Paranóia
—Preciso falar com você, Ivan – uma voz suave e contida, diz do outro lado da linha telefônica. —Eu estou com medo. Talvez seja só coisa da minha imaginação, mas acho pouco provável que seja somente isso.
—Tranquilo, Reinaldo. Daqui a pouco eu passo na sua casa para conversamos.
—Não. Acho melhor eu ir na sua. Me espera na porta que eu já estou indo.
—Tudo bem.
Reinaldo estava assustado, com medo de tudo o que via ao seu redor, qualquer coisa era suficiente para fazê-lo tremer de pavor, não era para menos, depois de tudo que ele passou na noite anterior, não tinha como não sentir medo. Uma coisa como aquela, deixaria muitos à beira da loucura rapidamente.
Ivan é o melhor amigo de Reinaldo, sempre que se encontravam em situações problemáticas, o outro aparecia para ajudar a resolver. Ambos gostavam muito de contar histórias de terror. Esse era o passatempo predileto dos dois.
Sempre ao cair da noite, eles se juntavam em frente a casa de Reinaldo, sentavam na calçada, apreciando a expansão do céu, olhavam para as estrelas pensando que cada uma simbolizava uma pessoa morta, cada estrela era a alma de alguém iluminando os que ainda respiravam aqui em baixo.
A rua da casa do Reinaldo era pouco movimentada, depois das 22h00 quase não se via ninguém transitando no bairro – poderia ser o medo de ser assaltado que faziam com que ninguém andasse por ali durante a noite – talvez seja isso, quem sabe. O aumento de usuários de drogas só elevaria com o tempo.
Ivan, era um dos poucos que ainda andava por aquelas ruas sem se importar com nada, ele gostava tanto de histórias de terror, que muitas vezes procurava lugares assombrados para ir – talvez um dia ele acabe vendo um espírito de verdade – essa era sua intenção, coisa de pessoas malucas, é claro, mas ele não estava longe de ser um louco. Seu melhor amigo, sempre o acompanhava nessas infiltrações em lugares assombrados, porém, nunca nenhum deles conseguiu ver realmente alguma coisa sobrenatural, pelo menos até agora.
Quando eles notavam que a maioria dos moradores do bairro já estavam em suas casas, dormindo, as histórias começavam a ser contadas, isso era sempre depois da meia-noite, as ruas ficavam vazias e o silêncio dominava o ambiente por completo, essa era a hora perfeita para começar suas histórias.
—Cara, você nem vai acreditar no aconteceu comigo ontem – dizia Ivan, meio receoso, olhando para o céu e relembrando pelo que passou. —Eu sinto até vergonha de dizer, mas eu senti medo, e não consegui dormir mais.
—Porra! Deve ter sido foda então – Reinaldo demostrava um semblante espantoso, ele nunca tinha visto seu amigo com medo. —O que foi que aconteceu?
—Não tenho certeza, mas acho que era umas quatro e pouco da manhã, eu tinha acabado de assistir Mercy, um filme de terror baseado em um conto do Stephen King, durante o filme eu ficava alucinando, imaginava toda hora uma mulher de vestido branco, com várias manchas de sangue espalhada por ele, seu cabelo era liso e cumprido, caído em frente seu ombro, olhos arregalados com esclerótica dominando por inteiro toda a íris e a pupila, fazendo somente união com vasos sanguíneos que parecia nervos pulando para fora da pele, eu via ela andando para lá e para cá à todo momento, é claro que não me importei com aquilo, porque era só besteira da minha mente, eu estava vendo filme de terror, então é bastante razoável eu ficar alucinando dessa forma, mesmo assim, eu estava muito incomodado, e teve uma hora que... Eu imaginei ela correndo para cima de mim e me atacando. Meu corpo entrou em choque e um suor frio escorreu do meu rosto.
Reinaldo ficou assustado com as palavras de seu amigo, aquilo já estava tomando conta de seu subconsciente, sua mente viajava até a mulher de qual Ivan citava.
—Depois disso, eu terminei de ver o filme e fui deitar, quando coloquei minha cabeça no travesseiro, e fechei os olhos. Senti um veto forte passando por mim, era como se fosse uma presença me controlando, sem querer eu abri meus olhos e direcionei meu olhar para frente, onde fica uma cadeira na ponta da minha cama, e lá estava ela... A mulher que eu via em minhas alucinações. Ela estava sentada na cadeira, somente me olhando de uma forma maligna.
Ivan, fecha os olhos ao terminar de falar. Reinaldo olhava para ele e via seus braços tremendo, não tinha como Ivan estar mentido sobre tudo o que falava, suas atitudes demostravam medo e pavor, ao relembrar a cena a expressão de seu rosto era monótona, ele nem se quer movimentava seu corpo, desde quando começara a falar sobre o assunto ele permanecera quieto, somente olhando para o céu, seu corpo inclinado para trás, quase deitado sobre a calçada, seus braços apoiando-o sobre o chão, não deixando seu corpo encostar no concreto cheio de relevos e rachaduras, sua perna direita se estendia sobre a esquerda, cruzando-as esticadamente pelo asfalto.
—Nossa cara. Deve ter sido assustador passar por isso, tomara que não aconteça de novo. – Reinaldo falava calmamente, pensando em tudo que seu amigo passara.
—Pior que não foi só isso.
—Ainda tem mais?
—Eu estava tremendo tanto de medo, mas não fiz nada, porque eu tinha certeza que era só alucinação, eu estava com sono, e isso ajudou a ficar naquele estado psicológico. Simplesmente eu fechei os olhos e abri novamente, em questão de segundos ela sumiu, claro que fiquei cismado com isso, mas tentei ignorar. Peguei meu celular e meu fone de ouvido, coloquei para tocar Judas Rising do Judas Priest, queria ter escutado aquela música – Ivan fica em silêncio por alguns segundos, seu pescoço lentamente vai se dobrando para baixo até quase encostar seu queixo sobre o peito.
—O que eu ouvi não foi a música que selecionei, eu juro por tudo que eu escutei a voz de uma mulher dizendo: “Em breve você será meu”. Aquilo foi arrepiante. Eu tirei o fone na hora e joguei no chão, fiquei em choque por uns instantes, não conseguia mais ficar no quarto, muito menos ficar com a casa escura, você sabe que a minha casa é exageradamente escura, nem sei porque aquela merda é assim. Depois disso, eu fui jogar video-game para distrair a mente, ainda bem que deu um pouco certo, mas estou até agora sem dormir, não consegui pregar o olho depois de tudo isso.
—Nem sei o que dizer. – disse Reinaldo, chocado com a história contada.
—Só diz que eu estou louco e imaginando coisas.
Os dois se silenciaram por longos minutos, ficaram somente observando o céu e pensando em coisas pelas quais passaram, que nunca mais querem passar.
Já estava tarde, era por volta das uma e pouco da manhã quando Ivan resolve ir embora e seu amigo entrara para descansar.
Reinaldo não conseguia tirar da cabeça a história que Ivan contou. Aquilo ficava debatendo em sua mente. Antes de se deitar, ele começou a ficar paranoico, para todos os lugares que olhava, imaginava coisas, até mesmo o movimento de sua própria sombra fazia-o tremer de medo, ele não queria dormir de jeito nenhum, foi até a cozinha e preparara um café, logo em seguida, foi assistir o anime Akame Ga Kill, para distrair a mente, já eram quase duas e meia da manhã quando o sono veio e o pegou, não teve como resistir e ele acaba dormindo.
No dia seguinte, Reinaldo liga para Ivan, ele estava bastante abalado. Ivan não entendia o porquê daquilo.
Os dois se encontram na casa de Ivan e começaram a conversar.
—Você não vai acreditar no que aconteceu comigo ontem. – dizia Reinaldo, todo assustado, seu corpo tremia até o momento presente.
—Você também viu a mulher de minhas alucinações!?
—Quase isso.
—O que está havendo com a gente? – pergunta Ivan, todo estável. —Vamos ficar paranoicos desse jeito, na realidade já estamos né?
—Não sei. Mas o que aconteceu comigo foi tão real, eu nem posso acreditar em tudo isso. Não faz sentido algum.
O medo dominava as expressões de Reinaldo.
—Conta aí, o que houve?
—Tudo bem. Depois que você me disse sobre a mulher, não consegui tirar ela da cabeça. Você lembra que eu sempre brincava dizendo que queria ver um espírito algum dia?
Ivan responde que sim, gesticulando com a cabeça.
—Então. Ontem quando fui deitar, fiquei pensando nessa tal mulher, meu corpo tremia de medo, qualquer coisa que eu via imaginava que era ela se aproximando de mim, até minha sombra me dava medo. Fiz de tudo para não dormir, mas acabei ficando muito exausto e fui-me deitar, eu estava suando frio, mas não me descobri do cobertor. Meus olhos estavam arregalados, como se eu estivesse fissurado em algo, eles pareciam não querer fechar. Eu sentia uma presença no meu quarto, eu podia jurar que tinha uma sombra no canto do quarto, com o formato de um homem, o formato era perfeito, eu via até seus olhos que tinha a esclerótica totalmente escarlate. Ele não fazia nada além de me olhar, meu medo era tanto que nem consegui correr e fugir, simplesmente me cobri inteiramente com o cobertor e fechei os olhos, implorando para que nada acontecesse. Meu corpo ficou leve e eu acabei desmaiando. A maneira que acordei depois... Foi assustador para mim. Lembra em Supernatural, quando o Dean Winchester volta do inferno e o Castiel tenta se comunicar com ele? Lembra aquele som ensurdecedor que ele ouvia?
—Lembro sim – responde Ivan, escutando atentamente o desabafo de seu amigo.
—Eu ouvi um som parecido com aquele, parecia vários apitos ecoando dentro da minha cabeça, um mais alto do que o outro, eu acordei assustado, pulando da cama, na hora eu peguei meu celular, ia ligar para você, talvez conversar naquela hora poderia me fazer sentir melhor, afinal deveria ser alucinação, assim como a que você teve. Mas eu não conseguia controlar meu corpo direito, meus dedos não tinham forças para digitar um número se quer, fiquei apenas parado, olhando para a tela do celular que marcava 3h33. Justo às 3h33, quando tudo de mal acontece, dá para acreditar nessa merda?
—Acho melhor a gente parar de contar histórias de terror, pelo menos por um tempo, parar de invadir casas cuja dizem ser assombradas. Isso está acabando com nossa mente! – Afirma Ivan.
—Também acho. Mas eu ainda nem te contei tudo, eu ainda sofri mais um atentado paranormal depois disso tudo.
—Diz aí.
—Depois de tentar ligar para você e não ter conseguido, eu fui pegar meu notebook, para ver Akame Ga Kill novamente, me ajuda a tirar essas coisas da cabeça, só que eu nem consegui fazer isso. Meu quarto começou a ventar, não sei como, porque ele estava fechado, tinha trancado a janela, porque sempre que olhava para fora via a mulher que você me disse, ela ficava somente me observando, foi então que... Eu senti alguém respirando bem colado em meu ouvido, tentei me mexer, mas fiquei paralisado de novo, senti um calafrio tão intenso que até tremi de frio, aquela respiração se cessou, e em um nanossegundo eu ouvi uma voz rouca e forte dizendo: “Você não queria ver um espírito? Agora você verá”. Eu pude sentir até o vento saindo de sua boca e penetrando em meu ouvido. Me virei para a direção de onde vinha a voz e acabei vendo uma sombra num formato de um homem, caminhando e sucumbindo na escuridão. Arrepiei até o último fio de cabelo do meu corpo, meus olhos que já estavam arregalados de medo e atenção para qualquer coisa que aparecesse, ficaram mais atentos ainda, quase nem piscava diante a situação que me encontrava, assim que me recuperei do choque, saí correndo do quarto, deixei a luz da sala e da cozinha acesa, fiquei sentado no sofá olhando para frente, quanto menos sombra na casa tivesse, era melhor, depois só fui me movimentar quando minha mãe levantou para trabalhar, isso três horas depois.
—Caralho mano!! A gente está paranoico mesmo –Ivan, fica com um olhar vago e cabisbaixo. —Para falar a verdade, eu ando tendo visões com a mesma mulher até agora, por isso não consigo dormir direito.
—Não vou mentir para você... eu estou com medo de dormir hoje. Sei lá, mas acho que algo ruim vai acontecer comigo, talvez eu até morra.
—Eu sei que deve ser somente paranoia nossa, mas também acho que a mulher que vejo, vai acabar me matando.
—E agora? O que fazemos?
—Já sei. Vamos virar a noite hoje jogando Play 3 aqui em casa. E aí, topa?
—Claro que sim.
Como haviam combinado, Ivan e Reinaldo passam a noite jogando Army of Two no Play 3. Já beirava às 3h30 quando a televisão que eles jogavam desliga sozinha. A tela fica preta de uma hora para outra, antes mesmo de um deles se levantar para ligá-la novamente, o reflexo de uma mulher surge na tela da televisão, os dois se espantam e levantam para sair dali o mais rápido possível, a mulher estende a mão para fora da tela, lentamente seu corpo vai emergindo de dentro da TV. Em um gesto de desespero, Ivan grita com aquela mulher.
—Cai fora daqui sua vadia!
Sem saber o que estava acontecendo, a mãe do Ivan acorda e levanta da cama, caminha até a sala e pergunta para seu filho o que está acontecendo. Ele responde que ele e o Reinaldo viu uma mulher saindo da TV, sua mãe começa a chorar olhando em seus olhos, ele não entendeu o porque das lágrimas de sua mãe.
—Mãe. Por que a senhora está chorando?
—Meu filho, você está ficando doido, isso é tudo paranoia da sua cabeça.
—Eu sei mãe, mas eu acabei me assustando.
—Não é isso filho. O Reinaldo está morto! Ele morreu há uma semana.
Ivan fica calado sem saber do que a mãe dele está falando, não seria possível ele está morto, os dois estavam ali naquele exato momento.
Ivan olha para ela e diz que ele não está morto, e que eles estavam jogando vídeo-game naquele mesmo instante. Ela diz que não, ele morreu sim e não havia ninguém ali além dela e ele. Ivan olha para os lados à procura de Reinaldo, não consegue achá-lo, sua cabeça começa a ficar mais atordoada ainda. Uma dor intensa começa a emergir de seu peito, era a dor de saber que seu amigo estava realmente morto.
Sua mãe explica para ele que os dois invadiram uma casa abandonada uma semana antes, querendo fazer a brincadeira do tabuleiro ouija, havia boatos que aquela casa era assombrada, eles interessaram em ver se era verdade, porém, algo aconteceu lá dentro e Reinaldo acabou morrendo.
Depois de um morador avisar a polícia, que dois jovens invadiram a casa, Ivan foi encontrado desmaiado dentro da sala de estar, enquanto Reinaldo, foi encontrado com seu peito estraçalhado ao meio. A polícia investigou o crime, mas não encontraram nada, nem para incriminar Ivan, nem para prosseguir o caso.
Desde o incidente, Ivan passou a ver a figura de uma mulher perseguindo-o, e para ele, Reinaldo ainda estava vivo, eles conversavam sempre, ninguém se atrevia a dizer para Ivan que ele estava paranoico, que tudo que ele estava vendo não fazia parte da realidade, aquilo era só sua própria mente lhe pregando uma peça.
Mesmo depois de saber a verdade, Ivan continuou vendo seu amigo morto, para seu azar, também continuou sendo perseguido pelo espírito da mulher misteriosa, sua mãe não teve outra escolha, acabou internando-o numa clínica psiquiatra, mesmo com o isolamento, sua tortura psicológica nunca terá fim, e o espírito da mulher o atormentará até o último suspiro de sua vida insignificante.