A HOSPEDARIA
Um homem chega tarde da noite numa hospedaria de uma pequena cidade. Leva consigo uma maleta e um guarda-chuva surrado. Chove uma chuvinha fina e teimosa. Uma placa de madeira balança sobre a porta, mas o nome que um dia estava escrito ali, já fora apagado pelo tempo.
O homem entra e vai até um velho balcão, onde uma plaqueta de metal ostenta a palavra “recepção”. O r também já fora apagado pela força do tempo. O homem pensa que poderia está escrito ali, em vez do que se supunha, a palavra que lhe traduz melhor a sensação que tem, “decepção”.
Não há ninguém na recepção ou sequer sinal de vida naquele lugar estranho. Mesmo assim ele chama, na esperança de que apareça alguém pra lhe atender. Ele precisa passar a noite naquela cidade, pois só haverá trem na manhã do outro dia.
Eis que aparece uma mulher muito esquisita, feia de um modo quase sobrenatural. Um fantasma, ele pensa. A mulher diz boa noite, com uma voz que poderia ser qualquer coisa, menos voz humana. Ele responde, por fim. Pede um quarto e a mulher lhe atende prontamente. Ele pega a chave e sobe por uma velha escada, que range a cada passo.
Quando vai andando pelo corredor, tem a sensação de que alguém caminha a suas costas. Ele se vira de súbito, mas não vê ninguém. Sente um arrepio. Algo lhe sopra a nuca, um sopro gelado como o vento da morte. Mesmo que ele não saiba como seria esse suposto vento. Ele não é um homem supersticioso, então não se aflige nem imagina coisas do tipo que outra pessoa imaginaria.
O corredor é curto e logo ele se vê num pequeno quarto com uma cama minúscula e mal cuidada, uma cômoda também pequena ao lado da cama e uma porta que leva, pensa ele, ao banheiro. Dentro da primeira gaveta da pequena cômoda, ele encontra uma velha Bíblia. Algo natural em quartos de hotéis. Sempre há. Mas naquela Bíblia em particular, tem alguma coisa estranha, nomes bizarros escritos na capa, além de uma mancha que parece ser sangue ressecado. O homem, no entanto, não se preocupa com o sobrenatural, ele vive a vida prática, com os pés na realidade.
Quando ele se deita o rangido da cama parece um gemido de dor. Estranho, ele pensa. Mas está muito cansado e precisa acordar cedo. Dorme imediatamente. Um grito muito alto o desperta, parece vir lá de baixo, do térreo. É um grito de mulher. Ele pensa na recepcionista, seria ela? Levanta-se com certa pressa, calça as sandálias e abre a porta, seguindo pelo corredor escuro.
Desce correndo as escadas, na tentativa inútil de salvar seja lá quem for que esteja sendo agredida. Mas chegando na recepção não há ninguém, o silêncio parece mais inquietante do que nunca. Ele olha para todos os lados e tudo o que vê é o mesmo balcão abandonado, um livro aberto sem ninguém lendo, e uma cadeira de balanço balançando sozinha. Um arrepio percorre seu corpo de cima a baixo, e outro grito muito alto ecoa pela velha pensão, dessa vez vindo lá de cima, de onde acabara de vir. Ele corre pela escada, precisa abandonar aquele lugar estranho, mas ao entrar no quarto que pensa ser o dele, não tem cama ou cômoda, está completamente vazio. Ele então sai e entra no próximo, igualmente sem nada.
O homem decide deixar tudo ali mesmo e ir embora, mas chegando na porta de saída, ela está fechada. E por mais força que ele faça, a porta permanece imóvel. Outro grito horripilante ressoa pelo lugar, ele se desespera e grita também, pedindo socorro. Seu grito se mistura ao barulho intenso que vem do andar superior. O que ele vê descendo as escadas faz com que seu corpo trema sem parar, suas pernas ficam bambas e ele cai. A noite segue lá fora, a cidade se perde numa densa penumbra.