Apocalipse
Por sorte, eu havia dormido bem na noite do fim do mundo...
Era 12 de maio de 2021. Eu e minha esposa, Mariana, estávamos dormindo em um quarto de um apart-hotel próximo à praia que alugamos ao lado do quarto dos nossos amigos, Hugo e Brenda, durante nossa viagem para o Ceará. Por sermos mineiros, nossa intenção era aproveitar o mar em uma época do ano na qual o Sol não estava forte. Porém, acabamos por testemunharmos o fim do mundo a milhas de quilômetros de nossas casas.
Era pouco mais de nove horas da manhã. Acordamos por volta de seis horas da manhã para aproveitarmos mais o Sol e o dia. O Sol estava forte e azulado. Demos uma pequena volta pela redondeza e nos dirigimos à praia. Caminhávamos na Avenida Beira-Mar, uma larga avenida no coração da cidade que, como o próprio nome já diz, é paralela ao mar. O Sol forte e o céu azul já haviam espantados os moradores e turistas de suas casas para as praias da cidade. Transeuntes caminhavam, corriam e pedalavam pelos passeios da Beira-Mar, enquanto outros ocupavam os guarda-sóis, quiosques e espreguiçadeiras na areia branca da Praia de Jequitibá. Contudo, cerca de meia hora depois, uma enorme nuvem preta repentinamente fechou o céu e tampou a luz solar, transformando o dia em noite.
- Credo. Como o tempo virou rápido... – comentei, fitando o céu
- Então... acho até perigoso entrarmos na água. – disse Helena
- Concordo. – disse Hugo – Acho melhor voltarmos para o hotel!
Neste instante, fomos surpreendidos com um grito desesperado de ajuda de uma pessoa, vindo do interior da avenida. Todos olharam para ver e perceberam ser uma criança de nove anos de idade sangrando na cabeça enquanto corria de mãos dadas com a mãe, sem um braço e com o abdômen parcialmente aberto, para o interior da Avenida.
Os motoristas pararam, estupefatos. Nós igualmente ficamos paralisados diante a cena de terror. Um rapaz foi ajudar. A mãe desfalecera no chão.
- O que aconteceu? O que aconteceu?
Naquele momento, eu, Mariana, alguns motoristas e outros transeuntes correram para auxiliar garota e mulher.
- Mons... – tentou dizer a garota. Entretanto, fomos interrompidos por um estrondo e mais gritos, oriundos da rua que desembocava na Beira-Mar.
Mais pessoas saíram da dita rua e correram em direção à Beira-Mar, com sangramentos em diversas partes do corpo e até algumas mutilações. Paralisamos, tamanho o torpor. “O que está acontecendo?”, me perguntei.
Naquele instante, contudo, escutamos um assustador grito sobre nossas cabeças. Olhamos para cima e vimos um enorme ser dracônico, enegrecido, com quatro patas e seis olhos quadriculares e avermelhados, um par de asas e uma cauda.
- Que diabos...? – me perguntei, completamente estupefato. Todos no local estavam congelados, apenas fitando a criatura no céu. Na minha mente, veio a imagem do Inferno.
Um grito atrás de nós, oriundo da praia, nos acordou dos nossos devaneios. Viramos e vimos alguns monstros daqueles atacando algumas pessoas que se encontravam na praia. O tumulto, naquele momento, tomou conta de todo o cenário.
Saímos correndo, acompanhando a multidão. O caos reinava no local. Pessoas corriam desesperadas na direção contrária dos monstros. Algumas pessoas atropelavam as outras e as derrubavam. Os monstros vinham em nossas direções, galopando em terra ou sobrevoando pelo ar, atacando quem estivesse no caminho de suas bocarras. Em pouco mais de dez segundos, a pessoa atacada era completamente devorada pelos monstros. Outros acabavam e destruíam apartamentos internos, atacando seus moradores e jogando escombros nas ruas, atingindo quem corria embaixo.
Em determinado momento, algumas pessoas acabaram por atropelar Brenda e jogá-la no chão. Hugo logo percebeu e voltou para ajudá-la. Eu e Mariana igualmente percebemos a situação e viramos os nossos corpos para auxiliar Brenda. Ela dava sinais que havia torcido o pé. “Péssima hora para isso acontecer”, pensei comigo mesmo.
Naquele instante, porém, as pessoas que corriam atrás de mim e de Mariana nos empurraram, levando-nos consigo. Tentando forçar passagem, porém o desespero das pessoas era maior e lhes davam forças sobre-humanas para nos empurrar para longe de Hugo e Brenda.
Desesperei quando vi um monstro aterrissar logo atrás do casal. “Cuidado”, gritei, o mais enérgico possível. “Cuidado. Atrás de vocês”, gritou uma igualmente desesperada Mariana. Em vão. Vimos em câmera lenta o monstro bizarro despedaçar Brenda com sua bocarra, cortando-a ao meio e devorando com uma só mordida a parte superior de seu corpo. Vimos igualmente em câmera lenta Hugo saindo correndo do local, visivelmente amedrontado. Esticamos nossas mãos na vã tentativa de ajudar o nosso amigo. Porém, o monstro simplesmente bateu com sua cauda na perna de Hugo e, antes dele cair no chão, o abocanhou.
Gritamos, desesperados. Aqueles segundos passaram como um século em minha mente. Senti o rosto inchar e queimar. Depois, senti-o ser invadido por uma enxurrada de lágrimas.
O grupo que literalmente nos carregava nos puxou para o interior de uma lanchonete, no térreo de um prédio de dois andares. Somadas as pessoas que já estavam escondidas na lanchonete, éramos vinte e oito pessoas. A maioria estava desesperada, trêmula ou chorando. Percebi Mariana debulhando-se em lágrimas. Respirei fundo e controlei minhas emoções – era preciso demonstrar calma e serenidade para auxiliar minha esposa – e a abracei.
O choro de crianças inundou o local e logo foi abafado pelos braços protetores de suas mães.
- O que está acontecendo? – perguntou uma mulher, desesperada. Percebi, naquele momento, que ela direcionava seu olhar para uma televisão ligada próxima ao teto.
“O ataque de monstros vindos do espaço atingiram várias cidades pelo Brasil afora. Temos relatos de ataques em mais de 300 cidades. O Exército já está às ruas para tentar destruir ou capturar esses monstros. Aqui no Rio, o BOPE lançou uma incursão contra os monstros, porém ela foi atacada e destruída. Já em São Paulo, o professor Alexandre Kembrick, da USP, defende que estes monstros têm a ver com uma antiga profecia indígena e se chama Tahalit ”.
- Tahalit... – eu disse, extasiado
- E... o que faremos agora? – perguntou Mariana, visivelmente abalada e triste
- Precisamos nos esconder em um local seguro até isso tudo passar. – eu disse
- E se não passar? Como você pode nos dar a certeza que isso tudo passará? – perguntou um senhor, dirigindo-se a palavra a mim
Dei de ombros.
- Esperança, talvez.
- E o que planeja fazer? – questionou novamente o homem. – Onde iremos nos esconder?
- Não sei... precisa... – entretanto, fui interrompido por um estrondo seguido de um forte clarão. Por fim, tudo ficou pesado e escuro.
Acordei tempos depois. Minha cabeça pesava. Meu corpo doía. Abri os olhos e fitei as luzes dos postes vindo na direção dos meus olhos. “Impossível”, pensei. “Estava dentro da lanchonete”. Olhei ao meu redor. Estava com as pernas soterradas nos escombros da lanchonete, que já não mais existia.
“Mariana!”, me lembrei. Rapidamente me pus a levantar, retirei – não sem muito esforço – minhas pernas dos escombros e passei a procurá-la desesperadamente. Porém, paralisei completamente quando escutei passos próximo a mim. Olhei para o lado e percebi um Tahalit caminhando nos escombros, procurando por alguma coisa. Escondi atrás de um escombro. Meu corpo tremia e minha respiração ficava pesada. Ouvi o Tahalit caminhando lentamente por sobre os escombros, procurando sua próxima refeição.
Para surpresa minha – e que surpresa! -, escutei tiros oriundos sabe-se Deus de onde. Os tiros acertaram em cheio o Tahalit, que gritou de dor. Fitei à frente e percebi um grupo de soldados atirando continuadamente no Tahalit, enquanto outros correram em minha direção. Puxaram-me pelos braços e me arrastaram, mesmo que eu estivesse aos gritos que a Mariana estava debaixo dos escombros. Não adiantou.
Dali fui levado para a base do Exército na cidade. E assim sobrevivi ao primeiro encontro com o Apocalipse...