O ESPELHO DO PORÃO parte 3

PRIMEIRO REFLEXO

No dia seguinte, os amigos se encontram após a aula para falar sobre se reunirem na casa de Elizabeth para pesquisa. Tomás, Douglas e Adriana não puderam ir por motivos diversos. Apenas Renata se prontificou. Deram a ideia de marcar para outro dia, um que todos pudessem participar, mas Renata insistiu em visitar a casa da amiga, já que nunca foram convidados para lá.

- Vai ser ótimo, amiga! Você vai amar minha casa. – disse Elizabeth.

-Mal posso esperar, Beth.- respondeu Renata, entusiasmada. - Eu serei a primeira a desbravar seu quarto antes de todas as outras meninas.

Ao se despedirem, Tomás foi até a moça e lhe pediu desculpas, mesmo que em sua mente ele não tivesse feito nada de errado. Subitamente, ele ganhou um beijo em seus lábios.

- B.. Be... Bet... Beth... Eu...

- Perdoado, bobinho.

O grupo todo ficou atônito com a cena e, entre rostos que coraram e olhares para o chão, eles se despedem sem mencionar muito o ocorrido.

- Amiga – disse Renata – depois das 18h?

- Isso. Te aguardo lá. Deixa que eu mesma pago seu táxi.

Renata despontava na estrada, onde foi rapidamente atendida pela amiga que a esperava ansiosamente. Após pagar seu táxi, elas foram entrando no pequeno sítio.

-Menina, aqui pega internet?

- Vem – disse sem dar muita atenção à pergunta da amiga – quero te mostrar minha casa. Ah, não ligue se não vir meus pais hoje, está bem?

A entrada da casa era repleta de velas, candeeiros e lampiões, que davam um tom forte às sombras onde as luzes não batiam. Renata percebeu que a casa estava muito silenciosa e sentiu um pequeno desconforto.

A amiga olhou fixo nos olhos dela e, com um sorriso levemente ameaçador, disse:

- Quer ver meu quarto, Rê?

- Ora... Vamos né... Foi pra isso que vim.

Enquanto subiam as escadas, Renata pensava na matéria complexa que precisava estudar e, ao mesmo tempo, absorta com os corredores daquela casa, onde não havia tapete vermelho, o que tirava o aspecto de hotel, mas não removia de sua mente o símbolo assombroso de casa mal assombrada.

- Beth, você nunca nos falou de sua família, de sua casa... Você sempre foi muito reservada quanto a isso. Sinto-me privilegiada de ser a primeira a entrar aqui e...

- Miga! Você já olhou muito tempo pra um espelho? – interrompeu solenemente.

- Já, Beth. É óbvio. Quem nunca se olhou num espelho?

- Mas... – de costas pra Renata, o dialogo prosseguiu –... Já ficou por mais de 5 minutos se olhando no espelho num ambiente fechado e à noite?

Renata imediatamente se perturba com a conversa:

- Amiga? Do que está falando? Você tá bem?

Ela se vira para Renata com uma expressão triste:

- Me sinto só... Me dá um abraço?

Renata abraçou a amiga, que a apertava forte em sua caixa torácica, sentindo suas mãos suarem.

- Desculpe. É que meus pais enfiavam muita coisa na nossa cabeça quando pequena. Vem, quero te mostrar meu quarto.

Elas adentram o quarto, e Renata se jogou na cama grande que havia naquele espaço enorme.

- Mulher, isso é que é vida! Olha, antes que esqueça, eu trouxe os livros pra pesquisarmos, porque vai que não pega internet aqui, né – brincou a amiga.

- Ai que bom. Fica pesquisando aí rapidinho que eu vou preparar alguma coisa pra nós duas comermos.

- Eu vou ficar sozinha aqui?

- Você não está só. Estamos nós duas na casa, ué. – ela fecha a porta e Renata ouve a passar pelo corredor cantando.

Renata sempre foi aplicada aos estudos. O Transtorno Dissociativo de Personalidade foi a matéria que mais chamou sua atenção. Como era possível que uma pessoa tivesse mais de uma identidade ao mesmo tempo? O que gerava essas possibilidades? Quais traumas?

Renata percebeu que no quarto de Elizabeth tinha um espelho no seu guarda-roupa. Ela foi se aproximando lentamente e ficou vendo as maquiagens e algumas coisas bagunçadas de Beth, inclusive fotos com os pais. Podia ver o brilho do seu sorriso em cada uma.

No guarda roupa, uma gaveta com cadeado. Renata se perguntou o que seria. Então, com base nas tantas ideias malucas da amiga, decidiu ficar olhando o espelho. Não tinha nada de mais.

Penteou seus cabelos, tirou uma espinha ou outra, e ficou se admirando diante de seu reflexo juvenil.

De repente, percebeu que o espelho tinha uma moldura frouxa. Quando tocara na moldura, Elizabeth já estava atrás dela, sem que ela percebesse, com um olhar tenso e um sorriso nos lábio. Seus cabelos cacheados caídos no ombro e dois lanches num prato.

- Menina, que susto! Você tem algodão nos pés? Nem percebi que você chegou!

- Eu sei – sorriu – você encontrou alguma coisa de interessante nos livros?

As duas foram até a grande cama de Beth e continuaram a pesquisa. Renata, enquanto explicava o que havia entendido da matéria para a amiga, não deixava de reparar que, de vez em quando, a moça olhava de canto de olho para o espelho do guarda-roupa com um ar de incômodo...

Continua...

Leandro Severo da Silva e Mariel F. Santolia (revisão e edição)
Enviado por Leandro Severo da Silva em 07/03/2019
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