UM TESOURO MALDITO

Pedrão era um sujeito extremamente infeliz que vivia se queixando da má sorte que tinha na vida. Nada dava certo para ele.Desde pequeno acostumou-se a ver os outros se darem bem e ele sempre se ferrando. Todo mundo arranjava namorada bonita, ele não. As meninas o tratavam com indiferença e raramente olhavam para ele. Quando faziam, dava para notar que era com desprezo e certo desagrado, que alguém poderia interpretar até como nojo. Se alguém dissesse para o João que isso era conseqüência do fato de ele andar sempre desarrumado e sujo, ele se aborrecia e ficava até agressivo. Dizia que as garotas eram umas vadias que só se interessavam por rapazes cheios da grana e ele, como era pobre, não tinha nada para oferecer a elas. Assim, viveu uma infância solitária, uma adolescência sem muitos amigos e uma juventude obscura e sem esperança de um futuro mais promissor.
Quando chegou o tempo de procurar emprego foi a mesma coisa. Todos os colegas conseguiram entrar para o mercado de trabalho, e depois de algum tempo, a maioria já havia se tornado profissional em algum ofício ou até mesmo montara empresa própria. Ele não. Empregou-se no comércio, na industria, tentou aprender uma profissão na área de serviços, como barbeiro primeiro e depois como marceneiro, mas nunca passou de aprendiz. Em todas essas tentativas, depois de um, ou no máximo dois anos, desistia, dizendo que não tinha jeito para a coisa. Por fim, acabou mesmo ganhando a vida como servente de pedreiro, trabalhando como um cavalo velho(como ele dizia) para ganhar cem paus no fim da semana, dinheiro esse que gastava no bar da esquina, tomando tudo em cachaça.
Seus colegas, que tinham se dado bem na vida, haviam estudado. Alguns fizeram cursos noturnos, ou então tinham se tornado práticos em alguma profissão. Quando perguntavam ao Pedrão porque ele não fazia isso também, ele dava de ombros e dizia que isso não ia adiantar nada porque ele não tinha sorte na vida. Invejava e odiava todo mundo. Por que os outros haviam conseguido e ele não. Por fim, cansado daquela vida sem esperança, tornou-se, primeiro batedor de carteiras, depois ladrão de residências e por fim assaltante de postos de gasolina. Acabou até matando uma vítima que um dia resistiu à uma tentativa de assalto.
 
No entanto, tinha sonhos de ser um homem feliz. As duas coisas que mais desejava na vida era ficar rico e ter uma mulher muito bonita, com quem pudesse constituir uma família. Mas achava que a segunda coisa só aconteceria se ele, um dia, conseguisse a primeira. Por isso roubava e a cada dia se tornava um indivíduo mais perigoso.
Uma noite ele teve um sonho. Sonhou que em determinado lugar, lá no alto da serra que ele podia avistar no horizonte, havia uma caverna, que ficava em baixo de uma linda cachoeira. Nessa caverna um riquíssimo tesouro havia sido escondido há muitos séculos atrás por um bando de piratas. E quem o achasse seria o seu dono. 
No começo Pedrão não ligou muito para o sonho. Ele não era de acreditar nessas coisas. Para ele, sonhos eram fantasias que a mente do homem criava para enganar a realidade triste e desconfortável da vida. Pessoas felizes não sonham, dizia ele. Elas vivem na realidade aquilo que aos infelizes só acontece em sonhos.
Mas aquele sonho que ele tinha com o tesouro se tornara intermitente. Era toda noite a mesma coisa.  E cada vez mais nítido e mais detalhado. Dava até para contar o número incalculável de moedas de ouro que tilintavam perante seus olhos, com um fulgor que chegava até a cegar. Um dos sonhos mostrava inclusive o caminho para a caverna. Nítido, seguro, sem perigo de errar. E uma voz até o advertia para não acreditar nas pessoas que iria encontrar pelo caminho, porque elas iam dizer para ele que aquele sonho era besteira. E alguns iriam até tentar impedi-lo de chegar ao tesouro.
O sonho se repetiu tanto, que, um dia, Pedrão se convenceu de que era um anjo que estava lhe falando durante o sono. Ele, que sempre se queixara da má sorte, estava agora tendo a chance de mudá-la. Era só ter fé e disposição para chegar até a tal caverna.
Assim pensando, tomou coragem e pôs-se a caminho. Embora o sonho fosse nítido e mostrasse com clareza o lugar onde estaria o tesouro, a tal caverna não parecia ser muito perto. Seriam vários dias de caminhada, tendo que atravessar inclusive uma floresta, pois, ao que parecia, a caverna ficava no alto de uma serra, bem distante do lugar onde ele morava.
Depois de caminhar por várias semanas, Pedrão, bastante cansado, com sede e com fome, parou em uma casinha, á margem da estrada. Uma moça, de deslumbrante beleza,  o recebeu. Era a garota mais bonita que ele jamais vira.  Pedrão imediatamente encantou-se com ela. E ela foi extremamente gentil e hospitaleira com ele. Hospedou-o, cuidou dele, deu-lhe água, comida e uma boa cama para descansar. E ao fim de três dias hospedado na casa da garota, Pedrão estava perdidamente apaixonado por ela e ela por ela. Ela, então lhe propôs que ficasse morando lá, que se tornasse seu marido, se ele quisesse. Pois ela tinha muitas terras e muitos bens. Seus pais haviam morrido e ela estava se sentindo muito sozinha. Não podia cuidar de tantos bens sozinha.
“ Se trabalharmos juntos”, disse a moça, “poderemos ficar muito ricos.” 
Pedrão olhou pela janela e viu a enorme extensão de terra que tinha a fazenda. E viu também o enorme rebanho de gado que pastava nos imensos pastos que se perdiam de vista. Pensou no enorme trabalho que teria para agricultar toda aquela terra e cuidar de todo aquele gado. De repente, sentiu-se cansado e impotente.
“ Eu não posso ficar com essa garota agora ”, pensou. “Primeiro tenho que achar a caverna dos meus sonhos”.
E sem se importar com as súplicas, os argumentos e nem mesmo com as lágrimas da moça, pegou suas coisas e partiu, deixando a jovem desconsolada.
Depois de caminhar mais duas semanas, Pedrão chegou em outra fazenda, onde avistou uma grande casa, em meio a uma enorme plantação. Parecia ser uma fazenda muito rica. Havia um enorme rebanho de bois no pasto, que devia valer uma fortuna. Mas ele não viu viva alma naquela fazenda. Nem os donos, nem nenhum empregado. A fazenda aparentava estar completamente vazia e abandonada. Caminhou até a enorme varanda da casa principal, bateu na porta e ouviu, lá dentro, uma voz que pediu para ele entrar. A voz parecia sair de um quarto, situado no andar de cima. A porta estava destrancada. Estranhou não encontrar ninguém para recebê-lo. Só aquela voz, que pedia para ele ir subir até o quarto.
Embora desconfiado e com receio, ele subiu até o quarto e lá encontrou um homem muito velho, deitado em uma cama, sorrindo para ele, com o resto das forças que parecia ainda haver nos músculos do rosto.
“ Que bom que você apareceu, meu jovem”, disse o velho, com um fio de voz.
“O que houve aqui?” perguntou Pedrão. “ Porque não há ninguém nesta fazenda?”
“ Foi uma epidemia de cólera, meu filho. Ela matou cinco pessoas em uma semana e todo mundo ficou com medo e fugiu.”
“E o senhor, porque ficou? Não tem medo da epidemia?”
“ Eu estou muito velho, meu filho. Vou morrer de qualquer jeito. E depois eu sou o dono desta fazenda. Não tenho filhos, nem parentes, nem ninguém que possa tocar isso para mim. A epidemia já passou, já não há mais nenhum foco da doença, mas as pessoas tem medo e não querem voltar. “
Pedrão ficou três dias na fazenda, cuidando do velho. Ao fim desses três dias o velho morreu, mas antes de morrer chamou-o para perto de si e perguntou-lhe se queria ser seu herdeiro. A fazenda era rica, mas ele teria que trabalhar bastante para recuperá-la. Havia muitas coisas para serem feitas. Recontratar trabalhadores, recuperar clientes e fornecedores, replantar o pasto, cultivar as terras, enfim, um trabalho de administração e esforço físico bastante intenso.
Pedrão pensou no trabalho que iria ter e ficou cansado de repente.
“Não posso ficar com esta fazenda”, pensou. “Tenho que correr atrás do meu sonho”. E assim pensando, ele disse não ao fazendeiro, e saiu, poucos minutos antes de ele render o espírito.
Depois de mais de um mês de caminhada, Pedrão chegou enfim á cachoeira dos seus sonhos. Era uma visão maravilhosa. A água descia de uma vertiginosa altura, em lindos feixes dourados, que reverberavam ao sol. Um arco-íris de deslumbrante beleza curvava-se sobre o espelho d’água, como se fosse um mítico animal, matando sua insaciável sede.
Na base da cachoeira, ele avistou o que parecia ser uma caverna. De roupa e tudo, com o coração quase a sair pela boca de ansiedade, nadou até a entrada. Depois de passar por uma espécie de antecâmara, avistou uma enorme porta de madeira, que deixava entrever, por entre suas frestas, uma réstia de dourada luz.
“ É ali que deve estar o tesouro”, pensou Pedrão. E encaminhou-se para ela. Ao colocar a mão na pesada maçaneta, seus olhos caíram sobre os dizeres que encimavam o umbral. “Quem daqui passar, seu destino encontrará”, dizia o letreiro escrito em severas letras góticas.
Pedrão girou a maçaneta. Ao fazê-lo pensou na moça linda e generosa que deixou em lágrimas, naquela bela fazenda. Ouviu novamente todos os argumentos dela. "Sonhos eram besteira. Ilusões que a mente cria" disse ela. O velho moribundo que encontrara na outra fazenda também dissera a mesma coisa. E ele lembrou-se também que a a voz do sonho o advertira de que pessoas tentariam demovê-lo de encontrar o seu tesouro. Mas era verdade. O tesouro existia e ele estava a ponto de encontrá-lo. Com o tesouro dos seus sonhos nas mãos, ele poderia voltar e desposar aquela linda garota. Arrendaria as terras dela e não precisariam trabalhar para mantê-la. Pensou também no velho fazendeiro que lhe oferecera a herança. Poderia arrematar a fazenda e arrendá-la também. Pensou em quão feliz seria com toda aquela fortuna. Não precisaria mais viver do crime.
Mas quando entrou dentro daquele enorme salão, viu que ali não havia absolutamente nada. Apenas uma única lâmpada amarela, acesa, bem no meio dele. Era dela que vinha a réstia de luz dourada.
E então ele ouviu uma voz que dizia. “Você veio, você é finalmente meu.”
Pedrão imediatamente reconheceu a voz. Era a mesma que lhe falava em sonhos. Mas ela não tinha mais aquele tom melodioso e gentil que tanto o encantava. Ela agora o assustava. Era uma voz cavernosa, que emitia um som sinistro, sibilante, que parecia sair da garganta de um ser horripilante. Seus cabelos ficaram em pé. Um arrepio percorreu toda sua espinha, desde o alto do couro cabeludo até a planta dos pés.
Imediatamente percebeu que havia caído em uma armadilha. Correu para a porta. Tentou abri-la, mas ela estava trancada. Foram inúteis seus esforços para escapar. Uma gargalhada diabólica encheu os condutos do seu ouvido enquanto sentia sua alma sendo arrancada do corpo com a violência de uma força irresistível.
                                                                                   
“Nunca pensei que a fada da sorte fosse assim tão feia”, balbuciou Pedrão, ao ver ao ver a monstruosidade da figura sombria que puxava sua alma para fora do corpo, como se ela estivesse amarrada em um barbante. 
“A fada da sorte não está aqui”, respondeu a monstruosidade, rindo diabolicamente “Você passou por ela duas vezes e não a reconheceu. Os seus olhos e a sua mente estavam tão contaminados pela cobiça que você não foi capaz de vê-la em sua verdadeira forma. Seja bem-vindo ao meu reino. Para cá vem, cedo ou tarde, todos os preguiçosos, todos os invejosos, todos os que odeiam, todos os criminosos, todos os vagabundos que se deixam levar pela ilusão da vida fácil.”
A gargalhada da monstruosidade, arrastando sua alma para um poço de trevas e horrores sem fim foi a última coisa que Pedrão ouviu antes de todas as luzes se apagarem em sua mente.