O Álbum

Alex Musgo tinha polidactilia, ou seja: seis dedos em cada um dos pés e das mãos. Por ter este defeito genético, e por ter sofrido bullying por isso quando criança, Alex buscava a perfeição que nele não encontrava. Este foi o principal motivo para se tornar um fotógrafo profissional: a busca pelo belo, pelo perfeito. Alex estava acostumado a lidar com sombras, luzes e perspectivas, e via as pessoas sob a ótica de sua câmera ultramoderna, com a qual captava a essência delas, isto é: suas almas. Mas Alex não usava a fotografia só para trabalho. Não mesmo. Ele a usava também para fazer uma espécie de “roleta-russa” com alguns dos fotografados. Seu modus operandi era simples e mortal: ia a diversos parques, quase sempre aos domingos (porque o movimento de pessoas é maior), fotografava seus frequentadores tendo o cuidado de registrar o lugar onde as fotos deles foram tiradas. Em casa, juntava todas as fotos, colocava-as num saco, e sorteava seis delas ao acaso (de homens ou mulheres). Em seguida, colocava as seis fotos escolhidas novamente no saco, misturava bem e selecionava uma delas. O (A) escolhido (a) teria sua alma capturada, em seu álbum particular da perfeição, após… ser assassinado (a), em um sinistro ritual. O álbum funcionava como um hobby, mas estava longe de ser um mero passatempo, ele tinha um propósito maligno: quando completado, abriria um portal para uma dimensão que faria Alex Musgo atingir a perfeição suprema, ou seja: tornar-se um deus. Mas, para isso, eram necessárias completar as 666 almas do álbum e o fotógrafo não estava longe de consegui-las. Você deve estar se perguntando como Alex Musgo fazia para reencontrar as pessoas escolhidas, no parque, para morrer. Simples. Ele escaneava a foto da pessoa escolhida em seu computador e usava poderosos mecanismos de buscas de imagens para encontrá-las. Um método prático e muito eficiente.

Era o segundo domingo de outubro de um ano ímpar, quando Alex Musgo foi a um parque bem longe de onde morava. Ele morava na capital fluminense, mas o parque escolhido ficava na cidade de São Paulo: o Parque Ibirapuera. Este parque deve o nome (Ibirapuera significa “árvore apodrecida” em tupi-guarani) aos índios e é o mais visitado da América Latina. Foi inaugurado em 21 de agosto de 1954 e recebe mais de 14 milhões de visitantes por ano. Ou seja, era um lugar perfeito para o fotógrafo capturar almas. Alex chegou ao parque às 10 horas, após uma longa viagem. Estacionou seu carro perto do parque e, após pagar o ingresso de pouco mais de sete reais, nele entrou para realizar seu tenebroso hobby. O movimento de pessoas já era significativo e o clima (ensolarado) do lugar era propício para fotografar.

Alex Musgo ficou no parque até as 16 horas. Fotografou homens e mulheres. Crianças e idosos, não. Alex queria almas de pessoas na sua plenitude física e mental e estas não eram encontradas em crianças (ainda em formação) ou nos idosos (já em queda). Satisfeito com as centenas de fotos que tirou, o fotógrafo voltou para casa em seu carro popular cantarolando, com fluência, a música “Sweet but psycho” da cantora Ava Max. Alex teria a semana toda para escolher a próxima alma a fazer parte de seu seleto álbum.

A semana passou rápido e, após alguns trabalhos corriqueiros como fotografar casamentos, bodas, festas de formaturas e de debutantes, já era sexta-feira. Neste dia, Alex Musgo fez o sorteio das inúmeras pessoas que fotografara no Parque Ibirapuera. Sorteou seis fotos, das mais de trezentas que tinha colocado no saco de veludo azul. Nelas se viam dois homens e quatro mulheres. Mas, para ele, não importava o sexo do escolhido, só sua essência. Em seguida, o fotógrafo esvaziou o saco e colocou os seis retratos sorteados novamente dentro dele. Após mexer bastante as seis fotografias, sorteou o “escolhido”. Era um homem. Tinha cabelos dourados encaracolados, nariz de águia e orelhas pontudas. Parecia um vampiro, mas era humano.

Alex Musgo escaneou a foto, em seu possante computador, e fez a pesquisa usando mecanismos ultramodernos de buscas de imagens. Finalmente, encontrou o que queria. O homem chamava-se Albert Morris e, apesar do nome norte-americano, era… romeno! Morava em Bucareste, tinha 29 anos, casado, com filhos e era escritor. Estes eram os dados de seu Facebook que era recheado de fotos de seus filhos e de seus livros.

“Droga! Um estrangeiro!”, pensou o fotógrafo batendo uma mão contra a outra. De acordo com as regras de “seu jogo”, Alex Musgo não podia mudar de “escolhido”, exceto se ele morresse antes do ritual. Por isso, o fotógrafo teria que ir obrigatoriamente à Romênia, mas encarou isto como um desafio, uma diversão: “quanto mais difícil, melhor!”, pensou Alex Musgo, já pesquisando na internet uma casa barata e afastada, em Bucareste, para alugar.

Alex Musgo viajou para Romênia quatro dias depois. Foi do aeroporto até uma locadora de veículos, onde alugou um carro bem discreto, e de lá dirigiu até a casa que alugara. Ela ficava longe do Centro de Bucareste. Era grande, confortável, mas extremamente antiga. Porém servia como uma luva a seus soturnos propósitos. Depois de algumas horas de pesquisas, Alex conseguiu, enfim, localizar o paradeiro de sua vítima. Albert Morris morava com a esposa e um casal de filhos numa casa na rua Lipscani, 69, localizada no Centro Velho de Bucareste. “Agora é só preparar a armadilha e pegar o rato. “ Pensou o fotógrafo com um sorriso diabólico.

Após duas semanas de tocaia, verificando a rotina de sua vítima, o fotógrafo decidiu que o melhor dia para atacar era a segunda-feira. Neste dia, a mãe saía com os filhos, enquanto Albert, que era escritor, ficava em casa trabalhando. E foi na manhã da segunda-feira seguinte que Alex Musgo executou seu maléfico plano. Tocou a campainha da casa de Albert Morris, cerca de vinte minutos depois da sua esposa sair com as crianças, e quando o escritor abriu a porta, foi surpreendido com um revólver apontado para sua barriga.

― Siga-me ou eu te mato!

Sem alternativas, Morris seguiu Alex.

A viagem de carro demorou cerca de uma hora e meia. Albert Morris conduziu o carro e o estacionou na frente de um enorme casarão.

Já na casa alugada pelo fotógrafo, o escritor foi amarrado com cordas como uma múmia egípcia.

Albert estava assustado e gritava implorando por sua vida, mas em vão. Não havia vizinhos próximos e a vida de Albert Morris valia menos que uma moeda de 3 centavos de reais.

Era meia-noite, em ponto, quando Alex Musgo começou o ritual. Pegou um facão de cortar carne e arrancou os dois globos oculares do escritor. Albert Morris gritava e se contorcia de dor, enquanto o fotógrafo saboreava sua sinistra ceia. Morris desmaiou, mas acordou subitamente, com seu corpo em chamas. Enquanto o escritor se debatia inutilmente, o fotógrafo gritava repetidamente, e a plenos pulmões, as seguintes palavras:

“Você morre aqui e perde toda a vontade que tinha! Quando eu completar o álbum, sua alma imortal será minha!”

Após a morte do escritor, Alex Musgo colocou a fotografia de Albert Morris, com cuidado, em seu sinistro livro encadernado de capa preta e foi para o aeroporto. Sua missão na Romênia já estava cumprida. Agora era se preparar para a próxima vítima, pois ainda faltavam dez almas para o fotógrafo completar seu macabro álbum…

FIM

Luciano RF
Enviado por Luciano RF em 30/03/2019
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