DELÍRIOS APÓS SINGELOS TOQUES NA PORTA

4 horas da madrugada, de um verão que jamais acabará!!

Eu estava assistindo um Stand Up Comedy e comendo bisteca pura, apenas com ovos cozidos e água. Quando escutei três batidinhas fracas na porta. A primeira vez que escutei as batidas, olhei em volta... podia ser alguma coisa, o ventilador ou algum bicho. Quando bateu novamente... (sempre bem fraco, aparentemente apenas com os dedos, de maneira quase gentil) eu gelei na cadeira. Deliguei o som.

Provavelmente a pessoa percebeu o repentino silencio e deu mais algumas tímidas batidinhas. Meu coração gelou e eu não podia me mexer... fiquei parado até ouvir passos que iam embora. Um pensamento involuntário (na verdade, soou como um pensamento inserido) me fez – de olhos fechados – visualizar o cemitério da cidade. Mas ele não estava lá do outro lado, ao fim de uma ladeira imensa e quase íngreme. Eu senti que o cemitério da cidade estava no lugar de um terreno baldio bem ao lado do condomínio onde eu moro. Eu ouvia barulhos, vozes distantes de crianças gritando, como se estivessem sendo perseguidas por algo tão grande quanto um bezerro, tão feroz como um cão feroz e tão rápido como um gato do mato. Mas logo essas vozes sumiram e apenas uma espécie de rosnado parecia crescer e crescer como se vigiasse todas as portas de todas as casas daqui. Em minha cabeça um quarteto de cordas tocava uma canção que fazia parte da trilha sonora do filme Drácula, de 1931. Me animei a ideia, e me animei com o som em minha cabeça...

Consegui me mover – pelo menos os dedos – e procurei na internet o download do filme do vampiro. Comecei a sorrir... olhei o meu remédio de dormir que deliberadamente eu não tinha tomado, afim de curtir uma sexta feira tardia e divertida... também bem solitária. Mas o medo tomou conta de novo, pois, quando fui esticar a mão para alcançar o remédio, bateram novamente na porta.... Muito fracamente. Pensei em dizer alguma coisa, mas não consegui. “Porque a pessoa não se revela logo?” Porque batia com tanta sutileza? Já vi espíritos e acredito em demônios também. Acredito em homens piores que demônios... Passei mais trinta a quarenta minutos sem me mexer na cadeira. Até que consegui pegar o remédio e engoli-lo sem agua. O cheiro do cemitério estava entrando pela janela de casa. Havia alguém orando pelo marido morto... Era uma jovem viúva, bonita e triste. Crianças brincavam em volta dela, talvez fossem anjos que muitas vezes são crianças. Talvez demônios que se disfarçam de crianças para atrair adultos. Bill Evans toca um piano e a medicação mexe com a cabeça antes do sono vir... meu amigo Ulisses está sentado atrás de mim no sofá. Eu não preciso olhá-lo para saber que está lá... éééé.. O tal... do Ulisseeeesss... éramos amiguinhos quando tínhamos quaisquer seis anos... E agora o pequeno Ulisses está sentado atrás de mim, Há uma nuvem negra em seu rosto misturado à escuridão da sala, seu rosto anuviado e escondido, que esconde olhos vermelhos como os de um morcego. Seu sorriso tímido se mantém igual. Apenas com a tela do computador e a luz do banheiro da suíte esquecida pra lá... “onde você se sente seguro “K.”???”, me perguntou o menino. Eu não pude falar por medo, mas escrevi na tela do computador; “SEM VOCÊ, SEM BATIDAS LEVES NA PORTA DA FRENTE!! SEM CEMITÉRIO, ESCONDIDINHO EM MINHA CAMA!!” Ele soltou uma risadinha de criança. Depois ele fez um barulho como se algum animal selvagem vivesse dentro de suas cordas vocais. Um feixe de lágrima caiu de meu olho direito. Minha boca tremia. Mas consegui pedir ao meu amigo de infância que por favor fosse embora e se pudesse que levasse o cemitério para onde é de direito ele estar.

- ôce viu os cavalos brancos naquela rua, hoje de tarde... ee olharam...

Subitamente escutei um relinche alto e selvagem, algum cavalo que aparentemente estava muito irritado... odeio cavalos a noite, odeio cavalos perdidos nas ruas da noite... ODEIO! Odeio! Ulisses continuava, e algumas vozes que eu não sabia de qual direção vinham, o ajudavam a cantar...

“O cemitério pronto, em tua cola,

porta azul, portal da morte? / Que é pra abrir...e não pra se cobrir! Não se demora...

não se demora /... pois se danou...

Abandonado a própria sorte!! / Não se demora, não atrasa ao seu enterro Senhoooor... Não... Oh! Seeeenhooor, não...! Vêm d’agora, não precisa se esconder / é atender aquele ser ... Que de hooooje que tá parado...,aí em sua porta a bateeeeer!!!"

“Ôo.... Cavalo branco te olhaa!”

Todas as vozes, gritos, relinchos... O y oiicemitério e uma música que parece uma ciranda do mal. Abaixei a cabeça e me pus a orar. Devo mesmo ter dormido, pois acordei às 11 da manhã e tudo estava normal. Ainda não abri a porta da frente, mas sei que o cheiro de flores e o cheiro de morte se foi. Foi-se até o dia, em que alto eu ria... os dedos gentis batucarão. Ulisses me fará uma visitinha. Eu montarei num diabinho disfarçado de cavalo magrelo..., e juntos correremos até o sol .