Uma segunda chance para Marcus Varrante
Minha história começa há muitos e muitos séculos atrás. Eu era um jovem centurião romano, e presenciei escondido o que fizeram com meu estimado general, Caio Júlio César, em 15 de março de 44 a.C.. Cada punhalada que ele levou doeu forte na minha alma. Eu o admirava como um pai. Participei de diversas campanhas vitoriosas com ele como: a da Gália, do Egito e do norte da África, mas fiquei paralisado diante de sua morte. Seus covardes algozes sofreram as consequências de seu ato pouco tempo depois, mas eu sempre me culpei por não ter tentado ajudá-lo no momento em que ele mais precisava.
Com a morte de Júlio César deixei o exército romano e vaguei pelo mundo. Minha transformação no ser que sou hoje se deu num momento crucial. Eu estava à beira da morte, numa estrada que levava a uma cidade dominada por Roma, quando surgiu um homem santo em meu caminho. Ele me perguntou se eu queria uma segunda chance. É claro que eu quis a “segunda chance”. O ano era 40 a.C. e lembro deste dia como se fosse hoje. Morri e fui enterrado como um indigente. Acordei dentro de um caixão três dias depois. Não tive dificuldade para sair daquele lugar sinistro. Desorientado não sabia o que fazer. Não sabia no que tinha me transformado. Não sentia fome. Sentia sede. Uma sede que me corroía a alma. Encontrei um regato e bebi sua água com voracidade. Vomitei-a toda em seguida. Não era água que meu corpo queria era… sangue! Descobri isso ao ver um rato morto perto do pequeno rio onde estava. Foi a primeira vez que “quase” saciei minha sede. Após beber o sangue do roedor, continuava sentindo sede. Eu precisava de sangue, mas humano! E, no mesmo dia, saciei, afinal, minha sede: cravei meus salientes caninos na jugular de um ancião de mais de setenta anos que dormia ao relento. Ele não se opôs. Não sentia mais vontade de lutar pela vida ao contrário de mim. O sangue que eu bebi do velho homem me fortaleceu e, como chegou, a sede cessou. Nunca mais senti o prazer de comer uma refeição normal ou de beber um bom vinho. Só sentia sede e por sangue humano. Nada mais.
Procurei por anos e anos pelo homem santo que me deu uma “segunda chance”, mas sem sucesso. Com o tempo descobri que precisava saciar minha sede de 3 em 3 dias, se não o fizesse sentia-me fraco e extremamente vulnerável. Saciada minha sede de sangue, eu passava a ter uma força descomunal: era mais forte do que cinco homens vigorosos juntos!
Os anos, décadas e séculos passavam para mim como dias. Eu não envelhecia, os outros, sim. Como resultado disso vi morrerem amigos e parentes até ficar solitário no mundo. Este foi o alto preço que paguei por me transformar no que sou hoje. Manter-me jovem não era um problema. Bastava saciar minha sede para eu me revigorar. Eu era imortal! Pensava ser. Durante anos guardei este segredo. Mudava de residência constantemente para não chamar a atenção com o rastro de gente morta que eu deixava para trás. Não enfiava meus caninos afiados em crianças, nem em mulheres. Só em homens bem idosos. Era outra coisa que me deixava mal: o fato de ter me tornado um assassino! Mas era eu ou eles e minha vontade de viver era mais forte que minha clemência.
Conheci muitas pessoas durante minha longa vida, mas não fiz amigos por motivos óbvios: não tinha como esconder deles o fato de não envelhecer. Um dia, na Romênia, um vidente me disse: “Você aparenta bem menos idade do que realmente tem, meu amigo, mas espere… vejo um evento negativo em sua vida… quando você ouvir o piado triplo de uma coruja albina de olhos vermelhos você morrerá!”. Após dizer estas malditas palavras, o vidente saiu correndo em disparada como se estivesse possuído por uma legião de espíritos malignos. Passaram-se séculos e séculos e esqueci a previsão do vidente. Nunca ouvi três piados de uma coruja albina quanto mais de uma albina de olhos vermelhos.
Durante minhas andanças pelo mundo, acabei indo parar na França. Em Paris, virei estilista. O ano era 1879. Eu ganhava rios de dinheiro e, após séculos e séculos de castidade, aproveitava a vida como nunca. Dormia com belas mulheres quase toda a noite. Nesta época, eu já sabia muito bem no que tinha me transformado. Eu era um vampiro. Sugava a vida das pessoas para continuar vivo. E, no dia 13 de agosto de 1897, numa viagem de negócios a Londres, como Caio Júlio César, fui traído. Se você está lendo meu diário agora, já devo estar morto. Pelo menos aproveitei bem minha segunda chance, mas não haverá uma terceira, porque o homem que me transformou no que sou hoje era o último de sua linhagem e foi ele quem me traiu…
FIM