UM VAMPIRO NA CORTE DO REI SOL, QUEM DIRIA, ACABOU NO BRASIL.
França, 1688. Alguns convidados do jantar real se aglomeram no salão das Conquistas, no palácio de Versalhes. O rei, Luis XIV, deixara a frieza do palácio do Louvre e se mudara com a corte pra suntuosidade dos setecentos quartos e extensos jardins de Versalhes. O vento soprava forte. Aliado a uma chuva fina, deixava aquele inverno mais rigoroso. O jovem barão Lukkas Reinard recusa uma taça de vinho, oferecida por um serviçal. Ele conversa com alguns nobres. Seus olhos e ouvidos estão atentos pois alguns boatos na corte falam de traição ao conselheiro Dumont. Lukkas é um dos fiéis ajudantes do conselheiro. Lukkas desconfia do duque Bernard de Champagnac. Do outro lado do salão, ele observa Bernard conversando, animadamente, com o conde Gastom, um velhaco ardiloso e cruel. Eles bebem e falam alto. Lukkas odeia isso!!! O jovem barão estudara em boas escolas. Formara-se em economia. Amante da filosofia, artes e letras. Falava baixo e tinha gestos refinados. Uma bela jovem se aproximou dos dois nobres. Lukkas fixou os olhos naquela dama de vermelho. Ela coloca a mão sobre o braço do velho Gastom. Parecem bem íntimos. Lukkas faz um aceno para um dos garçons. -" Caro Renan!! Aquela dama com Gastom e Bernard. Descubra quem é ela!!! Seja discreto!!!" Lukkas colocou uma moeda no bolso do empregado. Ele se curvou com a bandeja na mão e saiu em meio a multidão. Lukkas olha o relógio. Quase meia-noite!!! O rei estipulara o horário de meio-dia para o desjejum da corte, cinco da tarde para o almoço e meia-noite para o jantar. Os sinos tocaram, anunciando a chegada do rei ao salão principal. Os nobres se alvoroçaram. Queriam os melhores lugares no jantar. Lukkas assistia aquilo indiferente. O empregado Renan retornara. -" Meu senhor, perdoe minha demora. Juliet de Dijon, dezoito anos, sobrinha do conde Gastom." Sussurrou. O barão Lukkas sorriu satisfeito. Colocou outra moeda no bolso do empregado. -"Grato!!!" Lukkas se colocou junto a porta do salão dos Espelhos, por onde os nobres passariam. O conde e sua sobrinha passaram por ele. Lukkas encarou Juliet. Ele curvou levemente a cabeça. Juliet corou, tímida. Ela sorriu. Enfim ela encontrara alguém de sua idade naquela festa monótona. . O tio a empurrava para os braços de Champagnac, um sujeito grosso e asqueroso. Lukkas pediu sua capa e chapéu a um criado. Ele se dirigiu ao jardim. Queria evitar passar pelo salão dos Espelhos por motivos óbvios. Um vampiro não se reflete nos espelhos pois não tem alma. Lukkas andou pelos jardins. Resolveu entrar no palácio, tempo depois, pra falar com o conselheiro Dumond. Lukkas se misturou aos nobres. A valsa atrai alguns casais ao centro do luxuoso salão. Lukkas observa o cardeal Rizzieri conversando com o conselheiro. Lukkas planeja ter mais poder junto ao conselheiro e pra isso ocorrer deve tirar o cardeal de seu caminho. Lukkas matara seis pessoas antes de chegar ao seu posto atual. Ele queria mais poder. Queria ficar cada vez mais perto do rei. Sentia que era o mais preparado e inteligente pra aconselhar o rei. Sua mente viajou ao ano de 1450. Seu pai, o conde Mezzac Johann Reinard Dracull, vivia feliz na Romênia, tendo diante dos olhos a beleza dos Cárpatos. Lukkas frequentou as melhores escolas e primava pela mente prodigiosa. Ele via os pais somente a noite. O mordomo dizia que eles eram mercadores viajantes. Lukkas tinha vinte anos quando encontrou a entrada para um porão. Sob um tapete grosso viu a entrada pra uma sala secreta. Entrou com uma tocha e viu dois caixões de madeira sobre uma mesa. Símbolos estranhos nas paredes. Abriu os caixões e viu o pai e a mãe dormindo. Ouvira falar que vampiros existiam mas jamais poderia pensar que estivessem tão perto dele. - "Já era tempo de saber, filho! Somos vampiros." Disse o pai, naquela mesma noite. Ele sentira a presença do filho no lugar secreto. -" Filho, somos descendentes do cruzamento de anjos caídos com mulheres. Nossos ancestrais eram gigantes malvados e fortes. Eles falavam com os deuses. Quem não agradava os deuses eram transformados em vampiros, seres vivos mas sem alma." O pai de Lukkas mostrou ao filho desenhos de vampiros em monumentos assírios e egípcios. A mãe dele se aproximou. Lukkas fechou os olhos. Sentiu um torpor. -" Será sempre jovem e belo, filho. Mais poderoso que nós. Se algo nos acontecer, procure seu primo Vlad terceiro, conde e governador da Valáquia. Lukkas sentiu uma mordida no pescoço. Cinco anos depois, Lukkas voltava de uma viagem a Roma e Veneza. Seguiu a pé pra casa, como sempre fazia. Do alto do morro viu centenas de pessoas saindo do castelo do pai. Estavam armados com paus e lanças. Lukkas ficou na floresta, esperando anoitecer. Entrou no castelo vazio. Nenhum empregado. A entrada secreta estava aberta. Entrou e viu os caixões vazios. Uma estaca em cada um deles era o sinal que seus pais tinham virado pó. Chorou copiosamente. Nenhum cavalo restara. Lukkas fugiu dalí e resolveu procurar seu primo, Vlad terceiro, o empalador. Tornou-se general do primo, na luta contra os otomanos. Vlad era um herói. Tempo depois, com a prisão de Vlad pelos otomanos, Lukkas decidiu perambular pelas cortes européias. Resolveu conhecer a Ásia e a África. E agora estava ele alí, encantado por Juliet. Ele a encontrou, sozinha, no jardim. -" Linda lua, senhorita. Ela nem chega a ofuscar sua beleza!!! Permita me apresentar. Barão Lukkas," A jovem nobre corou. -" Um cavalheiro gentil. Estou encantada!" Ele olhou fundo em seus olhos. Beijou sua mão. Juliet sentiu um arrepio. Ele a cobriu com sua capa preta com forro vermelho. Sentiu o perfume enebriante e doce. Ela fechou os olhos e abriu levemente os lábios, esperando por um beijo. Lukkas a tomou nos braços e a beijou. Juliet sentiu seu corpo levitar. Estava apaixonada por aquele homem misterioso e atraente. Ele decidiu levar Juliet pra sua casa, onde se amaram por dia a fio. Finalmente, depois de uma semana, ele a mordeu. Juliet era igual a ele. Uma vampira. Meses depois, o cardeal Rizzieri folheava documentos em seu escritório. Janela aberta. Onze da noite. Um grande morcego entrou no local luxuoso. Vinho, pães e moedas de ouro sobre a mesa. -" Boa noite, cardeal." O religioso quase caiu da cadeira, assustado. -"O que é isso???!!!! Não te anunciaram, barão. Me assustei!!!" Lukkas sorriu, malicioso. -" Entrei pela janela. Corrupto, traidor e ladrão do povo!!! Quero seu lugar!!!" O cardeal puxou uma adaga debaixo da mesa. Veloz, atirou a arma no peito de Lukkas. -"Bravo!! Corajoso mas ineficiente." Retirou a adaga do peito, sem sinal de sangue. Antes que o cardeal piscasse, Lukkas estava atrás dele, o enforcando. -" Olhe para mim, cardeal. Veja como realmente eu sou!!!" O homem suava frio. -" Não irei lhe morder pois não merece ser um de nós." O religioso estava horrorizado com a visão. Lukkas torceu o pescoço do outro, matando-o. Pouco tempo depois, Lukkas subiu de cargo e suas idéias sobre o equilíbrio do sistema tributário agradaram muito ao conselheiro e ao rei. Lukkas era bem visto pela corte. Com o advento da revolução francesa e queda da monarquia, Lukkas e Juliet resolveram morar em Roma. A inquisição levou-os ao novo mundo, a América. Carolina do Norte, Estados Unidos. Lukkas e Juliet viviam bem. Tinham muito ouro e uma bela casa em Sunville, uma pequena vila. Os moradores logo se afeiçoaram aos novos moradores. Tom Osvald foi contratado como mordomo deles. Lukkas o pagaria muito bem mas pra isso deveria obedecer a tudo. Lukkas contou a ele que era um vampiro e jamais faria mal a ele. Tom nem se abalou. Ganharia muito dinheiro e em pouco tempo estaria rico. Lukkas e Juliet buscavam suas vítimas noturnas em outras localidades. O tempo passou. Pra todos os efeitos, os patrões de Tom eram comerciantes. Viajavam de dia a negócios. Estavam em casa somente a noite. Lukkas e Juliet dormiam, durante o dia, num porão secreto, em caixões com terra da Romênia. Tom vigiava a casa e, vez ou outra, saía com a carruagem vazia, fingindo buscar seus amos em cidades vizinhas. O juiz, o prefeito, o pastor, o delegado e alguns moradores visitaram Lukkas e a esposa, certa noite. Levavam bolos e garrafas de rum de presente ao casal. Lukkas e Juliet ficaram felizes. O delegado John Silver saiu daquela casa com uma pulga enorme atrás da orelha. Dois dias depois, reuniu as autoridades da cidade em sua casa. Era meio-dia. -" Esses dois moram aqui há décadas e jamais os vimos durante o dia. Sempre jovens e belos. Hoje vi algo intrigante. Uma prova que são vampiros! Na casa existe um retrato de Lukkas, uma bela pintura com assinatura de Leonardo da Vinci. Datado em 1470." Eles se entreolharam. Era a prova. Eles foram armados a casa de Lukkas. Dezenas de pessoas se juntaram a eles. O delegado atirou em Tom, matando-o. Eles vasculharam a casa. O juiz achou a entrada do porão. Dezenas deles invadiram o local com armas, paus e tochas. O delegado abriu os caixões. Juliet dormia em paz. O delegado apontou a estaca no peito da moça. Dezenas de armas apontavam pra ela. O pastor rezava. Juliet abriu os olhos. Um golpe fatal. Ela gritou e assumiu a forma de uma velha com cabelos alvos e dentes pretos. Virou pó na frente de todos. Lukkas saiu da caverna escura assim que anoiteceu. Sentiu uma dor no peito. Sentiu que Juliet se fora pra sempre. Um morcego enorme sobrevoou a vila e a casa incendiada. Lukkas tinha ouro na caverna e isso garantiu que retornasse a Europa. Perambulou por Londres e Irlanda. A segunda guerra mundial o fez mudar de ares e escolheu o Brasil. Lukkas viveu durante décadas no sul, em Joinville, num clima parecido com a Europa. Adorou o Rio e a bossa nova. Em 1981 foi a Londres assistir o casamento real de Charles e Diana. Se divertiu com o clip de Thriller, de Michael Jackson mas odiou o filme Entrevista com o vampiro, com Tom Cruise e Bradd Pitt, de 1994. -" Não somos assim, tão monstruosos!!!" O gosto por economia e política o levou a morar em Brasília. Lukkas vive tranquilamente numa mansão a beira do lago Paranoá. -"O mundo mudou muito. Perdeu o glamour!!!" Costuma dizer. Ele troca a terra de seu caixão com forro aveludado, duas vezes por ano. A terra da Transilvânia chega via internet. Um luxo. -" Aqui há muitos iguais a mim mas eles, em vez de sangue, sugam o dinheiro do povo!!!" Costuma dizer o interminável Lukkas, ainda jovem e belo como na corte do rei sol. FIM