A SEPULTURA SEM NOME

Em tudo, até agora, vivi a vida mais banal e comum, inerente a qualquer ser humano mundano e vil. Sem fazer nada de importante ou que valha sequer um epitáfio digno numa tumba. Uma tumba aliás foi o início dos acontecimentos sem explicação que passaram a me atormentar a alma e a fazer deste pobre diabo aqui, alguém desprovido de razão e sentimentos. Consumido pelo medo e pelas superstições.

Nos dias mais tristes e penosos, em que passava fome e frio, cai doente e febril numa carroça no meio de uma floresta, no crepúsculo de abril.

Quando acordei, embalado pelo movimento oscilatório e enjoativo do veículo, meu espírito, recém devolvido ao corpo, fez crispar meus pelos numa sensação de pavor inexplicável. As pedras e buracos na estrada irregular remexiam meus órgãos como pregos agitados numa lata e a canção lúgubre daquele viajante misterioso causavam aflição e terror que me atormentavam tanto, que não sei nem como descrever.

Quando parou houve um silêncio sepulcral repentino. Nenhum som da natureza, nem pássaros ou uma cigarra, nada, nem vento. Eu, imóvel, com medo de ser descoberto, ficava embaixo da palha esperando o que quer que fosse acontecer.

Só depois de muito tempo, cutucado pelo bicho inquieto da curiosidade humana, sai da posição em que me encontrava e espiei por um buraco na madeira da carroça. Ajoelhado ao lado de uma sepultura, o homem conversava com o ar incorpóreo. Não como um vivo entrega suas lamúrias e orações aos seus mortos, mas como se conversasse com outro vivo. Esperava respostas que não chegavam, até os meus ouvidos pelo menos e ria animado, como se estivesse na companhia de um amigo no bar.

Aproveitei sua distração para escapar, mas quando pulei da carroça cai e me estatelei com a cara no chão. Ouvi um som estrondoso do homem surpreendido que inrompeu em violência e gritos. Sua fúria era tamanha que levantou a carroça com as mãos como se fosse um travesseiro de penas. Eu, que virado de bruços com a cara enfiada na terra, nada via, só esperava a morte certa, quando senti o golpe violento nas costas.

Uma paulada me acertou em cheio e fui puxado pelo pé ficando de cabeça para baixo com o dedo em riste daquele ser endiabrado que como um pai, me aplicava um sermão.

-Seu ladrão, larápio miserável. Se esconde na carroça dos outros pra uma carona sem convite. Nós somos complacentes com muitas atitudes dessas criaturas inferiores. Pois sabemos que vocês não valem nem o chão que pisam, seus nojentos. Mas você vai sentir a revolta que está represada desde aqui, -apontando pro seu estômago, -até aqui, -apontando para a garganta, -e vai levar uma surra que nunca vai esquecer. E começou a descer o sarrafo em mim.

Apanhei como um condenado e fui largado ali naquela terra de ninguém todo moído de pancada.

Arrastei-me até aquela sepultura, onde o demônio conversava antes. Era uma cova sem lápide, apenas com uma cruz e sem nome. Senti vontade de morrer ali e descansar dessa vida desafortunada. Chorava pela minha desgraça e pela desgraça, qualquer que fosse, daquela outra alma abandonada. Fiquei nessa situação até o anoitecer, sangrando e com dores por todo o corpo, praguejando e maldizendo meu próprio nascimento, como um Jó.

Ao me restabelecer e levantar, de costas para a sepultura, senti uma presença atrás de mim. Ao me virar encarei a sepultura aberta. A cova com a boca escancarada me esperando como uma cama de repouso.

Na fuga não senti minhas pernas que ficaram presas. A terra que antes cobria a cova me agarrava na forma de tentáculos resistentes e famintos. Fui puxado para o buraco derradeiro. A terra caia sobre mim numa avalanche esmagadora.

Preso, sufocado, sem poder me mexer, sem enxergar, sem respirar. Sendo esmagado pela terra por todos os lado, eu morri.