A LENDA DE ROMÃOZINHO...o menino que jamais morreu!!!!

Contam os antigos que esse causo se passou no distrito de Boa Sorte, no município de Pedro Afonso, no Tocantins. Era fim do século dezoito. O casal de negros, Sebastião e Luzia, aguardavam felizes o dia de seu casamento. O coronel Abelardo Correa seria o padrinho deles. Luzia fora mãe de leite dos três filhos do coronel. Sebastião era o líder dos escravos da fazenda. O negro, forte e gentil, salvara o fazendeiro do bote de uma cascavel. Em outra ocasião, Sebastião pulou no rio e livrou o coronel de um afogamento. Por isso e por tantos anos de serviços prestados, o coronel Abelardo deu ao casal a carta de liberdade. Os negros da fazenda Esperança eram muito bem tratados. Não havia capitão do mato pois ali nunca houve rebeliões ou fugas. A fazenda vivia em paz e harmonia. -" Fulgêncio, por favor, chame o Sebastião. Quero falar com ele!!!!" Disse o coronel a um dos jovens empregados da casa grande. Diferente de outros senhores, Abelardo era educado com os negros. Tempo depois, Sebastião se apresentava ao fazendeiro. -" O patrão me chamou?" O coronel apontou uma cadeira. -" Sente-se, Bastião!!! Falei com a minha esposa, Catarina. Muito me alegra ser seu padrinho. Como reconhecimento por seu trabalho quero lhe dar um pedaço de chão." Sebastião ficou boquiaberto. -" Um chão? O coronel quer dizer, uma terra, uma terrinha??!?! Eu não mereço!!!" O fazendeiro se levantou. -" Merece mais. Salvou minha vida várias vezes. Deu-me conselhos valiosos e me ajuda com os empregados! Eles o respeitam. Aceite, por favor. Vai poder plantar e viver em paz nas terras da boa sorte! Criar seus porcos e galinhas!!" Sebastião sorria. -" Ali a terra é boa. Roxa que só. Luzia nem vai acreditar!!!" Disse o negro, feliz. -" Pois então faremos sua casa de sapê, no domingo. Convoque todos pra ajudar a limpar o terreno. Mas lhe ordeno que venha me visitar sempre!!!" O casamento de Sebastião e Luzia foi alegre e festivo. A casinha de sapê era simples e acolhedora. Luzia fazia doces no fogão de lenha. Tobias e Adão, primos de Sebastião, cavaram um poço no quintal. Sebastião plantava milho, mandioca e melancia. O coronel e sua esposa sempre visitavam o casal. Décadas se passaram e Luzia não engravidava. Após orações, novenas e simpatias, a benzedeira Etelvina deu a feliz notícia a Luzia. -" Vejo um menino no seu ventre. Será mãe, afinal." Luzia chorava de felicidade. -" Hummm...nada bom..." A benzedeira fechou o cenho. Arqueou as sobrancelhas e entortou a boca. -" Essa folha de mastruz secou. Não é bom. Esse menino vai precisar de muito amor e paciência, Luzia!!!" A futura mãe sorriu. -"Isso eu tenho. Isso ele vai ter!!!" Sebastião ficou muito feliz ao saber que seria pai. O coronel e os empregados da fazenda vibraram ao saber que Sebastião seria pai. Romãozinho nasceu em abril, numa sexta-feira chuvosa. A parteira Damiana teve muito trabalho pra trazê-lo ao mundo. O choro de Romãozinho foi o sinal para os aplausos e vivas da multidão que aguardava ansiosa no quintal da casa. O coronel buscou o velho padre Astolfo, em Três Pontes, pra batizar o bebê. Romãozinho, choroso, fez xixi no reverendo na hora do batismo. O riso foi geral. Sebastião e Luzia pediram perdão ao sacerdote. -" Acontece, amigos. O menino é esperto!!!" Romãozinho andou com sete meses de idade. Arteiro, arredio e mal educado. Atirava pedras nas galinhas e nos cães. Mordia sempre os pais, cravando os dentes sem dó nem piedade. Vivia de cara fechada, emburrado, enfezado. Sorria quando fazia arte. -" Moleque sem modos. A quem puxou esse peste???" Gritou Sebastião. Luzia sorriu ao ver o esposo bravo. Isso era raro. -" Aos seus pais não foi. Eram a ternura em pessoa!!!" Sebastião deu uma gargalhada. -" Muito menos aos meus sogros. Dona Rita era uma santa, Seu Dimas era um anjo na terra!!! Duas pessoas lindas." O tempo passou e a maldade no coração de Romãozinho crescia. A mãe o levou, em vão, na benzedeira e na igreja de São José. -" Ele não é desse mundo. Não vejo bondade nele." Disse a benzedeira a Luzia. Por onde passava, Romãozinho deixava suas marcas, destruindo plantas ou maltratando animais. Amarrava rabos de gatos, cães e cavalos. Dava rasteirinha nos meninos, cortava os vestidos das senhoras e botava apelidos nada carinhosos em todo mundo. Por causa do menino as visitas a Sebastião e Luzia não eram mais frequentes. Em casa ele reinava soberano. Jamais apanhara ou sofrera castigo, muito embora merecesse. Sempre despejava sal na comida da mãe, colocava espinhos no colchão de palha de milho da cama dos pais ou molhava a lenha do fogão. Tinha oito anos quando arrancou todas as mudinhas de abóbora da grande roça do pai. Com doze anos aprendeu com o pai a fazer e montar arapucas. Sebastião queria ver o filho ocupado e orgulhoso em criar algo mas surtiu efeito contrário. Romãozinho torturava os passarinhos e tatus que capturava. Sentia prazer nisso. O coronel ficava triste pois Sebastião e Luzia não mereciam um filho como Romãozinho. Botava fogo na mata constantemente. Um certo dia, sol quase a pino. Onze e meia da manhã. Luzia saiu no quintal. -" Filho. Romãozinho. Seu pai está na lavoura de milho, querido. Leve o almoço dele, por favor!!!" O menino parou de brincar e franziu a testa. -" Arre, égua... Leve você!!! Ficarei aqui..." A mãe continuou, paciente. -" Filho, fiz galinha com quiabinho. Seu pai gosta muito. Você também!!!! Vai, filho." O garoto se levantou. -" Eu vou...." Pegou o cesto de palha com o caldeirão quente envolto numa toalhinha bordada e tomou o rumo da roça de milho. Andava devagar e com má vontade. Assoviava. Falava palavrões e xingamentos. Vez ou outra atirava pedras nas árvores. Dois quilômetros de caminhada. Um pé de jabuticaba. Romãozinho sentou-se e abriu o cesto. Abriu o caldeirão de comida. -" Uma galinha quase inteira a mãe colocou pra aquele tonto!! Por isso tá pesado." Foi comendo aos poucos até esvaziar o caldeirão. Sorriu maliciosamente. Pegou no sono. Meia hora depois, encheu a vasilha com os ossos da galinha e com pedras. Cobriu o caldeirão com a toalhinha e o pôs no cesto. Andou por meia hora e avistou o pai. Suado, enxada levantando poeira, Sebastião era incansável. Chegou a pensar que o almoço não viria pois a hora se adiantava. Sebastião não reclamava de nada. -" Pai... O almoço chegou!!!!" Gritou Romãozinho. O lavrador abriu um sorriso e deixou a enxada de lado. Correu e abraçou o filho. -" Deus o abençoe, filho. Sua mãe também. Vou comer, graças a Deus!!!" Eles foram para a sombra de uma figueira. -" Tá pesado o caldeirão, Romãozinho!!!" O menino sorriu. -" Senti cheiro de galinha com quiabinho, pai." O pai de Romãozinho abriu o caldeirão. -" Ué.... O que é isso?!?!? Ossos e pedras?!? Isso é uma brincadeira????" Romãozinho fingiu espanto. -" A mãe me deu assim. Ela e o homem...." Sebastião sentiu o sangue ferver. -" Homem!?!??? Que homem????" O menino fingiu um choro. -" Não queria falar mas... toda vez que o senhor vem pra roça um homem vai lá em casa. Fica no quarto com a mãe. Saiu hoje lambendo os dedos pois certamente comeu a galinha do seu almoço!!!" Sebastião jogou o chapéu longe, furioso e guardou o caldeirão na cesta. -" Verdade isso???" O menino beijou os dois dedos indicadores, cruzados. -" Sim. Eu juro... é a mais pura verdade!!!!" Sebastião se irritou. -" Obrigado, filho. Vou tirar isso a limpo!" Sebastião pegou a enxada e tomou o rumo de casa. Andava tão rápido que o filho não conseguia acompanhá-lo. Gritava ofensas, insultos e ameaças a esposa. Romãozinho se divertia. Luzia estava sentada no quintal. Costurava remendos em camisas do marido. Sorriu ao ver Sebastião. -" Minha paixão. Voltou cedo!!!!" Sebastião entrou na casa. -" Seu amante se foi. Você é ardilosa!!!!" Ele jogou o caldeirão aos pés dela. Ossos e pedras se espalharam no chão. -" Enquanto eu trabalho, você me trai e brinca comigo. Vou comer ossos e pedras???" Luzia estava assustada. Jamais vira Sebastião daquele jeito. -"Romãozinho me segredou. Disse tudo o que você faz na minha ausência!!!" Luzia olhou para o filho. Sebastião deu seis facadas no peito da mulher. Luzia deixou as camisas e os remendos caírem. Ela caiu da cadeira. Romãozinho sorria. Luzia apontou o indicador ao filho. -" Deu falso testemunho e não honrou pai e mãe. Enquanto tiver alma viva no mundo, você não morrerá, não terá descanso, Romãozinho!!! Nem o inferno te quer. Maldito!!!!" Luzia fechou os olhos e morreu. Sebastião andava de um lado para outro, desnorteado. Romãozinho fugiu dali, sorrindo. Sebastião foi a sede da fazenda. Estava andando igual zumbi, olhar perdido. Ele contou ao coronel o que aconteceu. Alguns moradores da fazenda foram ver Luzia. Arrependido, Sebastião se jogou de um grande penhasco. Aquela triste história se tornou conhecida no centro oeste do Brasil. Os negros contavam a história de Romãozinho nas fazendas da região. Romãozinho ainda está vivo, ainda hoje. Tem a mesma idade de doze anos. É visto constantemente, pelos caminhoneiros, nos acostamentos das rodovias federais. Errante, sem rumo, sem lar... Romãozinho tem o dom de sumir como por encanto. Fica invisível quando quer fazer maldades. Durante a noite, quando corre pelas estradas, vira um rastro de luz azul. Gosta de quebrar galhos e assustar animais. Joga pedras nos telhados das casas. Assusta as pessoas que trabalham sozinhas a noite, fazendo estranhos barulhos ou chamando-as pelo nome. Vive vagando por aí. Romãozinho já foi visto em Mato Grosso, Bahia, Minas e até em São Paulo, onde recebe outros nomes. Alguns dizem que é o pequeno demônio que atira coisas e pedras. É um ser andante, errante, apavorante... É um preceito bíblico honrar e respeitar os pais. Romãozinho ficará assim, vivo e sem destino pra sempre, enquanto no mundo tiver uma viva alma, pois jurou falso contra sua própria mãe. Nem no inferno há lugar para ele!!! FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 06/04/2019
Reeditado em 10/04/2019
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