CHUVA NEGRA

Nuvens escuras no horizonte anunciavam tempestade pela frente. Na TV, boletins meteorológicos indicavam a presença de uma forte massa de umidade em todas as regiões. Era fim de tarde e as pessoas encerravam suas atividades cotidianas, como em um dia qualquer. Pedestres esbarravam-se nas calçadas, alguns já empunhavam seus guarda-chuvas e sombrinhas e todos andavam depressa. Os carros se enfileiravam impacientemente pelas ruas. Todos queriam chegar em casa o quanto antes. Relâmpagos cortavam o céu, seguidos de fortes trovões. O vento soprava com intensidade, espalhando a escuridão das nuvens por toda a abóboda celeste. Pelas ruas as pessoas apressavam-se ainda mais.

Enfim, as primeiras gotas tocaram o solo. Parecia uma chuva normal. Forte, porém normal. Relâmpagos clareavam o horizonte escuro. O vento balançava os galhos, as placas e espalhava lixo pelas ruas. Nos comércios a vida seguia normalmente. Era só mais uma chuva forte que estava por vir. Retardatários se esgueiravam com dificuldades pelas áreas cobertas das calçadas. O trânsito era lento como de costume, com o agravante dos alagamentos, incidentes e acidentes que a chuva trás.

A tempestade foi se intensificando. Em vez de se dispersarem, as nuvens escureciam mais e mais. A precipitação foi adquirindo uma consistência espessa, uma tonalidade plúmbea e um estranho odor. Na TV diziam se tratar de uma tempestade ácida em escala global, jamais vista antes. As horas passavam, a chuva não. Pelo contrário, parecia aumentar cada vez mais. E assim seguiu por toda a noite sem dar trégua.

Ao amanhecer o sol não apareceu. As nuvens carregadas ainda cobriam todo horizonte e não davam sinais de arrefecimento. A chuva permanecia idêntica. E assim foi por uma semana. As pessoas tentaram seguir suas rotinas, mesmo em meio às visíveis dificuldades causadas. Sair de casa, trabalhar, estudar, enfim, viver apesar da chuva. Porém o quadro apenas piorava com o passar do tempo.

Dias depois a tal tempestade ácida global tornou-se mais espessa, escura e fétida. O fluido expelido pelas nuvens em nada mais se assemelhava à água. Parecia óleo, piche ou graxa talvez... Porém não era nenhum elemento já conhecido. O solo não absorvia aquilo. Plantações inteiras foram devastadas, ruas enlameadas, pessoas ilhadas. Já não era possível sair de casa. A lama negra foi se acumulando por entre as vias, invadindo casas, derrubando-as. Os veículos já não passavam mais. O fedor de enxofre predominava em todos os lugares. O fluído corroía metais, plásticos, pele humana. As telecomunicações caíram. A energia elétrica se foi.

As pessoas estavam desesperadas. Faltava tudo. Água, comida, medicamentos. Queriam rezar, mas não podiam ir à Igreja. As árvores morriam, não havia mais plantas, pássaros, galinhas ou gado. As pessoas enfraqueciam, adoeciam e morriam sem condições de socorro ou sepultamento. Tudo que se via era trevas, a incessante chuva negra e com ela aquilo que parecia o fim.

E assim foi, como na velha história das escrituras, por quarenta dias e quarenta noites. Quando já não havia quase nada ou ninguém, a chuva negra foi diminuindo, as nuvens se dispersando e o sol voltou a brilhar no céu. E com ele um novo problema. À medida que seus raios aqueciam aquela massa pegajosa, gases tóxicos evaporavam causando mais envenenamentos e mortes. O aquecimento também trouxe fogo e esse fogo foi varrendo aquilo que sobrou da superfície do planeta. Depois vieram novas nuvens negras, nova chuva negra também e o ciclo se repetiu indefinidamente.

Quem conheceu um planeta azul outrora chamado de Terra, a partir de então, de longe, muito longe, agora só avistaria uma elipse negra vagando sem nome e sem vida no firmamento.

W B Guilherme
Enviado por W B Guilherme em 06/06/2019
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