Não Brinque Com Os Mortos!
Rio Verde – Goiás
01 – 11 / Sábado
Marclei tomava banho para depois se arrumar e logo após ir à uma festa na casa de sua amiga, Luciene Miranda. Enquanto isso, seus dois melhores amigos ficam sentados no sofá de sua sala, conversando sobre o que fazer no domingo, já era sábado e eles precisavam saber para onde ir no dia seguinte – uma coisa era certa na vida daqueles rapazes, final de semana não foi feito para ficar em casa – não importava onde eles iriam, mas tinham que sair a qualquer custo.
—Tive uma ideia sobre o que fazermos amanhã – disse Vinícius, bem empolgado para seu amigo, Leandro.
—E o que seria? Achei que já tínhamos planos. Não iríamos na casa do Gino, pegar músicas novas que ele acabou de baixar? – responde, Leandro.
—Não. Vamos depois. Eu tive uma ideia melhor – Vinícius pausa e se ajeita no sofá, olha diretamente para Leandro, o mesmo observa atentamente. —Eu descobri uma casa assombrada, fica perto daqui e poderíamos ir de moto até o local.
Leandro abre um sorriso prazeroso como se aquilo fosse uma notícia boa, ambos eram apaixonados por coisas de terror.
Quando criança, Leandro morava em uma fazenda, curiosamente o local tinha sido construído em cima de um antigo cemitério, não demorou muito para que ele começasse a ver coisas estranhas. Seu maior temor foi ver seu primo correndo com o corpo encharcado de água, seria uma coisa normal se seu primo não tivesse morrido afogado dois dias antes. Pouco tempo depois do fato ocorrido, Leandro e sua família se mudou para a cidade, com o passar dos tempos ele começou a gostar de coisas sobrenaturais, seu gosto por lenda urbana se desenvolveu e o amor pelo sobrenatural o dominou por inteiro.
—Gostei disso cara, a gente podia ir até lá e tentar fazer algum desafio do medo. Pode ser dos 3 Reis, tabuleiro Ouija, por mim tanto faz – diz, Leandro.
Sem se conter de emoção pelas dicas de seu amigo, Vinícius já pulava empolgado no sofá, seus pensamentos se perdiam imaginando como seria.
Vinícius sempre acreditou em anjos e demônios, mas nunca escolheu um lado para seguir. Lúcifer ou Deus? Bem ou Mal? Escuridão na terra ou luz em algum lugar ilusório? Essas eram as perguntas que nunca o deixou em paz, ele nunca soube escolher a resposta, mas seguia acreditando que o mal existia, e que poderíamos esbarrar com ele algum dia.
—Nossa.. será muito foda! A gente podia comprar umas velas negras e vermelhas, espalhar por toda a casa, seria muito louco também – disse Vinícius.
—Já pensou se acontecer algo de verdade? – mesmo fazendo uma pergunta séria, Leandro não parava de sorrir, só o pensamento de invadir uma casa realmente assombrada lhe dava prazer, não diferentemente de Vinícius.
—Ou, Leandro. Aumenta o som fazendo favor – grita Marclei, de dentro do banheiro.
A música que tocava no momento era – Rock of Ages – Def Leppard – música favorita de Marclei.
Leandro procura o controle do som, até conseguir encontrá-lo em baixo das almofadas Belchior Havana, que sua mãe alegremente ganhou de presente de aniversário. Após elevar o volume do som, Leandro, volta a olhar para Vinícius, e lhe faz novamente a mesma pergunta.
—Ou, e se acontecer algo de verdade? Vamos fazer o que?
—Sair correndo que nem loucos – reponde Vinícius, sorrindo muito, como sempre. Leandro sorri também, logo os dois começam a fazer piadas sobre possíveis coisas que poderiam acontecer.
—Seria engraçado se um espírito aparecesse, aposto que o “Suco” ia tremer de medo e mijar nas calças.
Vinícius abria seu sorriso de orelha a orelha ao falar de seu amigo Marclei, que gentilmente foi apelidado por Leandro de Suco. Tudo aconteceu em uma brincadeira, quando Leandro sugeriu que Marclei tomasse uma dose de whisky, ele rejeita dizendo que só tomava bebidas fortes. Leandro pensou – bebidas mais fortes que whisky? Ele deve mesmo gostar de álcool – mas Marclei só estava brincando, e quando respondeu qual era a bebida forte que gostava de beber, ele respondeu com um simples sorriso e uma voz suave, “Suco de Laranja”. Desde então, Leandro só o chama de Suco, e ao passar dos dias, seus outros amigos também só o reconhecem pelo mesmo nome.
—Não sei se o Suco tremeria de medo assim não, mas, aposto que correria feito louco, sim. - disse Leandro ao se levantar, depois caminha em direção do portão de saída, sua intenção era observar o movimento do lado de fora, quem ia e quem vinha à todo momento nas ruas quase sem vidas da Vila Amália.
—Do que vocês estão falando? – pergunta Marclei para Vinícius, o mesmo ficou postado em seu lugar o tempo todo.
Seus braços se erguem rumo ao corpo de Marclei, leves tapinhas são dados em seu ombro, enquanto ele zombava de sua cara.
—Estava dizendo que você morreria de medo se encontrasse com um espírito, e ainda mijaria na roupa com o susto.
Sorriso de ambos são demostrados ao final da frase.
—Que eu saiba não sou eu que tem um histórico de chorar... – Marclei lança um olhar desafiador e continua. —Quer que eu comece a dizer suas bobeiras quando fica bêbado?
O sorriso de Vinícius é cessado de imediato, sua alegria logo se acaba, o deixando totalmente sem graça.
—Não precisava apelar, seu besta.
Todos começam a sorrir novamente, o momento da zoeira não deixava de ser engraçados para os rapazes.
—Vamos logo para a festa, se não, vamos nos atrasar. Amanhã a gente vai até essa casa e vemos o que fazer no local – diz Leandro, já saindo pelo portão.
Todos partem rumo a festa, mas ansiosos pra chegar logo o dia de invadir a casa assombrada.
02 – 11 / Domingo
Em pleno dia dos finados, os três amigos não se deram o luxo de não ir até a casa assombrada, como se não fosse suficiente somente eles invadiram o lugar, ainda chamam mais um amigo, Gino. Que assim que recebeu o convite, não aceitou de primeiro momento, mas depois de muita insistência, o interesse nasceu em sua mente, fazendo com que ele aceitasse ir junto.
Sendo assim, todos os quatro pegam a rodovia em direção à casa. Não demorou muito para chegarem em seu destino, por volta das 23h30 eles haviam chegado. Ficaram parados em frente à casa, somente a observando pelo lado de fora. Aparentemente aquilo estava aos pedaços, uma casa antiga de madeira, as paredes estavam quase todas desabando, o teto não demostrava resistência.
—Essa casa está caindo aos pedaços pelo lado de fora, vocês já imaginaram o estado que deve estar pelo lado de dentro? – Gino, da uma pausa e observa atentamente para ao redor da mesma. —Não sei como vocês encontraram essa casa, mas algo abandonado no meio do nada sempre é ruim.
O local era isolado de tudo, só havia mato, árvores e montanhas, para regressar até a rodovia, eles teriam que andar 11km por estradas de terra, naquela escuridão dominante, não seria uma boa ideia regressar.
—Relaxa, Gino. Meu amigo que me contou sobre o lugar, mas logicamente ele estava mentindo, tentando me assustar, não deve ter nada demais aqui – Vinícius dizia como se aquilo não tivesse importância, porém seu corpo tremia por si só.
—E o que ele te disse sobre a casa? – pergunta Marclei.
—Que há uns 30 anos, uma menina de 11 anos ficou possuída e matou os pais e o irmão de 2 anos. Depois disso ela deu um tiro na própria cabeça com a arma do pai.
—Tá bom, galera! Já ficamos de conversa demais e ainda nem entramos na casa, eu não cheguei até aqui para voltarmos sem ter feito nada – Leandro encorajava seus amigos, logo após, todos ficaram empolgados novamente.
Entrando na casa já podia se notar que havia manchas de sangue por certas partes do chão, janelas quebradas e com o passar do vento soava um som agudo e apavorante, se do lado de fora a casa estava ruim, do lado de dentro a destruição tomava conta de tudo. Restantes de móveis mofados e destruídos por cupim, telhas de aranha em todos os cantos da parede, ratos emergiam dos buracos no piso, iluminação somente por base de lanternas e velas.
Todos começam a arrumar o cômodo da sala, será ali o lugar que todas as brincadeiras com espíritos será feita, Vinícius coloca as músicas de seu celular para tocar, a primeira música era, Hellraiser – Motorhead.
Enquanto organizavam o local, eles também entornavam uma garrafa de uísque, White Horse. Gino era o único que não bebia, mas os outros três estavam no fim da garrafa em menos de 15 minutos, Leandro vai até sua mochila e retira as velas negras e vermelhas, ambos os quatro compraram antes de partir rumo a casa. Duas velas vermelhas e duas negras em cada canto, o uísque estava na última dose, Marclei então, retira outra garrafa de sua mochila, um Natu Nobilis, que ambos apreciariam em instantes.
—Pronto! Agora vamos fazer qual tipo de brincadeira primeiro? – Vinícius perguntava com um sorriso no rosto.
Leandro retira um tabuleiro ouija de sua mochila e estende sobre o chão.
—De cara o tabuleiro ouija, está ficando interessante isso aqui.
Marclei tremia por dentro, mas não de medo, era pura emoção, ele nunca tinha feito nada parecido antes, agora estava fazendo em uma casa que possivelmente era assombrada de verdade, bêbado ainda, nada daquilo fazia parte de sua rotina de vida, o sabor do desafio era maior.
Os quatro se reúnem em volta do tabuleiro ouija, cada um com uma vela postada no chão, à menos de um metro atrás de seus corpos, a casa já estava totalmente tampada com panos e cortinas, somente as velas davam iluminação para o ambiente. Leandro entorna mais um pouco de uísque – diretamente da garrafa como sempre – todos os celulares são desligados e o silêncio predominava. Todos dão as mãos uns aos outros, Leandro começa a fazer uma oração seguido por todos, no momento exato que começam a orar, um vento fraco, porém intenso e frio passa por seus corpos lhes causando arrepios, dava para se ouvir as gotas de chuva caindo sobre a casa, um pequeno chuvisco que logo se torna uma chuva forte e incessante, mas nada que tirasse a vontade de continuar com aquilo tudo. Todos colocam o dedo indicador sobre o copo que estava no meio do tabuleiro ouija, com muita apreensão, Leandro faz a primeira pergunta.
—Tem algum espírito presente nessa casa?
Ambos ficam atentos e observando para o centro do tabuleiro, seus dedos imoveis sobre o copo já começavam a soar. Alguns minutos depois o copo começa a se mexer, se arrastando sozinho para o lado, parando em cima da palavra, SIM.
—Eu não to mexendo – diz Marclei, assustado com fato.
—Também não sou eu! – afirma Gino, olhando seriamente para os outros.
—Nem eu... é você, Leandro? – pergunta Vinícius com um olhar amedrontado.
—Não gente. Eu estou tão quieto quanto vocês. O copo está mexendo sozinho.
Nenhum deles queria acreditar que o copo estava se movendo sem ninguém controlá-lo, mas era a pura verdade. A apreensão dominava-os. Cautelosos com os próximos passos, dão seguimento ao jogo.
—Temos que continuar agora. Vamos fazer somente perguntas objetivas, sem qualquer tipo de piada.
Leandro controlava todos os passos do jogo, tentava manter todos calmos, mas nem ele estava tão tranquilo assim, seus pensamentos estavam tão confusos quanto ao dos outros.
A próxima pergunta é feita sob barulhos de trovões e relâmpagos.
—Qual é seu nome?
Lentamente o copo se arrastava para as letras A, logo seguida N, por último, novamente a letra A. Formando o nome Ana.
Os relâmpagos não parava de assustá-los, deixando-os mais tensos ainda. Mais 3 perguntas são feitas e todas respondidas.
—Espera ai gente. – Gino olha para todos, o medo dominava seu olhar. — Qual o nome da menina que morreu nessa casa? Vai que estamos falando com ela.
—Eu não lembro o nome, mas se for ela, qual o problema? – Vinícius não fazia ideia das palavras que pronunciava.
Leandro o retruca rapidamente.
—Acorda cara!! A menina matou todo mundo e se matou. Se estivermos falando com ela, estaremos em apuros. Ela é um espírito ruim.
—Então vamos parar de brincar. Vai dá merda. – diz Marclei.
—Concordo! Pede para sair do jogo, Leandro. – afirma Gino, preocupado com a situação que eles acabaram de entrar.
Leandro, seguindo o pedido de Gino, pede para sair do jogo, mas o copo segue para a resposta, NÃO. Vendo que eles não conseguiram sair, Leandro pergunta se o espírito presente é o da menina que se matou.
O copo se mexe para as seguintes letras.
N, A, O, M, E, M, A, T, E, I.
Sem medo de perguntar, Leandro continua a questioná-la. Dessa vez ele pergunta se ela foi assassinada. Antes do copo começar a se movimentar, uma corrente de ar passa dentre os cômodos da casa, apagando todas as velas acessas do ambiente, somente os clarões dos relâmpagos fazem com que a casa tenha segundos de iluminação. Vinícius se levanta para pegar o isqueiro e acender as velas novamente, mas.. esse foi o maior erro de todos. Assim que se levanta, seus olhos se viram, deixando-os completamente brancos, seu corpo fica fraco fazendo-o cair para frente.
Todos levantam rápido em direção de seu amigo gritando seu nome, seguido de frases para saber se ele está bem. Tudo em vão, ele já estava desmaiado.
A chuva fortifica ainda mais, trovões ficam mais alto. O copo começa a se movimentar para todas as letras aleatoriamente, sem ninguém triscar um único dedo se quer sobre o mesmo. De repente com uma força extrema o copo é arremessado no corpo de Leandro, quebrando em suas costas. Gotas de sangue escorrem de sua blusa, segundos depois de ser atingido. O desespero toma conta de geral, Gino sugere que peguem Vinícius e voltem à cidade.
Marclei e Gino carregam Vinícius em seus braços, o arrastando pelos cômodos sujos e podres. Leandro tenta abrir a porta, porém não consegue, algo não queria deixá-los irem embora. Gino e Marclei começam a dar voadoras na porta, tentativa que funciona perfeitamente. Logo em seguida, Leandro toma Vinícius em seus braços e o carrega apoiando em seu ombro, enquanto isso, Marclei e Gino buscam as motos. A chuva fazia com que tudo pelo caminho ficasse enlameado, tornando ainda mais difícil a fuga.
Vinícius acorda atordoado, com muito esforço eles conseguem subir nas motos, mas assim que começam a dirigir, um raio caí poucos metros à frente. O susto derruba todos das motos, Vinícius começa a delirar, dizendo – ela vai matar todos nós – Leandro também dizia ver uma mancha escura, parecido com um corpo de uma mulher caminhando atrás deles pela estrada enlameada, vindo em sua direção. Ninguém quis ficar para ver se era verdade ou não, subiram rapidamente nas motos e tornaram a seguir em frente, poucos quilômetros depois, antes mesmo de sair da estrada de terra, Vinícius encosta a moto no canto da estrada, desce e começa a caminhar de volta rumo a casa, Gino encosta também. Marclei, Leandro e Gino começam a andar até Vinícius, pergunta o que está acontecendo e por que ele parou daquele jeito para simplesmente voltar.
Vinícius não responde, continua caminhando como se não estivesse acontecendo nada, Leandro puxa seu braço e começa a dar tapas em seu rosto, tentando fazê-lo acordar e voltar a si. Nada parecia funcionar, os três resolvem segurá-lo, começam a puxá-lo de volta para as motos, parecia impossível, mas ele nem se mexia, sua força era tão monstruosa que causava pânico em seus amigos. Leandro solta o braço de seu amigo e fica parado em silêncio.
Gino olha para ele e pergunta.
—O que foi?
—Tem algo no corpo do Vinícius! É melhor vocês soltarem ele.
—Como assim? – pergunta Marclei.
—Não sei explicar direito, só sei que tem uma sombra sinistra em volta do corpo dele.
—Você está me assustando, Leandro... melhor parar com isso.
—Eu estou falando sério.
Gino e Marclei soltam seu amigo, e ele retorna a caminhar em direção da casa que acabaram de fugir, eles ficam sem saber o que fazer, até que do nada, Vinícius desmaia novamente, aproveitando que talvez essa seja a única chance de fugir, eles arrastam Vinícius para as motos e o carregam com o máximo de cuidado possível, seus braços são amarrados no corpo do Marclei, o mesmo o carrega para não cair. Ao conseguirem chegar na rodovia, a velocidade das duas motos elevam o permitido, no entanto, isso era o que menos importava naquele momento. De repente, Vinícius acorda gritando, NÃO, isso desequilibra Marclei da moto, fazendo-o se chocar com a moto que estava Gino e Leandro. Ambos capotam várias vezes no asfalto molhado e pontiagudo.
Marclei, com o choque contra o chão acaba quebrando o pescoço.
Gino, quebra vários ossos ao se chocar no meio-fio e desmaia com a dor.
Leandro, quebra o braço direito e sofre fraturas nas pernas e no tórax, mas nada tão grave.
Vinícius, capota até cair no meio do mato.
Leandro se levanta e tenta ajudar seus amigos, ao ver que um está morto e o outro possivelmente também, ele vai atrás do corpo de seu amigo Vinícius, depois de procurá-lo por algum tempo e não conseguir achá-lo, ele volta para a rodovia e desmaia ao lado do corpo do Gino.
No dia seguinte, Gino acorda de cadeiras de rodas, sua mãe caminha até ele e diz que o corpo do Vinícius foi encontrado sem vida na casa que eles estavam. Marclei morreu no acidente de moto, e por fim. Leandro foi internado numa clínica de psiquiatria em Goiânia. Gino abaixa a cabeça se lamentando por todos eles, suas lágrimas descem pelo seu rosto, vagarosamente uma voz soa em sua cabeça.
Não brinque com os mortos!