Glória e queda de Paulo Capadócia - DTRL33

Não se dá valor à boa arte das lentes. Ativistas pelo direito dos animais levantam cartazes, e o portão do fotógrafo está coberto por adesivos de ONG’s milionárias, que ganham publicidade gratuita frente às câmeras de TV. No ar, furiosas palavras de ordem e cheiro de maconha; no chão, canudos e latas vazias de Coca-Cola. O renomado Paulo Capadócia virou o inimigo número um do IBAMA ao participar de um concurso de fotografia.

Ele tomou da câmera e se meteu Brasil a dentro em busca de situações pictóricas. Era o melhor, sabia como fazer. Logo que viu, simpatizou com a antiga casa da velha freira e lá resolveu pernoitar, descobrindo a porta destrancada. O lugar renderia as melhores fotos, pensava. Ao redor espalham-se árvores e pedregulhos, e o município é um aglomerado de casinhas no vale abaixo.

No céu, um crepúsculo sublime, como se rasgassem uma bisnaga de cores quentes; essa luz singular deu azo à fotografia de uma velha caçarola apoiada num tronco.

Lá dentro, munido de uma lanterna, Capadócia logo foi capaz de encontrar tocos de vela e uma lamparina. As luzinhas mortiças deram contorno à mobília escassa, a antiqüíssimas teias e a um quadro da velha freira junto ao marido. Não se tratava de uma freira, evidentemente; enviuvara e, sozinha, fizera votos particulares para com Deus, manifestando-os num hábito de carmelita. Morrera há quinze, vinte anos.

Câmera em mãos, Paulo verificou sua última foto: que raios havia acontecido com a caçarola? Só o tronco aparecia no retrato, mas tinha uma panela no lugar, sem dúvidas! Meio confuso, esbarrou num objeto que caiu com estrondo metálico. Que o diabo o carregue, leitor, se não era uma caçarola! Pela janela, o fotógrafo nada via junto à arvore...

Dirigiu-se cambaleante para o quarto e se jogou sobre a cama de molas. Ao lado, uma cadeira de balanço.

A lua invadia o recinto. Paulo acordou escutando o ranger do assoalho e umas récitas sussuradas de Ave-Maria. É certo: algo ocupava a cadeira, que balanceava monotonamente. Aterrorizado, Capadócia era um bloco de mármore no escuro. Seja por um rombo na parede ou buraco no teto, uma ave entrou voando em direção à figura na cadeira e então mais nada se notou. Um profundo cansaço derrubou a onda de calafrios e o homem dormiu...

Amanheceu, um maldito galo cantou distante e, sobressaltado, Paulo despertou e recolheu suas coisas em dois segundos. Partiria sem demora. Que havia acontecido naquela noite? O mais real dos pesadelos? O fotógrafo já cruzava a porta quando, vencido, não resistiu a uma última olhadela. No fundo do quarto, sobre a cadeira de balanço, um pombo sufocado se debatia. Paulo resolveu voltar, mas a ave caiu antes e vinha trôpega, espalhando penas. Um terço de madeira confrangia terrivelmente o pombo, que alçava vôos miseráveis e quedava derrotado.

Paulo não poderia deixar de fotografar aquilo, uma cena violenta e memorável! Fê-lo e saiu para jamais voltar. Ao enviar a foto para o concurso, causou tremendo rebuliço.

TEMA - FANTASMAS

Marcel Sepúlveda
Enviado por Marcel Sepúlveda em 14/03/2019
Reeditado em 14/03/2019
Código do texto: T6597782
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