A Escadaria

Era tarde, todos diziam que era dia de fim de mundo, e eu ali com os cotovelos sobre o encosto da janela a pensar. A luz do sol que batia na casa sem reboco do meu vizinho era refletida para dentro de meu casulo, que batia nas paredes amarelas e enfim se revoltava sobre o meu rosto apoiado em minhas mauças, e elas no antebraço que por igual no encosto da janela. A reflexão era um azul avermelhado que fazia ainda mais o parecer daquele dia ser o fim. Eu já havia vivido muitos fins de mundos que nunca me ocorreram até ali, de que me custava mais um. Não havia nenhuma aptidão em mim por ficar ali a olhar para o nada a esperar uma reação de finalidade. Porém eu insistia na ação, por mais que não acreditasse o suficiente para temer que o suposto término ocorreria, ainda me restava uma estimada expectativa de que ainda poderia acontecer o incidente. Eu me desligo, em um devaneio, mas religo-me novamente voltando a apreciar aquela cor do céu que estava a se tornar a cada instante mais em um preto azulado. Uma leve brisa bate no meu rosto e se corta nos fios de meu cabelo crespo, sucessivamente um aroma seco e envelhecido passa sobre minhas narinas... E assim, eu me afasto da janela decepcionado. Não era de meu parecer ser aquele o ''dia do fim do mundo''. Mesmo assim, fico ali mais alguns minutos a observar, até que suavemente o sol se esconde atrás da casa do vizinho e de acordo, meus olhos iam se fechando e me pesando mais a visão. Sem mais suportar, parei de persistir e parti para o meu quarto, deitei-me em minha cama, e minutos depois caí no sono.

Mediocremente iludido pela paisagem

Desfez-se da força que o mantivera

Deixando o que era apreciado

Roubar-lhe a visão

Algumas horas de sono... Levantei-me da cama desorientado, caído na imensidão sonolenta e partindo em direção ao interruptor que ligava a lâmpada de meu quarto. Retirei umas roupas da rouparia, escolhi um par e vesti. Tomei um meu café da manhã às pressas, peguei uns cadernos na estante, coloquei-os na mochila escolar, e assim, fui para a Escola.

Percorri uma curta caminhada e cheguei no educandário. Alguns minutos ali a cantar o Hino Nacional, subimos todos as nossas determinadas salas de aula. Que dia tedioso pensava eu. Mal começará e eu num devaneio daquele. Perdido na enormidade, que vinha a triunfar cada vez mais meus pensamentos contínuos e rigorosos. E de repente por instantes me desligava da realidade, ao parecer de instável. Piscava eu e estava deitado em minha cama aconchegado em meus cobertores, levantei-me às pressas e liguei o interruptor! Tarde demais...

E de tanto retorcer-se aquilo que não era real

Repugnou-se nas águas mais claras da solidão

Pois partir daí, já não distinguia mais a realidade do absurdo

Almocei as frias enquanto pensava naquele ocorrido, mas enfim, de que adiantava chorar o fluido. Que seja, subi para o quarto e comecei a jogar no computador para me distrair.

Cliques aqui, e ali...

Horas se passaram em minutos e não me dei conta de que o tempo passou muito depressa. Já era madrugada, creio que só havia eu acordado naquele momento, e do nada me bate aquela fome do cão. Só havia um caminho para a cozinha, e eu sabia o que encontraria lá, mas, mesmo assim, me levei ao ato de encarar. Peguei uma lanterna de emergência e então agarrei a mão da coragem. Levantei-me da cama e abri a porta do inferno. Logo de cara já se podia ouvir os gritos do silêncio, as cores da escuridão, e as lágrimas do relógio ao caírem no chão.

Tic, Tac...

Dentre tantos submundos

Inundou-se em teu próprio seio

Afogou o medo dentro de uma bacia de suor

E assim, por encanto desfez-se mais uma vez

Da realidade

A coragem um tanto corajosa apertou a minha mão, e enfim dei um passo à frente. Apaguei a luz do Santuário e liguei a lanterna. Mais alguns passos e não haveria mais volta, eu sabia disso, porém a fome falava mais alto. Apertei os passos pelo corredor da morte, onde podia-se ver pessoas a procura de saídas nas paredes dali. Elas se debatiam, e gritavam desesperadamente por socorro. E eu apertava o passo cada vez mais, mesmo sabendo que mais para a frente desejaria voltar aquele corredor.

Cheguei à sala, segui caminhando em direção à porta de madeira e toquei em sua maçaneta. Ela não pareceu se incomodar, até o momento em que a girei. Ela gritou de desgosto enquanto eu continuava a rodar a sua bicanca cuidadosamente e a puxá-la para dentro. Depois de uma algazarra de barulho à abri e cheguei no verdadeiro pesadelo. À ‘’escadaria’’. Tão medonha e assustadora, lá estava ela. Não havia mais como voltar, afinal de que valeria tanto medo jogado para fora. Encarei o meu destino e pus-me a descer. Cada degrau era um medo, cada pensamento um peso, cada sussurro um grito.

E que a própria imaginação

Seja suficiente para calar....

Quaisquer que sejam

As ameaças ao vácuo silencio

Não se podia ouvir nada além dos órgãos de meu corpo se encostando, os meus músculos se contraindo, os ossos rangendo, o coração batendo rapidamente, a respiração mais que profunda, e as veias a pulsar o sangue pelo meu corpo. Eu estava a viver um verdadeiro pesadelo, em que cada passo meu era um estrépito para os meus ouvidos. Estava eu a tremer de amedrontamento, e quase a desmaiar de pânico. Um leve frio na barriga vinha a se expandir pelo meu corpo de acordo com os passos dados por mim. Simultaneamente a escadaria ia a se decrescer e o fim daquele temor estava próximo.

Por fim o último degrau foi percorrido e o remate havia sido encerrado. Corri em direção a cozinha me acomodei na cadeira pertencente a mesa e preparei-me um lanche. Bastava-me agora passar por tudo aquilo novamente, retornar ao meu deleito e enfim encerraria tudo aquilo de vez. Seria fácil agora enfrentar tudo novamente, já não me restava mais medos a alimentar a penúria, ela que morra de fome.

Voltei para o meu quarto com a calma de quem já sabia o que aconteceria ali.

A mesmice… teria eu medo de que?

Entrei no meu deleito, fechei a porta, desliguei o interruptor e deitei-me em minha cama. Instantes depois ouvi alguns chamados distantes de meu nome. Mas que desgrama era aquela em plena madrugada. Levantei-me num desespero danado tropeçando na minha chinela e indo em direção ao interruptor, liguei a lâmpada do quarto e foquei meus olhos em tudo que era canto dali, e nada...

Novamente escuto algo, ou alguém a me chamar...

Continuei ali, quieto. E então chama-me novamente. Dessa vez dei um berro! E após o eco de meu grito ser reprimido no cômodo, um silêncio sinistro se expandiu.

Me acolhi sobre os meus braços ali encolhido, me enchendo de suor. Aleguei a mim mesmo que estava sonhando, e decidi assim tentar dormir para acordar. Cada inspiração e expiração uma nota, cada batimento um tambor a batucar. Enfim dormi ao som da harmônica melodia de meus batimentos cardiovasculares, que lindo ritmo continha.

Dmitry Adramalech
Enviado por Dmitry Adramalech em 06/06/2019
Reeditado em 27/06/2019
Código do texto: T6666705
Classificação de conteúdo: seguro