Bruno - DTRL33 - Minicontos de Terror
Existia algo de muito estranho em meu irmão mais novo. Uma coisa muito ruim, dentro dele.
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Desejei muito um irmão quando pequeno. Uma de minhas lembranças mais claras foi o nascimento dele, quando eu tinha 4 anos.
Lembro-me bem da felicidade que cercava minha mãe e meu pai naqueles dias.
Lembro-me da corrida ao hospital e do primeiro contato com aquele serzinho franzino, meio roxo. “Parece um ratinho, e nem chora como os outros bebês”, foi meu primeiro pensamento. Senti e sinto uma tremenda culpa por ter pensado isto.
Lembro-me melhor ainda dos dias que se seguiram após sua chegada.
Bruno não era o que eu imaginava. Tinha um olhar caído que me observava de modo tão profundo que causava desconforto. Demorou tempo demais para balbuciar qualquer palavra, e nunca teve força para correr ou brincar.
Preferia estar sozinho, sentado no canto que adotou como o favorito de nosso quarto. E seguia me olhando daquela forma. Só de lembrar...a aflição retorna. Acho que, da maneira dele, era como conseguia pedir ajuda.
Tinha a sensação de que meu irmão fosse feito de pura Tristeza. Aos poucos, eu entendia o porquê de ele ser como era. Era essa coisa ruim dentro dele.
Alguma coisa podre.
Meus pais foram os primeiros a notar. Idas e vindas aos médicos, muitas noites de choro e desamparo. Acredito que eles soubessem o que meu irmão tinha, porém, decidiram nunca me contar.
Eu percebia esse algo podre inicialmente quando ele abria a boca. Era como se estivesse estragado... um cheiro tão forte que me fazia preferir distância dele. Conforme Bruno ia crescendo, aquele odor ia se expandindo...aos poucos tomando conta da casa.
A presença de Bruno fez com que nossa família fosse esquecida por todos. Eram apenas nós quatro agora, e as moscas que nos cercavam.
Os dias avançavam, e a podridão dele ia se entranhando em nossas vidas. E eu te odiei, Bruno. Me desculpe.
Vivenciei a transformação de um pai desgastado para agressivo. De agressivo para omisso. De omisso para evadido.
Vi a transformação de uma mulher que envelhecera 20 anos em 5. Uma mãe que tentou o impossível. Que esperava que o filho mais novo se sentisse amado, apesar de nada parecer comovê-lo. Lá ficava ele, sentado, no canto de nosso quarto. Observando. De tanto permanecer lá, uma mancha de mofo erguia-se na parede a suas costas. Ele nunca teve culpa de carregar esse mal sozinho.
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O Bruno se foi muito jovem, e nunca entendi bem o porquê. Já faz meses que estou sozinho no quarto. Eu e a mancha na parede.
Já senti muita raiva de Bruno. Já senti pena por ele não poder ter vivido o suficiente. Ou mesmo com o contato e afeto que todos mereceriam viver.
Mas hoje? Sinto medo.
Medo de olhar a presença feita de mofo que ele deixou em nosso quarto.
Medo de, naquela mancha, encontrar seu olhar triste me observando.
Medo de não ter feito o suficiente para nos salvar dessa podridão.
Por Nunes Pedroso
Tema: Mau Cheiro ou Trimetilaminúria