O ESPELHO
- Eu tive o mesmo sonho essa noite.
- Qual?
- Com uma velha que sai do espelho e me arrasta pra lá junto com ela. Tenho sonhado constantemente a mesma coisa. O que será que significa?
- Acho que nada. Sonhos são apenas sonhos, não acredito que tenham algum significado especial.
***
A noite está abafada, sinto uma sede incomum. Detesto quando preciso me levantar no meio da noite, seja pra ir ao banheiro ou pra tomar água. Mas não tem jeito, a sede tá demais. Na verdade, tenho medo dessa casa, tão antiga e cheia de histórias. Bem que meus pais poderiam ter encontrado uma casa mais nova, mas essa mania deles de economizar em tudo, fez com que viéssemos morar aqui.
Hoje ainda não sonhei com a velha, mas quase todas as noites tenho esse pesadelo estranho, desde que chegamos aqui, há três meses. Mas contei pra minha mãe e pra minha melhor amiga e elas disseram que não deve ser nada demais. Talvez eu só esteja impressionada com a casa velha. Minha mãe acha que estou fazendo pressão para poder sairmos daqui, talvez tenha razão.
Levanto-me com os olhos meio fechados, porque ainda não consegui despertar totalmente. Cambaleante chego ao interruptor e acendo a luz. A claridade fere meus olhos como se raios lazeres os atravessassem. Saco! Detesto ter de me levantar de madrugada. A parte mais difícil vem agora, o corredor. Não que seja grande ou coisa assim, mas é escuro e é lá que está o espelho do sonho. Minha mãe reluta em tirar de lá, quer que eu vença o meu medo e supere logo esse trauma. Não é trauma, já disse pra ela, apenas tenho tido sonhos ruins.
Ao me aproximar sinto um certo nervoso. A luz do corredor está queimada, mas a lanterna do celular me ajuda na semiescuridão. Em frente ao espelho, que está colocado um pouco acima da minha cabeça, eu paro. Tenho que vencer esse medo de uma vez por todas. Olho atentamente e me vejo como sou, apenas uma menina de 16 anos, que um dia será uma linda mulher. Pronto, venci o medo, posso seguir tranquilamente.
Caminho calmamente para a cozinha, o pior já passou. Sei que não há nada de ruim nessa casa, é apenas coisa de adolescente.
A sala está escura e o interruptor não quer funcionar, não tem problema. Mas quando eu vou terminando de atravessar a sala, ouço um chiado e vejo a luz da tevê acender. Sinto um arrepio, mas me controlo. Vou até lá, pego o controle e desligo. Por via das dúvidas, tiro da tomada. Quando vou virando o rosto em direção à cozinha, vejo um vulto como de um homem sentado no sofá, não consigo conter o grito, Fino e assustador. Quando me viro totalmente, não há ninguém, apenas o velho sofá vazio.
Saio rápido dali. Chego à cozinha, abro a geladeira. Pego um copo d’água e volto correndo. Atravesso a sala sem olhar para os lados. O estranho é que apesar do meu grito, ninguém na casa acordou.
Já no corredor, eu sinto que alguém corre atrás de mim. Tropeço em frente ao espelho e caio, o copo d´água voa longe, molhando todo o piso. Não há tempo para qualquer coisa, levanto-me rapidamente e dou de cara com a velha. Tento gritar, mas nenhum som sai da minha boca. Quero correr, mas minhas pernas não me obedecem. Ela me pega pelos cabelos e me arrasta pelo corredor, tudo isso de uma forma muito veloz, de um lado para o outro. O meu couro cabeludo dói profundamente. Ela vai arrancar meus cabelos. Estou quase desmaiando de tanta dor.
Não há mais tempo, ela vai me levar para dentro do espelho. Ninguém pode me salvar. O espelho está me engolindo. Sinto que minha alma está indo e meu corpo está ficando.
Enfim, um grito. Eu acordo. Minha mãe me balança com as duas mãos, me chamando. Mas o rosto dela, meu Deus, é o da velha.