Meus demônios

No início de minha fase adulta tomei uma decisão que abalaria minhas relações, essas das quais, talvez nem valesse a pena mantê-las. Abraçar o ateísmo. Criado em uma família cristã, sempre tive concepções que levariam a anjos e demônios. Para uma pessoa comum, 18 anos talvez seja suficiente para fazer uma semente brotar e deixar suas raízes. Mas que semente seria essa? A semente da religiosidade! Das crenças no sobrenatural, no misticismo, ocultismo e outros delírios da mente humana.

Durante minha infância fui uma criança medrosa, sempre apavorada. Lembro-me que quando estavam todos fora de casa e era necessário que entrasse para fazer algo, tinha eu certas visões que remetiam a monstros. Provavelmente fosse apenas fruto de minha fértil imaginação. Não foi fácil para que eu pudesse extrair essa semente que acabou se tornando uma árvore podre. Hoje aos 24, é provável que ainda haja algo dentro de mim. Espero que um dia possa ver-me liberto disso. Hoje o medo já não faz mais parte de meu dia-a-dia, pelo menos a duas noites atrás. Quisera eu que continuasse assim.

Não era uma noite qualquer, havia discutido com minha esposa e, fui dormir na casa de minha mãe. Meus móveis antigos continuavam lá, em meu quarto. A cama no seu devido lugar, os quadros na parede, meu guarda-roupa antigo. O cheiro já não era mais o mesmo, fedia a mofo, o teto coberto por teias de aranhas tornava aquele ambiente um tanto desagradável, mas como estava de tal modo estressado devido à discussão não me importei muito com isso. Depois de uma noite cansativa, assisti a um bom filme de terror, isso que não fazia parte de meus hábitos, e fui dormir. Devido ao cansaço consegui dormir logo. Mal sabia eu, que essa noite não acabara ali.

As noites de tormenta vividas na minha infância voltariam a tirar o meu sono. Naquela noite tive um sonho estranho, se é que posso denominar de sonho algo tão bizarro. Nele havia uma mulher, já velha, com aparência medonha, não lembro o porquê, muito menos como, mas ela agarrou-me pelo pescoço me erguendo. Logo em seguida despertei, porém, não conseguia mover um músculo sequer, era a chamada paralisia do sono. Quando acordei e percebi que estava imóvel, senti algo subir em minha cama. É possível que meus sentidos tenham me enganado, mas assim como sinto o vento em meu rosto, senti uma coisa de pé, ao meu lado, e parecia estar olhando para mim, observando o que eu faria e pronta para atacar. Fiquei paralisado por alguns segundos. Não consegui ver nada, pois é de meu costume dormir com um lençol envolto de minha cabeça. Quando recuperei os movimentos, percebi que essa coisa pulou de minha cama. Ouvi também que ela dava passos, passos longos.

Fiquei desesperado, logo pensei em acordar minha mãe e lhe contar o que havia acontecido, mas achei melhor não falar nada. Achei melhor esperar as noites seguintes. Ao amanhecer retornei à casa de minha esposa. Desde então tem acontecido coisas estranhas, sinto que estou sendo observado. No momento em que escrevo esse relato ouço barulhos vindo do banheiro, sons que remetem a papéis sendo amaçados. Pergunto-me se o que aconteceu seria a soma do fruto dessas raízes que ainda permeiam meu interior com o filme que assisti, e como resultado acabei tendo delírios. Ainda não sei bem o que aconteceu, nem se realmente aconteceu, esperarei os dias se passarem.

Felipe Sagan
Enviado por Felipe Sagan em 28/03/2019
Reeditado em 11/04/2019
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