A Gripe
O dia 29 de março daquele ano amanheceu nublado, com nuvens carregadas. Porém, por volta das 10 horas da manhã, o Sol forte já havia aparecido e iluminado os céus daquele sábado. Naquele momento, os portões do Shopping Lenheiro se abriram e, meia hora depois, suas lojas e corredores já estavam tomados por pessoas.
Era por volta do meio dia. Uma das salas de cinema do Shopping, a qual passava um filme famoso de super-heróis, estava lotada. Dentre os espectadores estavam Alex e Matheus. Alex era moreno, alto e forte; Matheus era claro, franzino, mas também alto. Ambos tinham pouco mais de vinte anos de idade.
Do lado de fora, na também cheia praça de alimentação, estavam Pedro e Sarah. Eles se encontraram vindo de lugares opostos com bandejas de estabelecimentos comerciais e sentaram-se em uma das poucas mesas vazias do local. Pedro era claro, alto, franzino e usava óculos; Sarah era baixa, loira e magra. Ambos tinham pouco mais de vinte e cinco anos de idade.
O casal passou a comer seus respectivos lanches, enquanto aproveitavam para conversar. Um senhor espirra alto logo atrás de Pedro, assustando o casal. O rapaz olhou para o trás. Percebeu um senhor, com saúde debilitada, de frente a ele, em uma mesa adjacente, com as mãos sobre o nariz. Junto dele, havia um homem de trinta e poucos anos. Ao perceber Pedro o avistando, o senhor pede desculpas com um aceno de mão.
Pedro vira-se novamente para Sarah.
- Que susto! – disse a garota.
- Então. – disse o rapaz.
O casal voltou a conversar. Logo depois, o senhor espirra novamente. Em seguida, tossiu continuadamente. O homem disse ao senhor, enquanto se levantava da cadeira:
- Pai. Vamos ao banheiro ver esse sangramento no nariz.
Poucos segundos depois, o rapaz e o senhor passaram por Pedro e Sarah.
No cinema, Alex e Matheus assistiam ao cinema. Repentinamente, tampando um rápido trecho do som ouvido pelos espectadores, um senhor espirra alto algumas fileiras atrás – alto o suficiente para assustar algumas pessoas, incluindo Matheus.
- Puta que pariu, que susto - disse Matheus, passando a mão no peito por sob a camisa, enquanto virava o corpo para a frente.
Em um intervalo de tempo ínfimo depois, o senhor começou a tossir alto e contínuo, além de fazer barulho como se estivesse engasgando. Matheus e Alex viraram para trás, a fim de fitarem o que estava acontecendo.
- Está tudo bem, senhor? – perguntou um rapaz, ao seu lado, preocupado. O senhor continuou a tossir. Virou a cabeça para o lado e tossiu forte no colo do rapaz, expelindo sangue. Em seguida, caiu encostado de forma desengonçada no próprio banco, em completo silêncio.
- Ai, que merda! – gritou o rapaz, se levantando, irritado. – Você cuspiu sangue em mim!
- Acho melhor chamar o lanterninha! – disse Alex, do seu banco
Um outro rapaz, que estava sentado em um banco próximo à saída, se levantou em um só pulo, correu até a porta, abriu com certo cuidado e chamou o lanterninha.
Enquanto isso, uma jovem que estava sentada no oposto do senhor começa a chamá-lo e desferir leves tapas em seu rosto. “Senhor, senhor!”. Contudo, ele estava atônito, completamente parado e com olhar vítreo.
- Ele não mexe! – disse a moça para o rapaz que teve o colo tossido.
Para surpresa de todos os espectadores do cinema, logo após a fala da garota, um jovem começou a tossir continuadamente em uma fileira do fundo. Sua tosse alta e rouca, semelhante à do senhor, chamou a atenção de todo mundo no cinema.
- O que está acontecendo? – perguntou um preocupado Matheus
Sem que ninguém visse, entretanto, o senhor ora apático mexe a cabeça em direção à garota parada ao seu lado. Logo após, abre sua boca e crava os dentes no braço da mesma.
A garota urra de dor. Todo mundo olha estupefata para ela. O senhor se levanta da cadeira, se desvencilhando do braço da moça e levando consigo um naco de carne em sua boca. A moça cai no chão enfraquecida, com o braço encharcado de sangue e gritando de dor.
O cinema inteiro ficou completamente paralisado diante de tanto torpor. Só não havia silêncio absoluto porque a tosse do rapaz continuava estridente e o senhor emitia um som baixo que parecia um rosnado.
Em seguida, o senhor virou-se de costas e fitou o rapaz na qual tossira em seu colo mais cedo. Este, assustado com o rosto franzido do senhor e com o pedaço de carne entre os dentes, fica em posição de defesa. Entretanto, esta é completamente inútil, pois o senhor facilmente rompe esta barreira ao avançar sobre o rapaz e morder com força a região do seu ombro direito.
O berro apavorado do rapaz foi o estopim para todos os espectadores saírem correndo em frenesi.
Pedro e Sarah continuavam conversando enquanto se alimentavam. Ao fundo, podia-se ouvir o senhor espirrando alto a algumas mesas de distância. Também era possível ouvir tosses e espirros esparsos pelo local.
- Isso porque o inverno nem começou... – disse Pedro
- Verdade. Parece que a gripe já chegou antes do frio... – disse Sarah
- Espero que eu não gripe... não estou podendo faltar mais ao tra... – dizia Pedro. Entretanto, um grito assustador de dor ecoou pelos quatro cantos da praça de alimentação e congelou a todos.
Todos os ocupantes da praça de alimentação viraram em uníssono em direção à origem do grito. Perceberam o senhor caindo nervosamente sobre o filho, salivando sangue e esticando a mão em sua direção. O filho gritava por socorro e tentava impedir que o pai arrancasse mais um naco de parte do seu corpo – como já o fez com a parte externa de seu braço direito.
Algumas pessoas passaram a tentar desvencilhar o pai de cima do filho. Este estava encharcado com sangue oriundo do braço machucado e do naco de carne viva na boca de seu pai.
Dois jovens espadaúdos que estavam em uma mesa adjacente ao ataque seguraram o senhor. Este possuía uma força descomunal, dificultando que ambos conseguissem lhe segurar. As pessoas da praça de alimentação continuam atordoados, paralisados em seus lugares, fitando a cena mórbida. O filho começa a ter choque hipovolêmico e ter convulsões no chão. Uma moça igualmente próxima corre para ajudá-lo. Levanta sua cabeça e tenta, com a mão, desenrolar a língua do rapaz.
Entretanto, todos os esforços foram em vão. O rapaz para de respirar e de ter ataque de convulsão, ainda no colo da moça. Ela, desamparada, leva a mão à boca.
Sarah tampa a boca. Estava horrorizada, assim como os demais espectadores. Para surpresa de todos, um segundo grito é ouvido em outro ponto da praça de alimentação. Uma criança atacava insanamente a mãe, tentando lhe morder.
A multidão, ainda paralisada, fitava a briga entre mãe e filha. Repentinamente, um terceiro grito. O rapaz atacado pelo pai, caído no colo da moça, atacou seu pescoço, devorando-o nervosamente.
Logo após, tornou-se audível o barulho de uma das portas do cinema – que fica ao lado da praça de alimentação – após várias pessoas a empurrarem e saírem correndo para o interior do Shopping. Algumas pessoas fugiam amedrontadas; a maioria, contudo, estava transformada, atacando loucamente qualquer um que estivesse em seu caminho.
- Vamos! – gritou Pedro, puxando Sarah consigo. Esta, entretanto, olhava para a porta do cinema e percebia um grito de socorro de dois jovens, que corriam entre uma multidão de pessoas transformadas.
- Não. Precisamos ajudá-los. – gritou Sarah, fazendo força para impedir que Pedro a arrastasse
- É perigoso demais. – gritou Pedro
- Por favor.
Como sabia que seria impossível vencer uma discussão contra sua namorada, Pedro deu o braço a torcer – irritado. Largou Sarah e saiu correndo em direção aos dois jovens. Sem frear, empurrou uma senhora ao lado de um deles que avançava em sua direção e puxou os dois consigo.
- Vamos. Precisamos correr. – gritou Pedro, enquanto puxava um deles
- Sim. – disse o que era puxado.
Rapidamente, chegaram perto de Sarah e postaram a correr. Àquela altura, já eram várias as pessoas transformadas dentre as que estavam normalmente comendo seu lanche na praça de alimentação minutos antes.
- O que está acontecendo aqui? Aqui fora também está assim? – perguntou o outro rapaz
- Sim. Parece que no Shopping inteiro. – disse Pedro
- Espero que seja só o Shopping – disse o outro rapaz, pensativo
O quarteto continuou correndo. Logo se apresentaram e Sarah e Pedro descobriram que os rapazes se chamam Alex – o rapaz segurado por Pedro – e Matheus. Tentaram correr longe das pessoas vivas, pois não saberiam quando estas poderiam se transformar. Avistaram uma escada rolante lotada de pessoas, que dividia o andar do Shopping em dois lados.
- Precisamos descer para o estacionamento. – disse Alex
- Podíamos usar a escada rolante. – disse Matheus
- Péssima ideia. – disse Pedro. – Muita gente teve essa ideia. – ele se aproximou da grade que separa os andares. – E olha lá no que deu.
A escada rolante havia se tornando um pandemônio. Muitas pessoas se transformavam no meio das vivas, passando-a instantaneamente a atacá-las. Além disso, haviam transformados próximos à saída da escada rolante, atacando quem por ela saísse. As pessoas, evitando serem devoradas vivas, tentavam inutilmente subir as escadas, empurrando as demais pessoas que estavam descendo – e, assim, só piorando o pandemônio.
Matheus ficou boquiaberto. Levou a mão à boca. Sarah fitava o andar de baixo e percebeu uma garota correndo desviando de alguns transformados e, de repente, para ofegante, levando a mão aos joelhos, buscando ar. Começa a tossir e a passar mal. Segundos depois, levanta o corpo novamente e volta a correr – dessa vez, insanamente. Ela havia se transformado.
- Vamos! – disse Pedro, chamando a atenção de todos. Sarah estava pensativa, absorta em seus pensamentos. Fitou outro transformado, que igualmente não possuía lesões externas.
- Penso que não é a mordida que transmite essa “doença”! – disse Sarah, chamando a atenção de todos para si
- Por que diz isso, amor? – perguntou Pedro
- Eu não sei como que esse surto começou no cinema, mas aqui fora começou com algumas pessoas tossindo e espirrando fortemente.
- Lá dentro, também começou assim! – disse Alex
- Então... essas pessoas acabaram por atacar as outras e as transformar. Mas várias pessoas transformadas não possuem marca de lesão e simplesmente começam a tossir e a passar mal e transformam nestes monstros.
- Onde você quer chegar, amor?
- Parece que esta doença é transmitida pelas vias respiratórias.
Pedro, Alex, Matheus e Sarah estavam no interior de um enorme banheiro do Shopping, onde jaziam dois corpos estirados no centro. Ao lado de ambos, generosas poças de sangue.
O quarteto estava com tiras de pano tampando seus narizes e bocas e portavam pedaços de “armas” improvisadas – como cabos de vassoura e pedaços de madeira de banco.
Pedro e Alex vigiavam o corredor cuja saída do banheiro desembocava. Matheus e Sarah estavam encostados na pia, mexendo nos celulares.
- Parece que essa situação está acontecendo por todo o lugar. – disse Sarah. Assistia a uma reportagem passada ao vivo pelo Youtube por um canal de telecomunicação gigantesca. Os âncoras informavam, portando máscaras no rosto:
“Parece que essa nova pandemia é resultado de mutação genética ocorrida no vírus influenza H7N7. O vírus, que normalmente atinge mais animais, mutou violentamente e passou a atacar humanos, deixando-os em estado bestial. E a medida que a doença avança, a doença parece que se torna mais rápida e mais letal, pois a saliva dos agentes infectados também transmitem a doença para agentes sadios, de forma mais rápida que o ar”.
- Pandemia... – disse Matheus, horrorizado
- O que isso significa? – perguntou Alex, olhando para trás
- Pandemia é uma epidemia de doença infecciosa que se transmite para todo um continente ou o planeta.
- Como a Gripe Espanhola de 1918 ou a peste bubônica... – completou Sarah
Alex arregalou os olhos, assustado.
- E como uma pandemia acaba? – perguntou Matheus, virando-se para Sarah
- Normalmente com a morte suficiente de indivíduos, que faz com que o vírus não consegue se propagar mais.
- O problema que, aqui, os mortos continuam de pé. – disse Pedro, ainda na porta, de costas, trincando os dentes.
Sarah, Matheus e Alex abaixam a cabeça, entristecidos.
- Então, não há nada que possamos fazer? – perguntou Alex
- Acho que, por enquanto, é sobreviver mesmo.
- O problema que, cada hora que passa, tem menos vivos e mais transformados. – disse Sarah – Então, não podemos demorar muito para sairmos deste Shopping. Pelo menos, até conseguirmos nos abrigarmos em algum local seguro.
- Na internet, não fala nada de nenhum abrigo ou algo do tipo? – perguntou Pedro
- Parece que há sim, amor. Mas não deram maiores detalhes.
- Então, dá para sairmos daqui. – disse Pedro. Olhou para os dois lados pela nesga aberta da porta e fez sinal para todos os presentes para saírem. Sarah, Alex e Matheus saíram vagarosamente, sem fazer barulho. Pedro saiu, atrás destes e encostou a porta, para que esta igualmente não fizesse barulho. Começaram sua caminhada, o mais silenciosos possível.
Alguns poucos segundos, saem do interior do corredor que dava ao banheiro e chegam até o corredor central do Shopping, dividido ao meio em virtude da abertura ao primeiro andar. Percebem vários transformados espalhados corredor afora do Shopping, paralisados fitando o vazio.
- Por que estão paralisados? – perguntou Alex, o mais baixo que pôde
- Provavelmente eles não se atacam. Como não há mais carne humana disponível, eles ficam paralisados, esperando alguma dar bobeira. – respondeu Pedro, com a voz na mesma altura que o outro
Continuam caminhando silenciosamente pelo Shopping, tentando serem o mais rápido que podem. De repente, um estrondo, pouco atrás do grupo. O silêncio absoluto do local fez com que o estrondo fosse mais violento e forte. O grupo se sobressalta, tamanho o susto.
Olham para trás. Fora um transformado que caíra. E já estava se levantando.
Por ocasião do estrondo, todos os transformados acordaram de seus devaneios, virando-se em direção ao grupo.
- Puta que pariu! – gritou um assustado Pedro. – Vamos! – em seguida, saiu em disparate. Alex, Matheus e Sarah saíram correndo logo atrás.
Em poucos segundos, correndo em direção a um grupo de transformados, estes já estavam frente a frente. Pedro e Matheus estavam à frente, protegendo respectivamente Sarah e Alex. Os transformados se aproximaram, tentando morder e segurar o que estivesse à sua frente.
Pedro ataca uma moça transformada à sua frente, desferindo-lhe um golpe com o cabo de vassoura na sua cabeça. Entretanto, o cabo de vassoura quebra com a pancada, despedaçando-o no ar. A moça rapidamente se recupera do golpe e avança sobre o rapaz com a boca tentando morder seu peito. Instantaneamente, Pedro utiliza seus braços para se proteger, recebendo uma mordida na parte externa dos antebraços, próximo aos cotovelos.
- NÃO!! – gritou Sarah, desesperada. Alex e Matheus fitaram horrorizados a situação.
O rapaz empurra o transformado para longe de si, ao mesmo tempo em que percebe a aproximação de vários deles. Ele abre os braços e segura com os mesmos alguns transformados que poderiam vir a atacar sua namorada.
- NÃO!!! – Sarah já estava caído de joelhos no chão, se debulhando em lágrimas.
- Vão! Eu não vou conseguir segurá-los por muito tempo!
O trio continuou paralisado, diante de tanto torpor.
- Puta que pariu, vão logo!
O grito de Pedro fez Alex acordar. Este, ainda amedrontado, acena com a cabeça e cutuca Matheus. Em seguida, puxa Sarah pelos braços. Esta faz força para não sair do local.
- Vamos. Precisamos sair daqui lo... – repentinamente, para sua surpresa, eis que sente algo segurado suas costas. Percebe que era um transformado que segurou sua blusa e tentava aproximar a boca de sua nuca.
Alex tentou se desvencilhar. Matheus, desesperado, sai correndo e empurra o transformado com o próprio corpo, indo os dois ao chão. Porém, antes que Matheus pudesse reagir, o monstro cravou seus dentes no ombro esquerdo do rapaz, que urra de dor.
- Matheus! – gritou Alex, desesperado. Partiu para cima dele, com o cabo de vassoura de sua mão em punhos. Sarah, porém, o segurou.
- Vamos! Não há nada que possamos fazer. – disse Sarah, puxando o rapaz consigo. Seu tom de voz era baixo e brando.
Alex olhava para trás, incrédulo, enquanto via outros transformados caírem sobre Matheus. Lágrimas escorriam de seus olhos. Ele não percebeu, mas Sarah, cabisbaixa enquanto o puxava, também segurava o choro, pois havia acabado de ver o amor da sua vida se transformando em uma daquelas feras.
Cerca de dois ou três minutos depois, Alex e Sarah estavam escondidos atrás de alguns bancos e ornamentos no centro do corredor do lado oposto de onde Pedro e Matheus foram atacados. Os bancos eram no canto próximo à mureta de vidro que separava o corredor do vão que dava ao primeiro andar.
- Tem vários deles. – cochichou Alex – Como faremos?
- Não sei. – cochichou Sarah, com o celular em mãos. Discou novamente para a Polícia Militar, mas a chamada não completava. – Parece que lá fora está um caos também.
Olhou para o celular. Percebeu que não havia sinal de telefone, nem dos dados móveis.
- Será que é uma boa a gente sair? – Alex parecia amedrontado
- Precisamos sair. Aqui não é seguro. Não temos onde esconder e possivelmente ninguém virá aqui para salvar só a gente. Talvez nem saberão que tem gente viva aqui dentro. Não temos lugar para comer também e nem saberemos onde tem abrigo que possamos esconder até isso tudo passar. Fora que há grandes chances de logo, logo faltar água e luz aqui dentro.
- Mas como que não há lugar para comer? E a praça de alimentação?
- Foi lá que estava todo mundo quando o surto começou...
Alex ficou em silêncio. Depois, lembrou-se de algo e comentou novamente:
- E por que você acha que logo, logo faltará água e luz?
- Para se manter funcionando esse tipo de serviço, é necessário uma constante manutenção. E quem vai arrumar? E se as pessoas que arrumaram ficaram infectadas? A gente não sabe. Fora que um acidente que der em um local entre a hidrelétrica e aqui, por exemplo, ferra de vez a entrega de energia elétrica. Qualquer mísero acidente pode ferrar com tudo. Se aqui na cidade, a gente já vive sem água e luz nos dias normais, imagina com esse surto...
Alex ficou em silêncio, pensativo.
- Queria tanto ter ficado em casa hoje... – estava triste. Parecia que iria chorar. – Eu que arrastei o Matheus para assistirmos o novo filme que saiu.
- Nem me fala... – disse Sarah – Como eu queria ter ficado em casa agora. Mas o Pedro adora – sentiu um engasgo no pescoço – adorava almoçar no Shopping nos sábados.
Alex ficou novamente em silêncio. Não queria lembrar que não teria mais Matheus ao seu lado. Mas, não conseguiu controlar os pensamentos. Logo, a imagem do rapaz veio à sua mente e ele ficou cabisbaixo, triste, segurando as próprias lágrimas.
Contudo, acabou por espirrar. Um forte e estrondoso espirro.
Sarah fitou assustado o rapaz. Ele olhou incrédulo para ela. O pano no seu rosto estava sujo de sangue.
A garota se mexeu. Alex percebeu a ação da garota e estende a mão em defensiva na sua frente, dizendo, desesperado:
- Isso é alergia. Eu tenho alergia e meu nariz sangra. Não é... – mas não adiantou. Sarah cravou o pedaço de madeira na cabeça do rapaz, que desfaleceu no chão, com a cabeça vertendo generosas quantidades de sangue.
A garota se levantou. Sabia que era inútil se esconder naquele momento, pois o espirro, o grito e a pancada chamaram a atenção de todos os transformados. Estes vinham correndo em direção à Sarah. Esta olhou para todos os cantos e fitou a escada rolante que dava ao andar de baixo vazia, com apenas alguns transformados na parte de baixo do mesmo se aglutinando no local e caindo ao pisar na escada que descia.
Sarah sai correndo em direção à escada rolante. À sua frente, haviam três transformados. Usando o pedaço de madeira ainda sujo com o sangue de Alex para se defender, consegue segurar os monstros. Estes, porém, conseguem segurar o pedaço de madeira, fazendo com que Sarah precisasse largá-lo.
A garota corre em direção à escada rolante e desce na mesma. No meio do caminho, antes de estar ao alcance dos transformados, pula para o lado de fora da escada, aterrissando na lateral da mesma com impacto no solo. Continua sua corrida, desviando dos transformados que estavam no primeiro andar.
O primeiro andar estava lotado de transformados. Sarah continuou sua corrida com o pedaço de madeira em mãos, como uma lança, projetando para frente a parte sem lança. Quando algum transformado se aproxima dela, ela o empurra para longe com o pedaço de madeira, sem gastar tempo os matando e correndo risco de ser encurralada.
E assim o fez até chegar à entrada do Shopping. Como esta abria e fechava com a aproximação de pessoas, não estava cheia de transformados de um lado ou de outro, querendo sair ou entrar, como imaginou – e temeu – a garota. Ultrapassou a porta. Parou do outro lado, horrorizada.
A entrada do Shopping ficava em um ponto mais elevado da cidade. De lá, ela conseguia ver uma parte considerável da mesma – e fitou todas as ruas ocupadas por transformadas. Sentiu um aperto no coração, que lhe fez ofegar e segurar forte o pedaço de madeira em sua mão.
Em seguida, sentiu algo incomodando sua narina direita e o lábio superior de sua boca. Levou a mão ao local e a fitou. Sentiu a espinha arrepiar e o coração parar em seu peito. Sua mão estava suja de sangue. Assim como o seu rosto.