TEM GOSTO DE GALINHA - DTRL 35

OS GÊMEOS

Gregori e Georgina, nasceram em 20 de janeiro de 1983, portanto com 10 anos agora. Seus pais, Mary Ruth Gilligan e Leopold Patrick Gilligan, ela uma estilista renomada e famosa, ele empresário do setor de hipermercados, tinham 46 e 54 anos respectivamente quando morreram naquele acidente de trem misterioso, que ninguém sabe até hoje ao certo como se deu. O ano da tragédia foi 1989. Nossos gêmeos, com 6 anos, pouca coisa se lembram dos pais, muito devido a vida corrida que tinham e o total desprezo com relação aos filhos, relegados aos cuidados dos empregados quase que integralmente.

Educados em casa, também não frequentavam escola, até agora. Porque Jacob, o único tio que eles tinham, por parte de pai e agora seu tutor, queria por fim à educação domiciliar e mandá-los para a escola, com muita resistência por parte deles e também da governanta, Dona Silvia. Ela cuidava dos dois, esbanjando por eles um amor maternal, que sobrepujava as obrigações do seu ofício.

-O que ela está fazendo? Da licença, eu não consigo ver.

-Sai pra lá sua enxerida, -disse Gregori empurrando de leve a irmã, -tá bebendo água. Agora o Ian entregou um bilhetinho pra ela e ela quase se afogou de susto. Tá indo para o pátio. Vamos!

Gregori e Georgina espionavam uma colega de classe, que conheceram logo no primeiro dia de aula. Sentava atrás de Gregori, chamava-se Helena. Loura, alva como a lua, de olhos verdes e óculos que pareciam aumentar ainda mais a intensidade desconfortável daqueles olhos curiosos. Desde o início eles souberam que era ela. Teria de ser ela. Tinha todas as características que buscavam.

-Helena? -chamou Georgina. Helena de costas, pareceu ignorar de início. Um suspense foi-se criando e uma densidade sombria se instalou. Até que Helena virou-se e ficou encarando Georgina e Gregori.

-Vieram aqui, atrás de mim? Já estão me seguindo há 3 dias. Eu vejo vocês no refeitório, você -apontando Georgina, -no banheiro quando eu estou lá. Gregori, na quadra, fingindo que joga futebol com os meninos pra me observar. Vocês não disfarçam bem, sabia? Se querem mesmo jogar esse jogo, saibam que encontraram um oponente à altura. Seus mequetrefes!

Estão vendo lá naquela árvore? -apontava ela. Era uma laranjeira que ficava na área recreativa da escola. Com bancos, arbustos e mesas, onde os alunos podiam jogar jogos de tabuleiros ou simplesmente sentar e jogar conversa fora. O que Helena apontava era um pássaro. Um dos médios, peito estufado, amarelo. Um bem-te-vi. Tirou uma atiradeira de trás da cintura, catou uma pedra do chão e mirou. Tencionou e relaxou a borracha umas três vezes, enquanto mirava, com apenas um olho. Então lançou a pedra. Um único e certeiro golpe no pescoço da ave e o belo e cantante animal caiu molenga como se feito de pano. Georgina e Gregori observavam o espetáculo fascinados. Sorriam um para o outro e depois para a nova amiga. Quando deram por si o orientador vinha correndo com a prancheta na mão todo estabanado e gritando. Deixou cair os óculos e parou para juntá-los. Eles correram tanto que quando chegaram no muro e olharam para trás não mais viram o homem. Desta forma, sorrateiramente se enfiaram numa passagem subterrânea através de um alçapão. O local ficava num canto entre os muros leste e dos fundos da escola, embaixo de uma mangueira gigantesca e carregada de frutos.

Gregori e Georgina conheciam bem o local. A escola centenária guardava segredos e aquele esconderijo era um deles. Os antigos contavam essa lenda, que não era vista com interesse pelos membros da nova geração, de que há mais de 300 anos, naquele local existia uma abadia e que um arguto fazendeiro, conhecedor do túnel subterrâneo escavado pelos escravos, cruzava as propriedades toda a noite para fazer amor com suas freiras amadas. Eram três: Amélia, Cecília e

Gioconda. Esta última, italiana recém-chegada do país mediterrâneo, era a sua preferida, com quem tinha noites tão quentes e cheias de paixão, que causavam ciúmes nas outras duas.

-Vocês sabiam que muito tempo depois que a abadia foi fechada, Lecter (O Estrangulador), serial killer famoso que só fazia vítimas mulheres e as estrangulava enrolando um cinto de couro no pescoço, trazia os corpos para cá e cometia necrofilia antes de esquartejar, cozinhar e comer eles? E que com os ossos decorava as paredes? Vejam, aqui estão. Olhem como são lindos, metodicamente colocados, cada osso, do maior para o menor, com a caveira no meio, formando os arcos e circunferências. Artisticamente belo e arquitetonicamente eficiente.

-Ai, Gregori. Você e seu ideal clássico, chato. Não pode só apreciar um bom assassinato? Matar alguém em si já não é uma arte? O que acha, Helena? -A jovem, que distraída admirava os pórticos majestosos, sustentados por colunas de ossos, fêmures mais especificamente, não ouviu Georgina, que sorrateira e maliciosamente puxou os cabelos dela. Helena, enfurecida virou-se rapidamente esganando Georgina. O clima tenso pareceu não incomodar nenhum pouco Gregori, que se divertia dizendo: -Morte, morte, morte, morte! Porém de fato, o irmão, que conhecia a irmã muito bem, não falava dela como vítima, mas como a autora de um assassinato e foi essa reviravolta que alterou a situação, quando a gêmea usou de uma técnica pouco usual para alguém de sua idade e porte e com a mão esquerda (sua mão boa), aplicou um golpe na garganta de Helena que a fez recuar. O golpe consistiu em abrir seu punho fechado num movimento rápido, com o qual acertava o alvo. Causa um efeito retardante que atrapalha a coordenação motora do atingido.

Enquanto Helena se recuperava pôde ver os gêmeos olhando para ela, sérios, com os cenhos cerrados e leves sorrisos psicóticos. Ela se deu conta então de que os irmãos, assustadoramente tinham não só a semelhança física, mas também suas atitudes e reações eram sincronizadas. Ela gritou de pânico e ameaçou sair correndo, mas os dois a cercaram.

-Queria brincar e agora está fugindo. Não vá, ainda é cedo. Nem conheceu o anfitrião da festa. Diga olá, Lecter.

-Gregori, não seja mau com nossa convidada. Se ela não quer brincar, deixe-a ir. Vá, está livre. Mas se ficar posso ensinar algumas coisinhas. E se você tiver a frieza das mentes mais astutas e geniais, pode aprender a apreciar um assassinato com o mesmo prazer que aprecia uma boa música clássica ou mesmo um bom vinho. Se tiver interesse, menina, junte-se a nós.

Hannibal Lecter disse essas palavras e virou as costas junto com os irmãos. Ele no meio e os irmãos cada um de um lado o acompanhavam.

Chegaram num salão oval com uma grande mesa farta de comida e vários convidados. Umas quarenta pessoas mais ou menos. Todos adultos, homens e mulheres, só os 3 ali eram crianças. Hannibal conversava com um homem de óculos, um rosto sujo, cabelo besuntado e compacto, que sorriu maliciosamente para Helena. A loirinha nada assustada quis entrar na toca do coelho e pagar o preço.

Quando Hannibal dirigir-se ao centro da mesa e bateu com o talher na taça, chamando a atenção dos demais, todos se calaram e ouviram.

-Irmãos, sejam todos benvindos a mais um encontro anual desta seleta irmandade secular. Mais uma vez estamos aqui para brindar o triunfo do conhecimento sobre a ignorância e para demonstrar que somente aqueles de raça e espírito superiores herdarão a face da terra e não os mansos como o livrinho faz os tolos e pobres acreditarem. Sabemos, senhores que a idade das trevas teve esse título não foi à toa, mas dentre a escuridão os de estirpe nobre e mentes elevadas sempre lutaram para defender a ciência e a razão. E em homenagem a eles vamos nos banquetear hoje com um dos hereges que ainda insistem em disseminar a fé cega e a esperança vazia de um Deus invisível e cruel.

Vejam, -nesse momento um dos serviçais arrancando o pano negro que cobria algo no centro de um altar, revelou um homem nu acorrentado e amordaçado que se debatia inutilmente. Hannibal Lecter, com violência enfiou sua mão no peito do homem, arrancando de uma vez seu coração que ainda batia e comeu um pedaço. No momento em que teve extirpado seu órgão o homem revirou seus olhos e deu um gemido surdo e alto que fez todos se exaltarem, não de pavor, mas de alegria. Mesmo Helena, nova naquele mundo tão macabro e sanguinolento, não podia evitar a emoção. Hannibal ofereceu o coração que aos poucos ia parando de pulsar, a cada um dos convidados que comiam um pedaço e passavam para o próximo.

O sangue daquela pobre vítima havia inundado o chão à frente, respingado bastante em Lecter e nos convidados mais próximos e ainda agora espichava.

Hannibal, com uma boa faca e um afiador, servia a todos fazendo os cortes da forma precisa com que um açougueiro faz cortes de suínos numa casa de carnes.

Gregori e Georgina ficaram com a parte externa das coxas direita e esquerda, que eram bons e apetitosos pedaços, segundo os canibais sugeriram e Helena ficou com algumas costelas, que ela comeu com as mãos.

Por mais que Lecter apreciasse as carnes assadas e temperadas de acordo com a alta culinária, não poderia fugir das tradições daquele ritual milenar, onde a peça teria de ser morta com as próprias mãos do abatedor e servia crua e consumida com nada mais do que água para a fácil digestão.

Mas aqueles magnatas perturbados faziam sua refeição de acordo com a etiqueta, despreocupados com a atrocidade a poucos minutos praticada, como se comessem carne bovina em um jantar convencional. Não viam nisso nada que pudesse perturbar seus espíritos ou tirar seu sono.

Mais tarde, depois do desjejum, os 4 se acomodaram na sala. Hannibal sentado em uma poltrona e as crianças em um sofá confortável de couro à frente.

-Gregori, quero agradecer por manter viva a memória de meu saudoso avô. Eu escutei seu relato mais cedo de como ele conseguiu sua fama de assassino e assim manteve a tradição de seus ancestrais. Vocês sabem que para mim, o último desta linhagem e que não pretende deixar herdeiros, é uma tarefa um tanto ingrata manter viva a memória dos Lecter. Mas eu continuo seu legado por respeito e porque isso é da minha natureza. Assim como é da natureza dos pássaros do hemisfério norte migrarem para o sul no inverno.

-Tio Lecter, o senhor vai fazer de nós seus herdeiros? Perguntou Georgina, a mais preparada e devotada discípula. Gregori, que também tinha sangue nos olhos, mas por vezes acabava sendo subserviente à irmã, também esperava ansioso por aquela resposta.

-Assim são as tradições, pequenos, mais fortes que os laços de sangue. Se temos seguidores leais ela perdura. Mas a traição, a inveja e a ganância, são coisas que consomem o ser humano como ervas daninhas. Vocês tem que tomar cuidado é com vocês mesmos e agindo certo, conforme as normas da irmandade, terão um longo futuro. São meus pupilos, serão sim meus herdeiros. Agora vamos aos jogos? Gamão pra começar? Depois xadrez.

O JOGO (QUEM PERDE, QUEM GANHA)

Após esse intenso primeiro encontro entre Helena e os gêmeos as coisas não foram mais as mesmas para ela. A menina quieta e que sofrera bullying a vida inteira, que não se achava bonita, nem interessante, agora ria de tudo e sentia-se, digamos, uma super-heroína por saber que recebendo o treinamento e os ensinamentos da irmandade ela logo estaria apta a aplicar sua vingança de forma vagarosa e deleitosa.

Quando se reuniram novamente, fora da escola, puderam pensar qual seria o próximo passo que dariam juntos.

-O que acham dele? É filho da empregada, quem sentirá falta? Essa gente tem um monte de filhos, são como pragas, se proliferam aos milhões. O Joseph é judeu ainda por cima. Não é perfeito? Sugeriu Gregori, sujeitando-se à irmã em seguida, que pensou por alguns segundos.

-Ele é estranho Greg, não sei. Já convidamos ele pra brincar outras vezes, mas ele é quieto, não se mistura.

-É, mas agora temos a Helena. Viu o jeito que ele olha pra ela? Acho que está apaixonado. Faria isso Helena? Seria seu batismo. A porta definitiva para entrar pra irmandade.

-Sim eu farei. E não precisam nem dizer o que devo fazer. Observem. Disse enfática e saiu. Gregori e Georgina observavam curiosos. A vista privilegiada da sala, pela janela grande, fazia os dois enxergarem a frente da propriedade quase que totalmente. No jardim Joseph cheirava as rosas que sua mãe tão gentilmente plantara. Ele tinha orgulho da mãe e do ofício dela. Quando Helena se aproximou ela sussurrou algo no ouvido dele. Os irmãos observaram com desconfiança e não imaginaram o que veio a seguir. O moço, tão gentil e educado, amante da natureza, cortou uma rosa vermelha e deu para ela, sem pensar duas vezes.

Gregori, meio ressentido lembrou-se de todas as vezes que Joseph lhe negava as flores, afinal o filho da jardineira tinha sido o primeiro namorado dele e o único para quem ele se abriu totalmente a respeito de sua sexualidade reprimida, mas depois riu da cena com a irmã. O jovenzinho boboca estava no papo.

Atraído para uma área afastada da propriedade, debaixo de uma figueira, o rapaz recebia socos e chutes enquanto era empurrado de um para outro. Por fim de tanto apanhar acabou desmaiando e então Georgina munida de uma faca cortou a garganta dele segurando sua cabeça pelo escalpo. Sangrava o menino como se faz com um cabrito. Depois usaram uma serra para fatiar os pedaços e embalar. Usaram o galpão onde ficavam as máquinas e equipamentos da fazenda, para cozinhar. Tinham sua pequena irmandade agora e brindaram a primeira vítima que os três fizeram juntos com refrigerante ao invés de água.

TIO JACOB

-Alô, Clarice?

-Dr. Lecter?

-Sim, Clarice, sou eu. Agora um dos 10 homens mais procurados dos E.U.A. Eu até arriscaria o sigilo da minha localização sabendo que você poderá rastrear este número, mas acredite, de onde estou, rastrear não irá ser muito útil para o F.B.I.

-Sentiu falta das nossas conversas?

-Se eu senti? Digamos que eu gostava mais daquela jovem assustada e ainda assim instigada e ousada que me confrontava de igual pra igual mesmo que desse pra sentir o cheiro do medo a quilômetros de distância. Está jantando agora?

-Como sabe?

-Pude ouvir quando raspou de leve o talher na louça.

-Ainda um atento observador. Uma admirável qualidade, para alguém não tão admirável.

-Eu diria que você admira minhas qualidades. E a julgar pelo que tenho visto de você nos jornais, pareço ser o seu melhor caso até agora. Pelo menos com a minha ajuda você pegou o Bill, não foi?

-A minha vida ainda lhe interessa, Doutor?

-Ah, sim. Toda a vida me interessa. E por falar nisso tenho um jantar agora. Preciso desligar. O prato parece estar querendo fugir. Até logo agente Starling.

-Ora, ora, porquinho. Não pode ir a lugar nenhum sem esta vértebra que eu estou segurando. Vê? Se arrastar é inútil. Só prolonga sua dor e aumenta meu prazer. Acredite, a carne mais suculenta é aquela que mais apanha antes de se abater.

-Seu monstro, todos saberão o que você fez. Sou um homem rico, tenho muita influência. Sei que meus sobrinhos mataram os próprios pais naquele acidente de trem e sei que você é o mentor deles.

-Quer falar comigo de riqueza e influência? Quer mesmo ter essa conversa? Seus sobrinhos são melhores do que você jamais será. Os pais deles morreram porque eram péssimos pais. Se tivesse um filho, Jacob, daria uma arma para ele e o obrigaria a matar um veado numa caçada, com apenas 5 anos de idade? Se tivesse uma filha, Jacob, pediria para ela ficar nua e a tocaria enquanto ela estivesse paralisada pelo medo? Acha que seu irmão Leopold merecia um destino diferente do que ele teve se não um que fosse ainda pior?

Gregori e Georgina são crianças destruídas pela dor e o sofrimento. Elas acreditam em mim, que eu seja a salvação delas. Vêm até mim e me têm como um pai, eu conto histórias para elas e fiz elas acreditarem em algo.

O que você precisa entender é que eu não transformei elas nisso, foram vocês, com repressão, machismo, autoritarismo e hipocrisia burguesa. Eu só mostrei pra elas como revidar. E Jacob, adivinha quem eu convidei para o jantar?

******FIM******

Tema: Gêmeos / Funfic: Hannibal Lecter