Um Sonho Nunca Morre

Os automóveis lotavam o estacionamento entre a igreja e o Campo Santo. Logo atrás, iluminada em tons pastéis, a fachada do novo salão de festas da congregação abria suas portas para a inauguração em grande estilo com um evento importante para a comunidade.

A orquestra já tocava há algum tempo e o salão estava cheio, imaginava ela. Risos contidos e conversas animadas maculavam a suavidade das melodias harmônicas que saiam pelas caixas de som espalhadas por todos os lados. Isto não incomodava a menina por trás da porta de carvalho lustrado. Pelo contrário, ela gostava daquela agitação, sentia falta.

Lívia se preparava para sua entrada triunfal. Tudo tinha que sair perfeito. Há anos que aquela pobre menina cultivava, em sua imaginação, secretamente, o grande momento da valsa. Nunca tinha sequer entrado num luxuoso salão de baile de debutantes. Nem perto conseguiu chegar.

A música parecia estar mais alta, e as conversas, então, quase inaudíveis: tinha que se apressar. O grande momento estava chegando.

O vestido era lindo, ela sabia. Contudo, não conseguia pentear os longos cabelos, claros e cacheados, que teimavam em não se ajeitar. Ela tinha que conseguir, precisava ser mais rápida.

A cada passada forte do pente pelos longos e quebradiços fios de cabelos, chumaços inteiros eram arrancados de seu couro cabeludo ressequido e enrugado. Lívia tinha que continuar tentando. As valsas tocavam há algum tempo e ela ia perder a hora. Quanto mais lutava, mais longe estava de ficar bonita.

A menina tentou chorar... mas não conseguiu. Já não tinha seus globos oculares, perdidos para os vermes famintos que tomaram o seu rosto tempos atrás.

Lívia ainda ouvia a orquestra, mas, resignada, agradecia o fato de a grossa porta de carvalho lustrado de seu caixão abafar um pouco os sons que vinham de não muito longe.

Fantasmas