A LENDA DE JOROGUMO
Sente-se, Victor, gosto que meus pacientes fiquem a vontade durante a consulta. Quer alguma coisa para beber, água? — Dizia o Dr. César, aconchegando-se na sua poltrona de couro, colocando uma perna sobre a outra.
— Não, mas obrigado. Dr. — Victor se aconchegava na poltrona grande de frente para o doutor. Deitara olhando para o teto escuro com um ventilador velho rodopiando sobre sua cabeça.
— Bom, podemos começar, Victor? Terminara de se deitar no grande divã. — Sim, doutor. Por onde devo começar? César prepara o seu caderno de anotações e a caneta.
— Comece do início, conte-me o que está causando seus pesadelos, que coisa o perturba tanto! — Victor colocará as mãos no peito, olhando para o ventilador cortar as cegas o vento.
— Bem, doutor, não quero parecer um louco, a história que vou contar, com certeza é coisa de gente louca, não aspiro ser internado no manicômio. Meus pais infartariam com essa sentença!
O doutor se inclina para frente — Não estou aqui para julgar, estou aqui para ouvir e no que puder ajudar, estarei a disposição. Você não vai para um manicômio, não se preocupe — assentiu, descruzando as pernas, dando um sorriso.
— Bem, doutor, vou contar o que me aconteceu a alguns dias atrás, vou tentar parecer o menos louco possível — Disse o jovem, olhando para um quadro na parede rente ao seu peito, dando um suspiro profundo…
— Gosto de acampar com os meus amigos no verão, na floresta depois do Park Yellow Brock, lá é tudo muito lindo nesse tempo da estação, penso que deve conhecer… Dr.
— Sim, sim… Realmente é um lugar maravilhoso. Já fui lá várias vezes com minha filha.
— Então — Franziu a testa, o rapaz — Acampo lá há muito tempo, sou um dos poucos que o fazem. Depois de vários boatos de pessoas desaparecerem naquele lugar. Dizem que lá coisas horríveis acontecem a noite, nunca havia acampado lá no breu da noite…
O rapaz parecia procurar algo, olhava de um lado para o outro. — Nesse dia, eu e o meu amigo, Max, decidimos descobrir o que havia lá a noite, e, porque todos diziam para ficar longe dali. Sou bastante curioso, isso não foi muito bom — O garoto olhava para a mão enfaixada, com apenas dois dedos.
— Bom, continue, sua história parece ser interessante, Victor.
Indagava o doutor, tirando os óculos fundo de garrafa e limpando devagar cada lente.
— Quando se tem morte no meio, as histórias são sempre interessantes não é mesmo. Dr. César? — olhava para ele, de forma séria. Colocando os óculos novamente no seu rosto fino.
— De fato, sim! Essa tem morte no meio? — O Dr. O olhou de forma calma. Continuou o garoto…
— Sim, vou chegar lá… Tínhamos combinado de ir à noite, porque no dia seguinte meus pais iriam viajar para a casa dos meus avós, e você já deve ter passado por isso, os ancestrais e os pais juntos são um pé no saco para qualquer adolescente! — Victor, contava num tom sarcástico.
— Não gosta muito dos seus avós? Perguntou o Dr. Fazendo algumas anotações.
O rapaz Levantou-se do sofá devagar, sentando-se na beirada
— Gosto, mas não estava interessado em ouvir bobagens para adolescentes. Continuando Dr. — o rapaz fez uma pausa minuciosa.
— Aquilo atrás de você é um quadro pintado?
— observou Victor. — Sim, sim… gosto de pintar nas horas vagas. Não mude de assunto, preciso ouvir o que tem a dizer.
Victor sentiu seu coração pesar como uma âncora naquele instante ao ver a pintura, a ponto de cair no chão, quando começou a falar calmamente.
— Foi tudo muito rápido Dr. — o garoto fitou-o nos olhos.
- Eu sai de fininho do quarto, já era bastante tarde, umas 02:00 da madrugada,suponho. Desci a escada pisando leve para não acordar os meus pais, estava tudo muito escuro, saia cambaleando pela sala até a porta dá frente, Max me esperava do lado de fora com as bicicletas e o restante das coisas.
O rapaz, deitou-se novamente no sofá grande.
— Chegando na porta, não tinha visto o maldito Rufos, o nosso gato persa. Pisei na calda daquele filho da puta, não gosto muito dele e depois do que ele me fez… Ele soltando um tremendo gemido, e cravou os seus dentes no meu tornozelo. O Dr. Olhou para o calcanhar do garoto que parecia inchado.
— Parece ter sido uma mordida feia — indagou ele, erguendo às sobrancelhas.
— Nem tanto, comparado a isto — o garoto mostrou a mão esquerda enfaixada até os pulsos. Um pouco inchado, e ainda bem vermelho.
— Havíamos chegado na floresta, a lua estava hipnotizante no céu quase nublado, a floresta parecia morta, se ouvia apenas os cantos bucólicos das corujas no topo das árvores, pareciam sentinelas lá no alto das copas. Max estava morrendo de medo — Sorriu ao lembrar do amigo medroso.
O Dr. César o olhou com um ar de curiosidade
— o que foram fazer lá, exatamente? Indagou, observando o garoto olhar ao seu redor.
— Fomos verificar o que diabos assustava tanta gente naquela floresta, havia tantos avisos para ficar longe, deveríamos ter ouvido as pessoas e as placas de “perigo” no caminho. Quando chegamos lá, adentramos em um caminho estreito, — o rapaz seguia as hélices do ventilador, seus olhos rodavam.
— Seguimos ele até chegar próximo a um lago, colocamos as bicicletas de lado, e as mochilas no chão, armamos as barracas cautelosamente, o céu estava se fechando para chuva. Passamos um bom tempo perdendo a cabeça tentando montar aquele monte de troço.
Max já estava puto, xingava até Deus sabe lá o que, até que consigamos.
Quando o Max estava adentrando na barraca, ouvimos um pedido de socorro na mata.
— Um pedido de socorro? Interrompeu o Dr. um pouco surpreso. — Sim, um pedido de socorro, era voz de mulher. Paramos de fazer barulhos e tentamos ouvir novamente. Então de novo ouvimos, só que mais próximo da gente.
Saímos da barraca, e olhamos para todos os lados, entre os galhos e árvores caídas, estávamos suando, nossas se contorciam de medo ao ouvir aquela voz no meio do nada, na madrugada.
Victor parecia tremer ao contar sobre a mulher que vira na floresta.
— O que ela estava fazendo lá? Perguntou a doutor. — Ela, ela… O rapaz quase não completará a frase.
— Avistamos ela atrás da barraca, estava de costas, nua. Estava na penumbra, mas dava para ver que era uma mulher muito bonita, a sua voz era suave, fora do comum. Parecia um anjo nos chamando. O escuro dificultava a nossa visão, para poder falar detalhes sobre aquela coisa asquerosa, aquilo era o diabo em forma de mulher.
Victor sentou novamente no sofá, estava agitado.
— Max, tentou chegar perto dela, enquanto ela parecia imóvel aos nossos olhos. Clareou com a lanterna. Deus, porque ele clareou o demônio!?
Perguntou se ela estava bem, mas ela não se movia, nem um centímetro, e não falava nada, até dizer “Estou com fome”. Max e eu arregalamos os olhos. Ele havia chegado mais perto, o corpo dela era magro, seus contornos pareciam perfeitos, sua pele parecia ser morena ou algo assim.
Estava com os cabelos desgrenhados.
Victor olhou para o doutor que parecia estar escutando atentamente cada palavra.
— Precisa disfarçar um pouco doutor, esta quase dizendo com seu rosto que sou louco! — brincou o jovem olhando para a doutor, dando um leve sorriso.
— Você ainda não me contou tudo, os detalhes são os mais importantes, para um melhor entendimento de tudo, continue.
— Bom, continuei petrificado de medo. O Max era mais corajoso, apesar de não parecer, ele se aproximou e a suposta mulher, se virou.
Seus pelos arrepiaram de repente. O garoto parecia perder-se na sala.
— o que você viu, Victor? — Estava com os olhos arregalados, parecia estar lá novamente, naquela cena pavorosa que não saiu da sua mente.
— Ela se virou para nós, dei um sobressalto para trás, e praguejei", mas que porra é es… ”ela tinha seis olhos, da pra acreditar?
Victor estava em pé, gesticulando, quase fora de si. Descrevendo cada detalhe.
— Eu certamente devo estar louco! Não eram olhos normais, eram luzeiros grandes, dois olhos eram grandes e seis pequenos abaixo dos grandes na horizontal, enfileirados. Max havia chegado perto demais, ainda tentou escapar, mas a coisa o pegou pela cabeça, aquela coisa abriu a boca como se tivesse duas mandíbulas em forma de um C, por miséria, bem afiados. Oh!? Deus, o que diabos foi aquilo! Ela degolou meu amigo! Doutor. Seu corpo dormiu na noite de lua cheia e sua cabeça caiu próxima de mim, com os olhos arregalados e boca aberta. Jorrava sangue do seu corpo sem parar! Fiquei tremendo, agonizando de medo na hora.
— E como você conseguiu escapar dessa suposta mulher de seis olhos que matou o seu amigo? A doutor o observava ele quase saindo de si, com os olhos marejados ao lembrar do amigo.
— Ela me encarava, seus olhos brilhavam a luz da lua. Dei alguns passos para trás, ela começou a se contorcer, seus ossos estalavam como madeira, e algo saia das suas costas, eram patas. Ela cobriu o meu amigo com teias, dos pés a cab…
Cobriu o meu amigo e o puxou, agarrando-o com os seus tentáculos atrás das costas. Eram longos e peludos, arrepiantes, doutor. — Victor fez uma cara de nojo.
— Foi quando tentei fugir e ela me pegou, me enrolou por completo. Quase morri asfixiado, mumificado vivo. Por fim, consegui pegar uma faca com dificuldade que estava no meu bolso, cortei as teias rapidamente, mas não o suficiente para conter o seu ataque. Eu já me encontrava a vinte metros de altura, pregado nas suas teias, ela dançava na sua teia, se lambuzando no cadáver do meu amigo mumificado. Arqueou os olhos em minha direção, e atacou! — Victor fez um gesto, pulando de um lado do sofá para o outro.
— Minha mão esquerda ainda se encontrava presa na sua teia, ela mastigou minha mão, cada dedo. Praguejei tão alto que os céus ouviram e sofreu aquela dor comigo. Neste instante começará a chover. Segurei a faca firme com a direita, e enfiei no seu pescoço, soltando-me. Cai no chão e não contei vantagem alguma, corri o máximo que pude. Ouvi as árvores mexeram atrás de mim, ela saltava de galho em galho como um acrobata!
Consegui chegar na estrada no momento em que ia passando um caminhão, parei em frente, não sei o que fora pior, se era morrer atropelado ou pela coisa aracnídea da floresta negra.
Interrompeu a doutor novamente. — Você ainda consegue ver essa mulher-aranha por aí?
Victor se senta, com as mãos tremendo, e o doutor observa o relógio na parede, já tinha se passado mais de meia-hora que Victor falava.
— Doutor, isso realmente me aconteceu, não estou inventando, se é o que esta se referindo. Perdi um amigo. Meu melhor amigo. Não vim aqui atoa, qualquer outra pessoa que eu contasse me chamariam de louco. Às vezes acordo suado de um pesadelo em que ela lança suas teias em mim, e me enrosca como uma múmia e me leva para a sua toca escura, um imenso buraco profundo.
— Doutor, sei que é difícil acreditar em algo assim, mas… — Victor reparara em algo que até então não tinha notado.
Sente sua roupa encharcada de suor.
Espreme os olhos, e nota o cordão dourado que seu amigo nunca tirava do pescoço, e que agora se encontrava sobreposto em cima de uma mesa próxima do doutor.
Uma tempestade de fúnebre a toma naquele mesmo instante. Victor se sentia amedrontado, o medo corria nas suas veias, levanta-se e percebe que estará em uma enrascada, estará no pior lugar, ao qual pensava ser o mais seguro.
— Olha a hora, doutor, penso que preciso ir. Meus pais não sabem que estou numa consulta com um psiquiatra.
— Mas ir? A sessão ainda não acabou Victor. Você ainda tem alguns minutos. Sente-se por favor, parece nervoso. — O jovem o encara, caindo um filete de suor da testa, batendo o solado do pé contra o tapete de forma inquietante.
O jovem reparou que o consultório do doutor havia várias coisas sobre aranhas, fotos, retratos e pequenas pinturas, quase que imperceptíveis a olhos inúteis.
A batida na porta quebrará o silêncio atordoante
— Olá papai!
- Pode entrar, filha.
— Quero que conheça meu novo paciente, Victor. — O rapaz logo notará a cicatriz enorme recente no pescoço da moça, e a cor da pele e seus cabelos cacheados.
— Olá, Victor! — Era impossível não reconhecer a voz! A voz de quando um anjo chama.
O garoto pensou que fosse uma grande coincidência, mas no fim não existem coincidências!