O HOMEM SORRIDENTE

Eu costumava caminhar toda noite no central parque ao luar, sempre que saia do trabalho passava por lá. Sentava de frente para o lago em um banco de madeira, com algumas árvores ao redor. Ali eu tinha uma vista esplendida da cidade iluminada, que parecia flutuar por cima do lago. O reflexo da lua dançava lentamente no lago, o vento sussurrava ares esquisitos naquela noite. Era o dia mais tarde que eu havia estado ali. Mas eu precisava, precisava estar ali para livrar meus maus pensamentos do dia, e o estresse do trabalho diário.

Olhei para o relógio, marcava quase dez e meia da noite e não havia ninguém por perto, nem um sinal de vida. Fiquei mais a vontade ainda por conta disso. Sentia-me em paz contemplando todo o cenário. Algumas corujas voavam sobre as árvores atrás de pássaros, elas gritavam, corujas castanhas, com olhos amarelos flamejantes. Seus olhos cintilavam no giro do seu pescoço em 360° graus, uma havia baixado voo num outro banco ao lado do meu. Fiquei encarando sua plumagem vistosa, sua sabedoria infinita, enquanto ela soltava seu chirriar, seu “uuu! uhu!”. Passado mais alguns minutos, me levantei para ir embora, deparando-me com uma silhueta ao longe, era um homem esguio, seu caminhar era aterrador, muitíssimo estranho, parecia dançar torto aos passos rápidos. Vinha na minha direção, caminhei depressa na direção contraria, não sei o que era aquela criatura de andar desengonçado, mas ele me deixava apavorado, olhei para trás várias vezes, e numa última ele havia sumido de vista. Quando tomei novamente a visão, ele brotou na minha frente surgindo na escuridão de maneira que eu não pude desviar da sua aparência medonha. Era o sorriso, seu sorriso estrangulado e exageradamente largo que me dava agonia, parecia ter congelado no tempo das quimeras. Sua face estava fazia, seus olhos leitosos pareciam roubar a minha alma naquele momento. Seu pescoço dobrava para o lado como se tivesse quebrado, tinha cabelos pouco longos e escuros. O homem sorridente estava coberto por um casaco esfarrapado segurando uma faca na mão direita, e não parava de gargalhar, não parava de aterrorizar o meu espírito.

Ele me encarava, seus olhos vidrados e fundos não mexiam, dei meia volta e corri o mais rápido que pude para longe dali, ouvi a sua gargalha além das árvores. Uma viatura da polícia estava fazendo uma ronda no parque, ao longe o guarda me vira correndo, dei com as mãos e gritei desesperadamente para a viatura. Disse para o policial o que havia acontecido, ele me dissera que poderia ser algum ladrão, ou mendigo querendo algo. Mas sei que não era, contei sobre sua terrível aparência, ele pareceu não acreditar nas minhas palavras atropeladas. Aquilo era uma aberração, nunca mais o tirei da mente, e isso já aconteceu há um ano e meio, aonde quer que eu vá nunca apago as luzes, minha casa esta sempre iluminada. A minha paz foi-se embora, não consigo dormir, fui varias vezes ao psiquiatra, tomo vários remédios diariamente, também faço fisioterapia, perdi o movimento do lado direito do corpo depois que tentei contra a minha vida, apontei uma Glock para minha cabeça, não tive escolha, ele gargalhava infinitamente no meu crânio. E desde então nunca, nunca mais ousei descansar naquele parque.