O ESPELHO DO PORÃO parte 1
Apesar de ser considerado como uma emoção primária, o medo se caracteriza como um impulso negativo que pode impedir qualquer ação que possa colocar a vida do ser humano em perigo. Mas e quanto as causas do medo? O que pode provocá-lo?
Superstição é uma espécie de crendice popular que não possui explicação científica. As superstições são criadas pelo povo e costuma passar de geração para geração.
As lendas urbanas são um tipo de folclore moderno que perpetua histórias fabulosas e sensacionalistas, narradas como acontecimentos públicos ou pessoais. Muitas lendas são antigas e vão sendo reformuladas com o tempo, ganhando novos ingredientes de acordo com a atualidade.
Com base nessas premissas, a história a seguir pode muito bem desencadear, nos sentimentos incautos, uma espécie de superstição ou, dependendo de quem esteja lendo, um ceticismo mais forte. Porém, é inegável que muitas pessoas podem, em algum momento da leitura, se identificar com essa história.
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ELIZABETH
2010
Elizabeth Ferrera, 22 anos, estuda psicologia e é muito bem quista por onde passa. Longos cabelos negros brilhosos e cacheados caindo nos ombros, sorriso largo com dentes perfeitos, moça alta e esbelta. Sua beleza é peculiar por causa do furinho no queixo e do fulgor de seus olhos verdes. Inteligente, amando vários autores de diferentes gêneros, Elizabeth conquista admiradores, amigos e invejosos também.
Nas férias do seu curso presencial, sua família mudou-se para uma casa grande, um pouco afastada da sociedade, num vilarejo no interior de São Paulo, semelhante a um pequeno sítio. Os pais de Elizabeth possuíam certo orgulho excessivo ao falar dela para os demais, até porque ela realmente era tudo isso que os pais diziam. Esforçada, não tinha preguiça pra trabalhos intelectuais ou braçais.
Elizabeth, por mais amigável que fosse, não gostava de visitas a sua casa e, portanto, nenhum dos seus amigos ou suas amigas mais íntimas ia lhe visitar. Falava tão pouco sobre a família que sequer dava pra saber com o que seus pais trabalhavam ou como vivia.
A casa possuía muitos cômodos e alguns quartos a mais. A cozinha grande, mobiliada com peças de madeira rústica, mármore e armários que davam uma parede.
Feita de blocos pequenos, a estrutura foi construída com muito cuidado, a pedido dos pais de Elizabeth. A entrada da casa, de dia, lhe concedia um aspecto cinematográfico, onde a placa “CASA DOS FERRERA” revelava que um cuidado primoroso tinha aquela família com cada um de seus membros.
Porém, de noite, a casa tomava uma característica um tanto quanto peculiar. Os espelhos eram todos cobertos. Nenhum espelho ficava sem um grande forro por sobre ele.
Os pais de Elizabeth eram cidadãos muito supersticiosos, a ponto de que sequer passar por debaixo de escadas. Já a jovem Elizabeth, como estudava psicologia, desenvolvera, não por causa do curso, mas das formas com que reagiu a algumas disciplinas práticas, uma espécie de ceticismo em questões sobrenaturais. O que se sabe é que: em perfeito juízo, ela com nada se preocupava a noite. Já seus pais, nem tanto.
Entre tantas coisas que acreditavam e contavam a filha, a mais fabulosa delas é A LENDA DO ESPELHO. Onde criam que espelhos, de dia, e em lugares abertos, são meros refletores de imagens. Mas, à noite, e em lugares fechados, tornavam-se uma espécie de cosmos ou portal para outras dimensões. Seja dos vivos ou dos mortos. E que nunca, nunca, ela deveria descer ao porão da sua casa.
Não havia espelhos que não fossem tampados no quarto grande de Elizabeth, tudo isso porque os pais não queriam que a filha fosse assombrada pelo mesmo medo que os assombravam.
Como estavam distantes da cidade, tudo era iluminado por lampiões, candeeiros e velas espalhadas pelos cômodos da casa. Ao anoitecer, os longos corredores, a sala com a mesa no centro, a cozinha com tudo rústico ficava em plena escuridão.
Apenas algumas poucas luzes nos corredores, com candeeiros, para iluminar quem precisasse descer para alguma coisa. Contanto que obedecessem as regras de não destamparem nenhum espelho e nem descessem ao porão.
Elizabeth dormia profundamente, quando foi acordada por gritos abafados. Assustada, ela chama pelos pais do seu quarto, imaginando se a mãe não havia visto uma barata ou algum roedor imundo. Os gritos continuam e o silêncio aparente de seus pais perturbava o espírito da jovem que dormia só.
Ela se levanta, toma um candeeiro que iluminava um corredor e vai até o quarto dos pais. Porta aberta. Vazio.
Os ventos na janela aberta do quarto dos pais, naquela região isolada de gente, com apenas o cricrilar dos grilos do lado de fora, deixaram o ar sombrio e com toques de adrenalina em estágio crescente.
Ouviu-se mais um grito. Veio de baixo.
Elizabeth, confusa por causa da ausência dos pais e dos uivos humanos que aumentavam cada vez mais, decide descer as escadas do quarto e ir até a sala. Ao estender o candeeiro, vê que uma porta embaixo de sua escada está entreaberta. Era a porta que dava acesso ao porão.
Com as mãos vacilantes e pés descalços, ela foi lentamente até a porta do porão chamando pelos seus pais. Um medo se apodera dela e, quando tem a resolução de que deve fechar a porta, mais um grito se ouve vindo daquele cômodo tenebrosamente.
Ela desce devagar as escadas, deixando a porta escancarada e, com uma mão segurava o candeeiro e, com a outra, uma faca amolada pequena para se defender.
Cada passo que ela dava era um aumento nos seus batimentos cardíacos e sua respiração ficava mais acelerada, tanto que mal conseguia respirar direito:
- Mãe? Pai?
Quando iluminou o chão do porão viu seus pais caídos com ferimentos na cabeça. A cena lhe apavora, fazendo o candeeiro derrubar-se no piso frio, enegrecendo o ambiente fantasmagórico daquele cômodo úmido e mofado.
Ao procurar o candeeiro e ergue-lo, vê um grande, oval e velho espelho colado à parede com um pano jogado ao chão. Aproximando-se, viu um reflexo perfeito de sua imagem.
O candeeiro cai. Um grito se ouve...
Continua...