A RAINHA DO BOSQUE DA FELICIDADE - CLTS 06

Quando Diana nasceu, todos a aclamaram por sua beleza estonteante. Seria o início de um novo ciclo, dizia Celina, a mais poderosa feiticeira daquelas paragens. Ela profetizou que a formosura da pequena nascitura seria o seu passaporte para a glória e que ela seria a rainha daquele lugar, se assim desejasse. Naquele tempo era comum associar o belo ao sucesso, e antes mesmo de a menina entender o que isso queria dizer, inúmeros pretendentes já haviam brotado de todas as partes do condado para pedir-lhe a mão. Todos, no entanto, foram descartados, pois o rei, ao tomar conhecimento de tão espetacular beleza, exigiu que a angelical donzela, assim que atingisse a idade ideal, fosse desposada por Afonso, seu primogênito e futuro rei do Bosque da Felicidade.

Sua família, que provinha de uma linhagem humilde, estava exultante. Viam naquele casamento o fim dos dias de provisões minguadas e humilhações constantes. Tudo o que eles deveriam fazer era conservar imaculada a beleza da menina, dando-lhe sempre tudo do melhor: as melhores frutas, os melhores legumes, as melhores roupas, os melhores cosméticos, as melhores acomodações... Diana então cresceu rodeada de mimos e cuidados exagerados em prol de um futuro melhor para ela e seus parentes. O príncipe, que já era uns dez anos mais velho que ela visitava-lhe frequentemente a fim de saber se sua beleza continuava intocada. Sim, sempre continuava. Mais do que isso, a medida que o tempo passava ela tornava-se mais linda, uma beleza que aflorava hiperbolicamente a cada primavera. Diana era deveras linda, porém pobre. Entretanto, para aquele nobre pretendente o que importava era a beleza fenomenal de sua noiva, era essa a maior riqueza que ela poderia lhe oferecer. Ele, orgulhoso, a exibiria como um troféu e juntos gerariam filhos invejáveis. No reino do Bosque da Felicidade a aparência valia mais do que qualquer outra coisa. Era lucro e garantia de dias de fartura.

Com o passar dos anos, Diana começou a entender a que caminhos a vida estava a lhe levar. O jovem príncipe a quem estava prometida era educado, bonito, elegante, rico e até inteligente. Porém, a bela moça não se sentia atraída por ele, tampouco pelo estilo de vida que ele poderia lhe dar. E embora aprendesse dia após dia que uma donzela recatada deveria acatar obedientemente o destino que lhe aprouvesse (sem esbravejar), não conseguia aceitar aquela sina. O sonho de toda menina daquele e de todos os outros reinos da face da Terra era ser princesa, mas Diana era diferente: a sua felicidade advinha da liberdade. Ela gostava de passear sozinha floresta adentro para comer os frutos desconhecidos que seus pais proibiam porque poderia fazer mal à pele e ao estômago. Andava descalça entre pedras e córregos, ignorando os conselhos de sua mãe, que dizia-lhe que precisava proteger seus pés a fim de não enchê-los de bolhas. Cosia tecidos, até ficar com os dedos cheios de calos, com três fadas simpáticas que acolheram as escondidas uma certa moça de um reino vizinho tão bela quanto ela, a qual afeiçoou-se de imediato. Ajudava também uma outra amiga nas tarefas diárias da casa, já que a pobrezinha tinha que dar conta sozinha de sete anões comilões. Saía de lá completamente descabelada. Vez ou outra, escondia-se numa gruta qualquer com a menina da capa vermelha e empanturrava-se de doces. Se continuasse assim, engordaria muitos quilinhos. Mas e daí? Diana sonhava em ser livre para escolher suas próprias fontes de alegrias. Tinha também os gentis gnomos os quais sempre tirava um tempinho para com eles tomar um chá, embora após esse momento ficasse um pouco sem noção da realidade.

Contudo, o que ela mais gostava mesmo era de passar horas e horas aprendendo poções mágicas com a bruxa Celina. Já conhecia e manipulava com destreza todo tipo de ervas, sem se importar com o amarelado que surgia em suas unhas bem cuidadas. Celina era a sua maior inspiração: era uma mulher de aura poderosa, altiva, dona de si, exuberante e, o principal, livre.

Diana sentia das profundezas de sua alma que nascera bruxa. E como uma excelente aprendiz, desenvolveu com facilidade todos os segredos da alta feitiçaria que Celina tão entusiasticamente lhe ensinara em segredo. Só precisava agora desvencilhar-se do compromisso que a prendia ao príncipe. “Se ao menos eu tivesse uma irmã invejosa que me queimasse o rosto e acabasse com a minha beleza...”, pensava em desalento. Mas Diana não tinha. Sua irmã mais nova não possua a metade de sua beleza, entretanto, como um cordeirinho manso, via no casamento da irmã a porta para também um bom casamento, com um duque, quem sabe. Não havia saída e o destino, segundo ela acreditava até então, estava selado. Celina, todavia, dizia-lhe que o poder estava dentro dela e que se ela acreditasse poderia reverter qualquer situação. Escutou essas palavras chorosa e sem muita convicção, mas estas ficaram para sempre a martelar em sua mente obstinada.

Diana tentou fugir de todas as formas, adiou o quanto pode o desfecho inevitável, até que o fatídico dia, depois de ser pressionada por todos os lados, chegou. Casara ao ar livre com um longo vestido branco, de mangas bufantes e calda gigantesca. Flores brancas e amarelas ornamentavam todo o ambiente da cerimônia. Pássaros gorjeavam alegres. Borboletas azuis e lilás abrilhantavam o evento. Harpas e flautas suavizam aquele momento que para ela era de puro desespero. Em seus lábios estampava um maravilhoso sorriso cor de rosa, por dentro uma raiva negra calcificava seu coração. Em meio ao burburinho da multidão curiosa e extasiada avistou os olhos brilhantes e sagazes de sua mentora Celina e lembrou-se de suas palavras de poder: “tudo pode mudar”, pensou taciturna, mas confiante.

Afonso estava eufórico e contava os minutos para a festa acabar para ter finalmente sua linda esposa a sós em seu braços. Para sua grande decepção, a tão esperada noite de núpcias foi gélida como uma madrugada do mais rigoroso inverno. Diana permaneceu imóvel como uma pedra, o rosto contorcido de desprezo e melancolia, a carne de seu corpo fria e rígida. Da sua velha casa, Diana só levou Suzete, sua arisca gata preta, que acuada num canto do luxuoso quarto do palácio, acompanhou a transformação monstruosa de sua tutora. Na escuridão da noite, Afonso não percebeu de imediato que naquele instante a pele de sua esposa ressecava-se e enrugava-se assustadoramente. Seus longos cabelos, antes sedosos e com uma cor viva de mel, agora não passavam de palha seca. Suas unhas, outrora delicadas, tornavam-se garras fortes, deformadas, negras e contorcidas. Uma enorme corcunda amontoava-se em suas costas. Dos seus olhos chispavam fogo. Seu hálito exalava um forte odor apodrecido. Ao sentir o cheiro pútrido, Afonso mirou estupefato a mutação da princesa. Não teve tempo de gritar nem de reagir. Diana cravou-lhe nos braços as garras animalescas com uma força descomunal e, com um beijo fatal, sugou toda a essência da vida do pobre homem, que caiu no chão ressequido feito múmia, virando pó instantaneamente. Uma rajada de vento espalhou as cinzas da morte aos quatro cantos do reino. A gata trêmula e estática reverenciava em silêncio o despertar da nova bruxa, a sucessora de Celina.

Com a morte da beleza de Diana, morria também todo o reino do Bosque da Felicidade. As vivas folhagens secaram e caíram, transformando a paisagem em um deserto de gravetos mórbidos, a neve e a escuridão perpétua se abateram por lá, pessoas e animais adormeceram num sono eterno. Todos menos Diana e Suzete, a gata, que continuava com olhos vidrados, sentindo-se meio desconfiada, meio protegida. Nada mais que o frio penetrante e o silêncio ensurdecedor.

Muitos anos se passaram. Comentava-se nos reinos vizinhos, de forma temerosa, sobre a maldição da princesa esplendorosa. Ouviram falar que quem se aventurasse a adentrar o reino da bela maldita, tomado por uma densa camada de pó da morte, adormeceria para sempre ou evaporaria misteriosamente pelo ar. Ninguém jamais ousou chegar perto outra vez daquela terra esquecida pelos Deuses para conferir.

***

Houve um tempo em que Diana acreditou em um mundo de magia, liberdade e felicidade suprema. Hoje, era só ela e Suzete, a velha gata preta.

A gata arredia ainda está por lá e a olha o tempo inteiro com admiração e, ao mesmo tempo, com um pouco de precaução. Embora jamais tenha dormido tranquila depois do episódio do terror, continua a preferir um teto seguro e um pouco de comida temperada de bruxa aos perigos do bosque sombrio.

***

O Bosque da Felicidade é agora um lugar de trevas e solidão, com um arvoredo fantasmagórico, dominado pela mais bela rainha de todos os tempos. Soberana Diana da Floresta, a exuberante, que quando livrou-se das amarras das convenções sociais tomou para si as rédeas de sua vida e recuperou toda a beleza que perdera no momento da ruptura com o seu antigo mundo. Por vezes ainda sente falta de Celina, das fadas bondosas, da moça da roca de fiar, da moça dos anões, da menina da capa vermelha e dos gnomos. Ela e Suzete compartilhariam para todo o sempre uma xícara de chá quente e uma troca de olhares complacentes na soleira fria de uma pequena cabana no meio de uma floresta inóspita.

Tema: Conto de fadas.