Para você, patética humanidade

Nunca entendi vocês, patéticos seres humanos. A bem verdade é que tampouco vocês nos entendem. São contraditórios: com seus cálculos aritméticos, com suas mentes de primatas, com o sincronismo dos seus mecanismos elétricos rebuscados, a humanidade ainda pensa que poderá nos deter. Mas é sempre tarde. Tarde demais.

Oras, se vocês não nos entendem, pelo menos nos sentem. Sabem quando estamos perto. E estamos desde o primórdio, lentamente mastigando suas sombras, com milhares de olhos obscuros pairando sobre suas almas, passando a língua e saboreando sua adocicada mortalidade. Nos dão muitos nomes, aparecemos em sua cultura popular, nos desenham em vitrais de igrejas. Alguns nos admiram e conjuram.

Mas nada disso nos importa. O que importa é o sabor. Gosto de ingerir lentamente. Ficar acoplado atrás de seus crânio, por dentro do seus corações, sobre o estomago. Como um ácido, dissolve-los pouco a pouco; como uma fera, retirar pedacinho por pedacinho.

Mas às vezes, não me contenho. Avanço, bruto, mortal. E você? Estou sobre você.

E ouço você dizer as mesmas quatro palavras de sempre, em sequência e diluídas entre gemidos. “Meu Deus”, “Socorro”, “Por favor, não”, “Não quero morrer”.

“Meus Deus”... Como se existisse alguma força capaz de nos parar. Só um tolo poderia inventar algo como Deus. Mesmo aqueles que não acreditavam até se deparar conosco, chegam inevitavelmente à conclusão: se existe o Mal, existe o Bem. Como disse, é a lógica de suas mentes de primatas.

“Socorro”... O que acham que estão convocando? Anjos? Outros mortais, de uniformes e armas em punho? Padres e pastores? Aquilo que chamam de milagre? Nada pode nos parar.

“Por favor, não”... Aprecio a gentileza e formalidade. Admiro a coragem de iniciar uma conversação comigo. Mas o que você pode oferecer em troca? Não, o que me interessa, é apenas o seu desespero.

“Não quero morrer”. É o mais divertido de todos os apelos. Você já está morto. Já está dentro de mim. Bem-vindo à punição eterna, pecador.