguns goles de café e me alimento de cereais. Pois recentemente enquanto andava na rua tive um ataque esofágico tão grande que parecia que eu iria vomitar todo o intestino. Porém nada saiu de minha boca. Desde então, uma dor muito forte me acomete de vez em quando, perto do peito e no meio do estomago.

- Você tem tomado algum medicamento?

- Esvaziei todas as caixas de remédio para refluxos que possuia e não passa.

- Mas amigo, se automedicar ainda é considerado muito perigoso.

- Também sou médico, doutor. Ou melhor... já fui. Decidi largar a carreira por questões pessoais e pela saúde de minha esposa.

- Eu imagino então que o senhor deva ter uma boa condição financeira, certo?

- Sim. Razoavelmente vivo muitíssimo bem.

- E por que procurou um hospital em condições tão precárias? O senhor provavelmente tem convênio particular. Poderia...

- Doutor, meus motivos não são o suficientes e não quero me submeter a toda aquela parafernália medicinal que esses hospitais caros possuem. Estou com nojo desse lugar, mas ele foi o mais próximo que encontrei na estrada.

- O senhor ligou de onde?

- Do meu celular. Eu estava passando mal no meio da estrada e resolvi parar o carro. Foi então que vi a placa avisando que havia um hospital por aqui. Não pensei duas vezes e vim.

- Eu teria que fazer alguns exames. O senhor tem certeza que está limpo no estomago?

- Doutor... estou tentando vomitar faz dias e tenho me alimentado pouco. Quando decido comer um pouco mais, quanto mais como, mais fome tenho. E quando essa sensação de que a comida está voltando pra minha garganta sobrevém, corro para o banheiro, faço de tudo para forçar o vomito, mas nada sai. Nem água.

- Isso é estranho. Agora mesmo o senhor está de jejum, certo?

- Exato. Porém ainda sinto que meu esôfago parece um vulcão. A qualquer hora explodirá.

Pensei em fazer uma endoscopia rápida nele, mesmo com os poucos recursos que o hospital tinha. Apliquei uma anestesia leve e de curto efeito e tentei visualizar o que ele tinha no estomago. Vazio.

De repente enquanto ele estava sentado na cadeira, anestesiado, ele despertou bruscamente da anestesia querendo vomitar outra vez. Os espasmos eram fortíssimos e as golfadas que sua garganta dava reverberavam em toda a sala em que estávamos.

Nada saiu. Ele colocou novamente seu lenço a boca, como se impedisse o fluxo visceral de sair.

Nesse momento ele começou a chorar copiosamente e tomei coragem para perguntar sobre sua esposa:

- Ela era linda. Linda. A mulher mais linda da minha vida. Mas ela tinha um sonho e nem eu com todo o meu conhecimento médico consegui realizar seu desejo.

- E qual era, amigo?

- Ela queria muito ter um filho. Muito. Não pensava em adotar. Não porque fosse contra a adoção, mas porque ela ansiava ter um primogenito do seu próprio sangue para carregar a linhagem da nossa família. Mas não foi possível. Não foi possível...

Eu via seu lamento e senti pena do pobre homem. Provavelmente comecei a associar sua doença com outra coisa:

- Senhor, o senhor ainda ama sua esposa?

-Claro! Muito. Muito. Eu fiz de tudo para realizar o sonho dela. Tudo mesmo. Eu não era estéril, mas Deus fez com que todos os óvulos da minha esposa fossem inúteis. Nenhum feto ali resistia.

- Senhor – cheguei calmamente até ele e coloquei minha mão em seu ombro – eu suponho então que seu refluxo seja psicossomático. Seu corpo está dando sinais de como sua alma se encontra. Muitas doenças são desenvolvidas após fortes abalos emocionais, como úlceras, colesterol alto e até depressão ou dores no pé.

Ele me olhou com um ar piedoso:

- Seria possível isso?

- Perfeitamente. Sua queimação e azia se dão porque a perda da sua esposa ainda lhe corrói. Você sente desejo de vomitar porque não aceita a situação que ela se encontrava e que não foi possível dar um filho a ela.

Ele ouviu atentamente com olhos serenos.

- Doutor... ela só queria ter um filho. Perpetuar nosso amor... por que Deus permite tais coisas? – e novamente se pôs chorar.

- Se acalme, senhor. Algumas situações são realmente difíceis de lidar. Porém precisamos seguir em frente. Aqui não temos, mas vou encaminhar o senhor para um atendimento psicológico. Eles poderão...

De repente ele jogou-se da cadeira e num urro de dor colocou a mão no estomago e novamente o lenço a boca. O espasmo esofágico foi tanto que vomitou. Porém apenas sangue.

- Sr. Frenco! Meu Deus! Enfermeira venha aqui! – gritei pelo corredor.

Uma enfermeira que ficava numa sala depois da minha veio me ajudar.

Coloquei o homem no leito e com a enfermeira noturna fomos até outra sala para examinar melhor ele. Tirei-lhe a grande quantidade de roupa que havia no seu tórax deixando seu peito a mostra para respirar, colocamo-lo no soro e tentei fazer uma lavagem estomacal. Nada havia. Seu esôfago estava sujo de sangue, mas seu estomago vazio.

Decidi fazer uma tomografia e tirar uma chapa do seu pulmão. Subitamente ele fez que iria vomitar e arranquei o inalador de sua boca. Ele se esforçou para colocar o lenço a boca, mas eu removi sua mão para que dessa vez ele vomitasse e expelisse o que lhe incomodava. Nada saiu.

Nesse instante ele começou a se debater muito e fez que ia vomitar outra vez. Eu já estava confuso. Seria aquilo reações físicas perante o frágil estado emocional daquela pobre criatura ou algo em seu pulmão ou fora do esôfago? Começou a convulsionar violentamente na maca ao ponto de quase cair.

Eu e a enfermeira o seguramos e fizemos os procedimentos necessários para que nada saísse do controle.

Num momento parou de se debater. Ficou desacordado com os olhos entreabertos.

De presto a enfermeira me ajudou a leva-lo até a uma sala para tirar uma tomografia do pulmão. Nada. Ele continuava desacordado.

Nesse instante ele começa a conversar comigo. Eu não entendia as palavras que saiam de sua boca, pois a voz ficou golfada e como se algo estivesse entalando a fala. Cheguei mais perto dele para entender o que ele dizia:

- Doutor, que dia é hoje?

- Hoje é terça-feira.

- Não. A data... por favor.

- Hoje é... 18 de junho.

Ele começou a rir. Aquele riso naquela boca enorme apavorou por um momento.

- Algo de engraçado, senhor? O senhor está bem?

- Doutor, meu amigo o senhor sabe que dia é hoje?

- Não. Nada em especial.

Entre risos e sussurros sua voz foi ficando mais rouca e lenta:

- Hoje é Dia do Químico. E o senhor sabe de onde vieram os químicos?

- Da Grécia, Egito, Arábia, muitos lugares.

- Não, doutor. Os químicos vieram dos alquimistas. Então hoje podemos dizer que também é o Dia da Alquimia.

Aquelas palavras ditas por um paciente com os olhos fechados me perturbavam mais do que se fosse por um assaltante com uma arma apontada para minha cabeça.

- Sim, Sr. Frenco. Mas o que tem a ver isso com sua doença?

Ele respirou fundo e voltou a com um riso nos lábios:

- Minha esposa sempre quis engravidar. O sohno dela era ter um filho que possuísse seu sangue. Mas como já lhe contei ela era estéril. Porém... eu fiz de tudo...

Seu riso começou a me deixar angustiado.

- Fez de tudo? De tudo o que, senhor? Do que está falando?

- Ah doutor, o senhor deve saber muito bem que Nicolas Fladel, Paracelso e outros alquimistas foram considerados bruxos por causa dos seus métodos. Desde curas por ervas, até ocultismo e magia negra para encontrar a Pedra Filosofal e o Elixir da Vida.

- Ok. Mas o que...

- Deixe-me terminar e o senhor compreenderá – tossiu duas vezes e continuou. – Como ela queria algo do seu sangue fizemos um pacto entre nós e um pequeno ritual... quimico e... bioquímico.

- Espera aí. Do que está falando?

- Autofagia e antropofagia! Ela queria um filho, mas não podia. Porém eu sou fértil. E após provarmos varias bebidas feitas com essência de ervas secretas, ela pediu que seu corpo fosse... devorado após uma relação.

- Isso é loucura. O que está me dizendo?

- Sim! Sim!!! E tem mais. Veja a Lua. Para a alquimia a Lua representa fertilidade e o desejo de minha mulher finalmente será realizado. Ela permanece viva em mim. Viva! Viva!

Meu corpo todo se arrepiou dos pés a cabeça com aquela história e num dado momento me veio desejo de vomitar diante daquela monstruosidade narrada. Porém pensei que ele estivesse delirando devido os espasmos, a convulsão e os sedativos que perderam o efeito.

De repente os batimentos cardíacos começaram a acelerar abruptamente e ele fez que iria vomitar de novo.

Junto com a enfermeira e o levamos correndo o mais rápido que podíamos ao elevador para o último andar onde estava a sala de choque.

O elevador ainda funcionava muito bem, porém era o andar mais vazio de todos, já que não havia ninguém na internação e nunca imaginávamos usar aquela sala outra vez. As portas de plastico cinzas de poeira, as paredes brancas ja num tom amarelado, as muitas portas fechadas e o corredor vazio e sombrio, silenciosamente sombrio.

Ligamos os aparelhos e após preparar tubos e injeções para fazer efeito na corrente sanguínea, os batimentos pararam.

No mesmo momento eu tive desejo de que tudo aquilo que vivi naquela madrugada fosse um sonho. Carreguei o desfibrilador e após uma carga fortíssima encostei sobre o peito do paciente.

Uma. Duas. Três vezes. Nada. Ele não voltou.

Antes de começarmos a nos entristecer pela perca de um paciente naquele hospital, eu e a enfermeira muito nos assustamos quando o coração voltasse a bater, ele abriu a boca como que fosse vomitar novamente e ouvimos um grito grosso e fantasmagórico vindo de dentro da sua boca:

- Estou grávidaaaaa!!!

As luzes começavam a faiscar após aquele grito e ao olharmos para o Sr. Frenco percebemos que seu aspecto mudou e seu rosto se emagrecia rapidamente.

De repente as boca se abriu e por Deus, eu não estou mentindo... vimos algo semelhante a dedos de mãos com unhas pintadas de vermelho aparecesse por entre os seus dentes.

Imediatamente ouvimos novamente um urro:

- Deu certo a alquimia! Estou viva!!!

Na mesma hora as máquinas sofreram um curto e aquela mão e dedos entraram de volta pra boca e o corpo ficou como morto no leito.

Apavorados fomos calmamente até o corpo e lá ele ficou imóvel.

Mais do que simples medo, curiosidade infantil e turbação, mas a mente médica ainda anseia por respostas lógicas. Então trouxemos a máquina de ultrassom que havia na sala ao lado e colocamos na barriga do Sr. Frenco.

Havia um bebe ali dentro. Vivo!

Inesperadamente o corpo voltou a se mexer e ele fez com que ia vomitar de novo, mas dessa vez começou a vomitar carne apodrecida e pedaços de ossos. Um fluxo horroroso vertia de dentro daquela boca enorme do Sr. Frenco.

Na mesma hora me lembrei da noticia de jornal.

Lembrei-me dos túmulos violados.

Lembrei que o Sr. Frenco sentia muita fome. Mas era ele ou... aquilo?

Ele parou de vomitar. E naquele momento eu a enfermeira iríamos correr.

Quando do nada ele volta a vomitar e vejo um braço pequeno saindo de dentro daquela boca.

Saímos desesperados da sala de choque em busca do elevador. Não funcionava mais. Provavelmente o curto que a maquina deu ou a energia do desfibrilador provocou uma pane na energia geral.

De dentro da sala de choque uma voz medonha saía lentamente e entrecortada. Não posso dizer o que ouvi. Mas foi a voz rouca que de que a mocinha falou comigo.

Fomos descendo correndo pela escada. A enfermeira tropeçou e ajudei-a a se levantar. Na mesma hora ouvi os passos que tinha ouvido no corredor. Lentos e sonoros. A ponto de ecoar.

Descemos correndo as escadas. Quando chegamos ao meu corredor, estava tudo calmo. Então fomos correndo e direção à recepção do meu consultório e depois avisar os demais funcionários daquele perigo iminente.

Todos já estavam mortos. Mortos silenciosamente. Devorados. Sem tempo de um grito.Aquele monstro já havia devorado os demais? Como não ouvi?Percebi que realmente eu estava muito longe da recepção e nada pude ouvir.

Nunca mais voltei àquele hospital. Chamamos a policia e hoje... estou aqui... no meu leito de morte.

Depois daquela noite... eu entendi. Porque ele vomitava sangue.

Hoje sou um homem com a saúde abalada e confesso que não imaginei vivenciar aquilo. Porém, de todos os traumas que aquilo me deu, apenas um ainda me causa arrepios...

Por que ainda desconfio e meu sangue gela sempre quando alguém sente desejo de vomitar?

FIM!

Leandro Severo da Silva
Enviado por Leandro Severo da Silva em 18/06/2019
Reeditado em 22/06/2019
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