O Botão Vermelho
A Unatractifobia de Anderson sempre foi um impedimento para ele. Ele ficava dias muito bem, mas uma hora, de repente, via alguém que a sua mente considerava muito feia e, diante dos seus olhos, a pessoa se tornava algum tipo de criatura grotesca e ele tinha ataques de pânico incontroláveis. Apesar disso, ele conseguiu terminar seu curso de Tecnologia da Informação e o MBA em Gerenciamento de Projetos. Alcançou cargos importantes em pouco tempo devido ao seu grande talento, inclusive de Gerente de TI em duas empresas grandes, e até Gestor de Fábrica de Software por três anos, mas em pouco tempo acabou tendo que sair das empresas que trabalhou devido às crises de pânico.
Finalmente, Anderson encontrou o emprego perfeito: ele ficava o dia todo sozinho em uma sala e sua única função era apertar um botão. Isso mesmo, ele ganhava 25 mil reais por mês para simplesmente apertar um botão, de oito da manhã às duas da tarde. Não era tão fácil, entretanto. Ele tinha que apertar o botão vermelho exatamente a cada 1 hora, quando o relógio virava, e não podia atrasar ou se adiantar nem um pouquinho. Não havia horário de almoço, nem qualquer oportunidade de sair da sala. Também não poderia haver na sala livros, janela, celular ou qualquer coisa que pudesse oferecer o mínimo risco de levá-lo a falhar na sua tarefa. Nem mesmo um banheiro. Tudo que ele tinha que fazer era ficar parado olhando para o grande relógio à sua frente e na hora exata apertar o botão, às oito, dez, onze, doze, treze e quatorze horas.
Seu escritório era apenas parte de um grande prédio de uma empresa de pesquisa chamada Winter. Anderson imaginou que na verdade esse era um nome falso, que havia alguma empresa famosa ou governo por trás da história que não queria seu nome envolvido com seja lá o que estivesse acontecendo ali. De fato, ele não podia fazer perguntas. Algo super secreto e provavelmente ilegal estava acontecendo, e o seu papel era uma pequena parte de uma grande rede em que praticamente ninguém sabia exatamente o que estava fazendo, todos tinham alguma função que parecia idiota mas que, no todo, provavelmente faria sentido. Tinha que fazer, ninguém ia gastar tanto dinheiro para contratar pessoas para fazer coisas que uma máquina faria melhor.
Após algum tempo, a única explicação plausível que Anderson imaginou para essa situação era que seus contratadores temiam que alguém invadisse o sistema deles e descobrisse o que estavam fazendo ou atrapalhasse o processo. Conversando com sua esposa, ele usou a figura de uma corrente: alguns elos eram computadores, outros seres humanos, e cada um participava de uma etapa do processo. Se alguém invadisse uma máquina, ela não teria acesso às outras a partir dela. E se alguma pessoa resolvesse denunciar o que estava acontecendo, ela simplesmente não saberia nada. A explicação não convenceu muito, mas ele estava próximo da verdade.
Também não valia muito a pena ficar questionando. O salário era muito bom para uma função muito simples, embora estressante e angustiante muitas vezes, devido ao tédio e à pressão. Mas sua fobia finalmente não era capaz de atrapalhar seu trabalho. Era uma oportunidade que ele não podia perder, sua família dependia disso.
Certa vez ele decidiu fazer um pequeno teste e se adiantar cinco segundos em apertar o botão. Dois minutos depois o seu supervisor entrou na sala e, friamente, lhe deu uma bela bronca sobre sua falta de responsabilidade e compromisso com a empresa. Anderson achou que seria demitido, mas algo na expressão do supervisor dizia que esse não era um emprego do qual você poderia simplesmente sair e prosseguir com sua vida. Entretanto, foi-lhe dado mais uma oportunidade.
Dias depois, após apertar o botão vermelho às 14 horas e sair da sua sala, ele encontrou-se com uma colega chamada Márcia. Ela agarrou seu pulso no meio do turbilhão de funcionários indo e vindo (aos quais Anderson sempre tentava não olhar no rosto) e sussurrou para que ele a seguisse, soltando-o a seguir e adiantando-se no caminho. Entraram em um elevador e ela, disfarçando, nem olhava para Anderson. Ele começou a suar frio, aquele não era seu caminho até a sala de ponto, alguém poderia desconfiar. Mas no seu íntimo sabia que Márcia descobriu alguma coisa importante, e depois de semanas com aquele mistério na cabeça, ele precisava saber o que estava acontecendo.
Saíram do elevador no segundo andar, e pegaram outro, ainda descendo. Ele ia para andares subterrâneos. Mesmo estando sozinhos, Márcia preferia não falar nada. Quando finalmente chegaram ao andar certo, deram em um corredor completamente vazio. Anderson tremeu procurando câmeras de segurança.
- Não se preocupe. – Ela disse, como se pudesse ler seus pensamentos, enquanto andavam. – Absolutamente ninguém vem aqui. Não há câmeras nesse corredor também, sou a única pessoa que passa por aqui durante o meu turno.
- Mas...
- Parece doido, não é? Eu logo desconfiei por que iriam me mandar ficar vigiando um lugar onde ninguém vai. Mas a coisa fica mais estranha ainda.
O corredor, que não tem portas, só tem como saída além do elevador as escadas do lado oposto. Eles subiram alguns lances até a superfície. Anderson arregalou os olhos ao perceber que o caminho terminava bem no meio do cemitério desativado que ficava atrás do complexo onde eles trabalhavam.
- O cemitério? Mas... Eu não entendo. Por que haveria um caminho para o cemitério a partir do nosso prédio?
- Olhe em volta. – Márcia respondeu, Anderson obedeceu. Haviam recentemente aumentado muito o muro do cemitério e colocado cercas elétricas sobre ele. O portão também foi substituído por muro, de modo que a única entrada e saída era pela escada pela qual eles subiram. Era um cemitério de indigentes, as lápides não tinham qualquer identificação além de um número de registro e a data do enterro. Todos os corpos estavam ali há menos de um ano.
- Eu não consigo entender...
- Minha função, há três meses, é ficar nesse cemitério e impedir que qualquer pessoa pule o muro. Só isso.
- Mas isso é loucura. O muro é alto, tem cercas elétricas e câmeras apontadas para o lado de fora. Para que colocar alguém para vigiar?
- Muito dinheiro para gastar e muita preocupação em manter isso aqui em segredo. – Ela respondeu.
- E qual o motivo dessa preocupação? O que eles estão escondendo?
- Não sei. Tudo o que sei é que de vez em quando eu ouço um murmúrio vindo de dentro das lápides...