O CADÁVER DE NORWICH
O ser humano é altamente ambicioso, tudo que em seu peito cresce, como chama, pode levá-lo a atrocidades das mais desprezíveis. As coisas crescem dentro de cada um de nós, a semente é germinada, e com o passar do tem ela é regada, mas somos tão pequenos para suportá-las.
As suas raízes penetram na nossa consciência, tão profundamente que quando nos deparamos já não somos quem pensamos, já não agimos como queríamos. Somos guiados pela vontade da consciência, e tudo que se entrega a ela é perigoso!
Hoje é dia santo, e parece-me uns dos dias mais confortáveis, no começo foi difícil me acostumar com tudo isso, tudo novo é complicado. Mas acabei me acomodando, e um dia todos também irão!
Consigo sentir que lá fora está um dia chuvoso, sei disso por que na maioria das vezes a água penetra no meu pequeno aconchego, apertado e escuro. Os raios de sol em outras dias me procuravam lá fora, e agora só os vejo quando alguém vem fazer-me uma visita - coisa que gradativamente está ficando rara - com isso você também acaba se acostumando e se entregando ao seu destino. O cheiro do meu novo lar é fedido, tenho quase sempre a companhia das larvas e besouros, e os malditos ratos. Preferivelmente gosto das larvas. São coisinhas estranhas e milagrosas, não são de sua obrigação, mas elas foram as únicas que literalmente ficaram comigo o tempo todo. Gosto da forma que elas perambulam, cavam e deslizam sobre minha pele úmida. Não gosto dos ratos, eles roem tudo que lhes vem ao dente, são roedores infernais.
A minha chegada aqui foi bem comemorada, nunca tinha deixado alguém tão feliz como naquele dia. Cheguei aqui tão rapidamente que não tive tempo de avisar a ninguém, só souberam que eu me encontrava nessa atmosfera depois de alguns dias de sumiço. A última coisa de que me lembro é a cor da tapeçaria, aquele vermelho sangue, a taça estilhaçada a minha frente, e aqueles sapatos negros saindo pela porta. A cidade foi a minha procura, a polícia conseguiu me encontrar após alguns dias, com a ajuda de cães farejadores. O meu paradeiro era um mistério, quem o fez; fez de modo perfeito. O meu assassino estava lá com a polícia no momento em que fui encontrada. O meu coveiro tinha trabalhado meticulosamente para que ninguém soubesse de nada, a sua ambição custou apenas tempo. Fui encontrada de modo indevido, apenas o meu tronco ainda permanecia enterrado, meu sangue já não corria mais em minhas veias, estava pálida como a lua, moscas saiam e entravam pela minha boca, meus olhos estavam sem brilho, e meus dedos estavam mastigados, os cães selvagens tiveram essa audácia a noite.
O jeito de como as pessoas me olhavam, e a ânsia de vômito que eu causava, as palavras incrédulas que só um ouvido morto pode ouvir, só alguém como eu, cujo o sol não mais enxerga, pôde sentir e se sentir algo obscuro… fora aquela ave negra que beliscava friamente meu coração!
Estava em completa putrefação, próxima às margens de um rio, a quilômetros da cidade.
Procurou-se meu assassino por toda Norwich, nunca o pegaram. Ele pôs cada um da minha família neste mausoléu, nos fundos da mansão, no decorrer da sua vida. Meu irmão Robert lamentou muito não poder fazer o mesmo com minha tia, pois ela teria falecido de morte súbita!