A DEFUNTA
Soube que ela havia falecido durante a noite, em sua cama, na antiga casa de portas altas e janelas de madeira pintadas de azul. Fora encontrada pelo senhorio que estranhou o silêncio matutino naquela casa onde a vida começava com as primeiras luzes do dia.
Desejei me despedir, em nome dos bons tempos passados e quando cheguei ao velório público já no fim da tarde deparei-me com rostos fechados. Os homens em seus ternos escuros apesar do calor abafado exibiam enormes manchas de suor sob os braços. As mulheres fervorosas, com seus cabelos que caiam abaixo das nádegas e seus vestidos pesados e bem fechados.
Não deixavam nada à mostra, exceto os rostos sisudos e as caras de poucos amigos.
Filhos, netos e bisnetos. Todos ali cumprindo seu dever. Uma família inteira que destoava completamente daquela mulher deitada ali, no meio de tudo.
Vestindo minhas melhores roupas de domingo em homenagem à mulher que tinha me feito sorrir e chorar, passei a noite toda ali, sentado desconfortavelmente numa das cadeiras, sentindo-me um incomodo.
Ninguém me dirigiu a palavra. Não havia choro nem tristeza aparente, mas pude ouvir quando os genros e filhos discutiam o destino dos parcos bens da defunta.
Senti certa revolta por aquele descaso e pela ausência de choros histéricos e lamentos de despedida, então, minutos antes do ataúde ser fechado, num gesto de ousadia, levantei-me e caminhei até caixão sob o olhar inquisitivo dos puritanos ao redor. Após contemplar aquele rosto sereno por alguns instantes, curvei-me sobre ela e beijei seus lábios demoradamente.
Elsa, minha Elsa, que nunca aceitara regras nem limites, que havia vivido a vida de forma tão plena e completa, não poderia deixá-la descer ao túmulo sem um último ato de rebeldia e, para minha alegria, tive a certeza de ver um sorriso zombeteiro formar-se em sua boca carnuda para, em seguida, ser eternizado pela rigidez post mortem.
Eu sabia que naquele momento ela não ria daquele meu gesto de paixão derradeiro.
Não! Ela ria dos rostos embasbacados de seus filhos e filhas, noras e genros, netos e netas.
Parti em seguida, deixando para trás aquele bando de abutres.
Desejei me despedir, em nome dos bons tempos passados e quando cheguei ao velório público já no fim da tarde deparei-me com rostos fechados. Os homens em seus ternos escuros apesar do calor abafado exibiam enormes manchas de suor sob os braços. As mulheres fervorosas, com seus cabelos que caiam abaixo das nádegas e seus vestidos pesados e bem fechados.
Não deixavam nada à mostra, exceto os rostos sisudos e as caras de poucos amigos.
Filhos, netos e bisnetos. Todos ali cumprindo seu dever. Uma família inteira que destoava completamente daquela mulher deitada ali, no meio de tudo.
Vestindo minhas melhores roupas de domingo em homenagem à mulher que tinha me feito sorrir e chorar, passei a noite toda ali, sentado desconfortavelmente numa das cadeiras, sentindo-me um incomodo.
Ninguém me dirigiu a palavra. Não havia choro nem tristeza aparente, mas pude ouvir quando os genros e filhos discutiam o destino dos parcos bens da defunta.
Senti certa revolta por aquele descaso e pela ausência de choros histéricos e lamentos de despedida, então, minutos antes do ataúde ser fechado, num gesto de ousadia, levantei-me e caminhei até caixão sob o olhar inquisitivo dos puritanos ao redor. Após contemplar aquele rosto sereno por alguns instantes, curvei-me sobre ela e beijei seus lábios demoradamente.
Elsa, minha Elsa, que nunca aceitara regras nem limites, que havia vivido a vida de forma tão plena e completa, não poderia deixá-la descer ao túmulo sem um último ato de rebeldia e, para minha alegria, tive a certeza de ver um sorriso zombeteiro formar-se em sua boca carnuda para, em seguida, ser eternizado pela rigidez post mortem.
Eu sabia que naquele momento ela não ria daquele meu gesto de paixão derradeiro.
Não! Ela ria dos rostos embasbacados de seus filhos e filhas, noras e genros, netos e netas.
Parti em seguida, deixando para trás aquele bando de abutres.