O Livro do Demônio
Samuel Baribosa era livreiro. Vendia livros numa livraria (e sebo) de Ipanema: “A Livraria dos Travassos”. Samuel era sempre solícito e muito simpático, e quando o cliente estava na dúvida sobre qual livro comprar era só perguntar a Samuel para dúvida logo se dissipar. Na livraria, tinha de tudo um pouco. Livros de arte, livros técnicos, romances, biografias, coletâneas de contos, livros de autoajuda, livros esotéricos e religiosos, livros antigos e esgotados, enfim, “A Livraria dos Travassos” era um oásis no deserto livreiro.
Numa tarde chuvosa de inverno, Samuel é abordado por um homem de terno preto, extremamente magro e pálido, com uma Bíblia antiga na mão. O homem faz-lhe um pedido inusitado: quer o livro que o próprio Demônio escreveu. O livreiro argumenta com o cliente que este livro, apesar de existir, não está à venda ali, mas que pode encomendá-lo no mercado negro se Cyrino, o cliente, estiver disposto a pagar uma boa soma em dinheiro por ele. Cyrino não titubeia. Diz que dinheiro não é problema, mas solicita ao livreiro que lhe traga o manuscrito em até 3 dias, porque seu tempo é muito precioso. Samuel concorda e, após trocarem WhatsApps, o misterioso homem se despede com um cumprimento de cabeça e some na multidão. “Vou ganhar muito dinheiro às custas deste idiota.”, pensou o livreiro enquanto se preparava para atender o próximo cliente. Terminado o expediente, Samuel sai da livraria e vai para casa. Lá chegando, liga para Demétrius. Demétrius Zack arrumava qualquer coisa, desde que lhe pagassem bem.
― Demétrius, preciso que você me arrume um livro e pra ontem…
― Qual é o título do livro e o nome do autor? ― pergunta o muambeiro.
― Não sei o título do livro. Sei apenas que foi escrito pelo próprio Satanás!
― Escuta aqui… Você está brincando comigo, Samuel?
― Não… Estou falando sério. O cara vai pagar muito bem…
― Este livro não existe. O Demônio possui o corpo de pessoas, não escreve livros…
― O cara vai pagar bem, Demétrius. Ele disse que o livro existe sim…
― Pra quando o otário, digo, o cara, quer o livro?
― Eu tenho que levar o livro para ele em 3 dias.
― O.k., Samuel. Vou quebrar este galho para você… Mas quero 40.000 reais em dinheiro vivo, entendeu?
― O.k.. Entendi.
A conversa morreu ali. Agora Samuel e seu cliente teriam que esperar Demétrius Zack arrumar um livro que não existe…
Alguns minutos depois, Samuel manda uma mensagem para o WhatsApp de Cyrino:
Cyrino, o livro vai custar 80 mil reais, incluída minha comissão. Posso prosseguir com a compra?
Sim. Respondeu, laconicamente, Cyrino
Mais tranquilo por saber que vai receber a grana, Samuel vai para o banheiro e toma um delicioso banho quente, já imaginando a viagem que fará com o dinheiro do idiota do Cyrino.
No dia marcado para entrega do livro a Cyrino, Samuel Baribosa encontra-se com Demétrius, às 14 horas, e pega o manuscrito. Raspou sua poupança até o último centavo para pagar ao muambeiro. Mas, encarou isto não como uma despesa, e sim como um investimento.
Às 15 horas, Samuel informou, por WhatsApp, a Cyrino que já estava com o livro e os dois concordaram em se encontrar, às 17 horas, no banco da praia de Copacabana onde fica a estátua de Carlos Drummond de Andrade.
O livreiro chega meia hora antes do horário combinado. Senta-se no banco, do lado da estátua, e para passar o tempo, e diminuir a ansiedade, folheia o livro que vale oitenta mil reais. O livro tinha duzentas páginas. Nele se viam gravuras de demônios, fórmulas de invocações satânicas, magia negra, feitiços, ou seja: tudo que a igreja abomina. Após alguns minutos, Cyrino chega vestido com seu indefectível terno preto e com uma mala marrom na mão.
― Então, Samuel, trouxe meu livro?
― Sim. Aqui está. E o meu dinheiro?
― Tome. ― O homem magro e pálido pegou o livro e entregou a mala tipo 007 ao livreiro com um sorriso enigmático.
Samuel abriu a mala com um misto de ansiedade e curiosidade. Mas quando viu seu conteúdo sua face ficou vermelha e seus olhos faiscaram de tanta raiva.
― Baratas mortas… Você me enganou!
― Não enganei não. Você que queria me enganar…
― Mas eu trouxe seu livro…
― Eu não escrevi o livro que você trouxe, aliás, assim como Jesus, Buda e Confúcio, eu nunca escrevi um livro…
― Quem é você? O que quer comigo? ― pergunta o livreiro que de tão lívido parecia que tinha passado farinha na cara.
― Você sabe quem eu sou, Samuel… Você levava uma vidinha monótona e certinha e eu resolvi te testar, assim como testei Jó. Mas, ao contrário de Jó, você não passou no teste…
― Você é o Diabo?!
― Prefiro que me chame de Lúcifer. E agora venha comigo, porque já perdi tempo demais com você aqui na Terra...
FIM