Crônicas da Velha Infância - A coisa sem nome (Por Jeff A. Silva)
A história que vou lhes contar agora aconteceu bastante tempo atrás, um tempo antigo, bom e tranquilo. Seu nome era infância.
Na época eu estava na terceira série e como a maioria de meus jovens colegas eu era uma criança feliz e despreocupada. Nós estudávamos num pequeno complexo de ensino bem conhecido no bairro, formado por um colégio, uma creche e uma igreja. Era tudo bem simples, mas bem cuidado. O carinho das professoras e dos funcionários era muito grande conosco, tanto que éramos como filhos de todos ali.
Como toda criança, esperávamos ansiosos pelo sinal do recreio. Era sempre uma festa, tanto que a aparente limitação de não termos uma quadra naquele tempo nos proporcionou uma ótima experiência. Já que não tínhamos um lugar para brincar dentro da escola era nos permissão para brincar fora dela, ou seja nosso pátio era o bairro inteiro. Você ficava livre pra ir a qualquer lugar para brincar, desde que voltasse para o colégio dentro dos trinta minutos de recreio. Isso era demais.
Um dia estávamos agitados no início de mais um recreio, correndo como loucos pra cima e pra baixo no grande corredor que cortava as salas. Foi quando um de meus amigos disse que ouviu algo. Eu quase o ignorei, seguindo meu rumo em direção a porta pra ganhar aquela aguardada meia hora de liberdade, mas ele me puxou dizendo que era algo vindo de cima. Eu parei e olhei para a escada que dava acesso a igreja na parte superior do edifício. Fiz uma cara de desentendido na hora, mas depois de ouvir o barulho olhei pra porta trancada no fim dos degraus.
Como não tínhamos pátio ou auditório, nossas reuniões e apresentações eram feitas na igreja no primeiro andar. Fora esses eventos e nos dias de ensaios e cultos geralmente ela ficava trancada. Existiam dois acessos, o principal que ficava na frente da igreja e outro pelo colégio que dava nos fundos da nave, próximo da lateral do púlpito. Tanto os alunos como funcionários usavam muito esse acesso em eventos, porém em dias comuns a passagem permanecia sempre fechada.
Depois de ouvir o som que parecia vir do interior da igreja, ficamos nos encarando por um tempo. Um terceiro amigo apareceu e também pareceu perceber aquilo. Decidimos esperar o movimento da garotada diminuir para darmos uma olhada e saber o que era. Não demorou muito e quase todo mundo já estava correndo lá fora sem preocupações, pelo menos até o fim do recreio.
Checamos o perímetro procurando algum professor ou funcionário e subimos a escada até a entrada da igreja. Ficamos os três de frente para a velha porta de madeira grossa pintada de marrom como se esperando por algo, mas nem um barulho se fez. Já estávamos quase descendo quando ouvimos novamente.
Olhamos um para cara do outro e nos aproximamos até tocar os ouvidos na porta para ouvir melhor. Era um barulho estranho, como se algo metálico arranhasse madeira e cerâmica. Era um som de patas ou de garras, tal como um cachorro ansioso que arranha nervosamente uma porta. Porém era um som menos ritmado, mais preguiçoso e fora de padrão. Tivemos a ideia de olhar pela grande fechadura, mas ela estava coberta, então mudamos de planos e nos deitamos para ver debaixo da porta, onde havia um pequeno vão entre a madeira e o piso da igreja.
Não havia nada lá. A igreja estava fechada e limpa, bancos organizados e decoração no lugar, nada incomum. Mesmo com tudo trancado as janelas de vidro davam uma ótima iluminação natural ao ambiente. Aparentemente estava tudo normal.
Foi quando vimos.
Já íamos descer de volta quando uma coisa apareceu num dos cantos sobre o piso da igreja. Era uma coisa estranha, um bicho pequeno que mais parecia uma bizarra mistura de aranha e caranguejo, tinha patas e pernas cabeludas como uma caranguejeira e patas dobradas com algum tipo de pinça estranha. O corpo onde tudo isso brotava parecia ser de um siri ou caranguejo deformado e completamente negro, assim como os olhos, eram olhos de boneca, como uma boneca sem vida.
O susto foi tão grande que quase caímos rolando escada abaixo. Corremos aos tropeços esbaforidos para fora dali. Nós três ficamos tão assustados que por alguma razão nunca voltamos a tocar nesse assunto. Nada foi encontrado na igreja naquele dia, mas Ouvimos falar depois que acharam um pouco de água perto do púlpito, mas não sabemos se foi verdade. Eu pelo menos não lembro de goteiras naquele teto.
Ficamos um tanto tensos quando tivemos que entrar naquela igreja de novo, mas depois de um tempo superamos aquele fatídico episódio com uma velocidade que só crianças conseguem. Mesmo assim a memória deste estranho fato ficou gravada em mim como essa pequena história que conto pra vocês. Até hoje, de vez em quando tento imaginar o que nós três vimos aquele dia. Às vezes acho que essa coisa abominável veio do mar que fica de frente da igreja, mas as vezes acho que veio de um lugar bem mais sinistro.
Quem vai saber né?
Essa é uma história baseada em fatos ocorridos na infância do autor. Ela foi romantizada para fazer parte do projeto Crônicas da Velha Infância, um pequeno projeto da Taverna do Escritor. Se gostaram dessa vão adorar as outras. Obrigador por seu tempo dedicado nessa leitura e até a próxima!
Apoie a Taverna e acompanhe nossos textos.
Jeff A. Silva
Um dos gerentes originais da taverna.
Na época eu estava na terceira série e como a maioria de meus jovens colegas eu era uma criança feliz e despreocupada. Nós estudávamos num pequeno complexo de ensino bem conhecido no bairro, formado por um colégio, uma creche e uma igreja. Era tudo bem simples, mas bem cuidado. O carinho das professoras e dos funcionários era muito grande conosco, tanto que éramos como filhos de todos ali.
Como toda criança, esperávamos ansiosos pelo sinal do recreio. Era sempre uma festa, tanto que a aparente limitação de não termos uma quadra naquele tempo nos proporcionou uma ótima experiência. Já que não tínhamos um lugar para brincar dentro da escola era nos permissão para brincar fora dela, ou seja nosso pátio era o bairro inteiro. Você ficava livre pra ir a qualquer lugar para brincar, desde que voltasse para o colégio dentro dos trinta minutos de recreio. Isso era demais.
Um dia estávamos agitados no início de mais um recreio, correndo como loucos pra cima e pra baixo no grande corredor que cortava as salas. Foi quando um de meus amigos disse que ouviu algo. Eu quase o ignorei, seguindo meu rumo em direção a porta pra ganhar aquela aguardada meia hora de liberdade, mas ele me puxou dizendo que era algo vindo de cima. Eu parei e olhei para a escada que dava acesso a igreja na parte superior do edifício. Fiz uma cara de desentendido na hora, mas depois de ouvir o barulho olhei pra porta trancada no fim dos degraus.
Como não tínhamos pátio ou auditório, nossas reuniões e apresentações eram feitas na igreja no primeiro andar. Fora esses eventos e nos dias de ensaios e cultos geralmente ela ficava trancada. Existiam dois acessos, o principal que ficava na frente da igreja e outro pelo colégio que dava nos fundos da nave, próximo da lateral do púlpito. Tanto os alunos como funcionários usavam muito esse acesso em eventos, porém em dias comuns a passagem permanecia sempre fechada.
Depois de ouvir o som que parecia vir do interior da igreja, ficamos nos encarando por um tempo. Um terceiro amigo apareceu e também pareceu perceber aquilo. Decidimos esperar o movimento da garotada diminuir para darmos uma olhada e saber o que era. Não demorou muito e quase todo mundo já estava correndo lá fora sem preocupações, pelo menos até o fim do recreio.
Checamos o perímetro procurando algum professor ou funcionário e subimos a escada até a entrada da igreja. Ficamos os três de frente para a velha porta de madeira grossa pintada de marrom como se esperando por algo, mas nem um barulho se fez. Já estávamos quase descendo quando ouvimos novamente.
Olhamos um para cara do outro e nos aproximamos até tocar os ouvidos na porta para ouvir melhor. Era um barulho estranho, como se algo metálico arranhasse madeira e cerâmica. Era um som de patas ou de garras, tal como um cachorro ansioso que arranha nervosamente uma porta. Porém era um som menos ritmado, mais preguiçoso e fora de padrão. Tivemos a ideia de olhar pela grande fechadura, mas ela estava coberta, então mudamos de planos e nos deitamos para ver debaixo da porta, onde havia um pequeno vão entre a madeira e o piso da igreja.
Não havia nada lá. A igreja estava fechada e limpa, bancos organizados e decoração no lugar, nada incomum. Mesmo com tudo trancado as janelas de vidro davam uma ótima iluminação natural ao ambiente. Aparentemente estava tudo normal.
Foi quando vimos.
Já íamos descer de volta quando uma coisa apareceu num dos cantos sobre o piso da igreja. Era uma coisa estranha, um bicho pequeno que mais parecia uma bizarra mistura de aranha e caranguejo, tinha patas e pernas cabeludas como uma caranguejeira e patas dobradas com algum tipo de pinça estranha. O corpo onde tudo isso brotava parecia ser de um siri ou caranguejo deformado e completamente negro, assim como os olhos, eram olhos de boneca, como uma boneca sem vida.
O susto foi tão grande que quase caímos rolando escada abaixo. Corremos aos tropeços esbaforidos para fora dali. Nós três ficamos tão assustados que por alguma razão nunca voltamos a tocar nesse assunto. Nada foi encontrado na igreja naquele dia, mas Ouvimos falar depois que acharam um pouco de água perto do púlpito, mas não sabemos se foi verdade. Eu pelo menos não lembro de goteiras naquele teto.
Ficamos um tanto tensos quando tivemos que entrar naquela igreja de novo, mas depois de um tempo superamos aquele fatídico episódio com uma velocidade que só crianças conseguem. Mesmo assim a memória deste estranho fato ficou gravada em mim como essa pequena história que conto pra vocês. Até hoje, de vez em quando tento imaginar o que nós três vimos aquele dia. Às vezes acho que essa coisa abominável veio do mar que fica de frente da igreja, mas as vezes acho que veio de um lugar bem mais sinistro.
Quem vai saber né?
Essa é uma história baseada em fatos ocorridos na infância do autor. Ela foi romantizada para fazer parte do projeto Crônicas da Velha Infância, um pequeno projeto da Taverna do Escritor. Se gostaram dessa vão adorar as outras. Obrigador por seu tempo dedicado nessa leitura e até a próxima!
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Jeff A. Silva
Um dos gerentes originais da taverna.