O Caixão

A cidade amanheceu em polvorosa, rádios e sites noticiosos informavam sobre o caixão vazio que fora encontrado às margens do rio. As pessoas se perguntavam o que que havia acontecido. Quem deixara o caixão ali? Era uma brincadeira? Tudo levava a crer que sim. Por ser uma cidade pequena de uma estado pouco desenvolvido, as pessoas eram ferrenhamente católicas e supersticiosas, não brincavam com o sobrenatural. O caixão abandonado foi o principal tema de conversa nas rodas de amigos, bares, comércio, feira livre. Todos falavam nisso e contavam outras histórias de assombração tão comuns entre a população.

A tudo, Enzo ouvia e se divertia com a “brincadeira”. Entediado e filho de um comerciante muito rico, ele teve a ideia da piada. Sabia que ia causar muito alvoroço. Comprou o caixão por meio de dois amigos que guardaram segredo. Então, na madrugada, o depositou junto a margem do rio e esperou o resultado.

Mas a piada não agradou a todos, entidades ficaram aborrecidas com a troça às custas da morte.

Os dias se passaram e Enzo voltou a ficar entediado. Dessa vez, teve uma ideia mais original. Invadiria o cemitério e roubaria um crânio. Subornaria o coveiro, não devia ser difícil. Contou aos amigos, que não aprovaram a ideia. Também não quiseram acompanha-lo, pois chegaram à conclusão de que isso era demais, não deviam mexer com os mortos. Enzo fez pouco caso deles, zombou, xingou, duvidou da masculinidade dos dois, acusando-os de serem “frouxos”. Exigiu segredo, no que concordaram, e foi sozinho.

Durante o dia ele esteve no principal cemitério da cidade, procurou por alguém que administrasse o local, mas não encontrou ninguém. Achou até melhor, assim economizaria. Decidiu-se a ir naquela noite. Violaria algum túmulo e levaria um crânio, não importava de quem tivesse sido. Iria deixa-lo às margens do rio novamente. E se divertiria com o medo das pessoas.

A noite chegou. Enzo foi até o cemitério. Rindo antecipadamente do medo das pessoas e dos seus amigos. Covardes. Ao pular o muro e dar dois passos, escutou algo atrás de si. Virou-se repentinamente já com uma mão poderosa agarrando o seu pescoço.

Enquanto seus olhos quase saiam das orbitas ante o medo, e já perdendo o fôlego, distinguiu algo inimaginável. Uma forma humanoide. Um homem, usando fraque e cartola. Na outra mão tinha uma bengala. No lugar do rosto, o crânio. Tratava-se de “Baron Samedi”, a entidade Vodu protetora dos cemitérios. Quem diria que isso existia.

- Você veio atrás de um crânio? Verá o meu! – Disse a entidade. – Saiba, não se brinca com os mortos. – Finalizou, ao tempo em que apertou com mais força o pescoço do Enzo, que nem pode gritar.

Na manhã seguinte, a cabeça do brincalhão foi encontrada no mesmo local onde o caixão aparecera dias antes. Foi um terror. A polícia foi chamada. Tentaria descobrir quem fizera isso ao filho de um dos cidadãos mais respeitados da cidade. É claro que o crime jamais seria solucionado.

Para os mais velhos, não restava dúvida de que Enzo fora punido pela brincadeira que ele, sem dúvidas fora ele, fizera dias antes. Ninguém jamais repetira algo assim novamente.