O FILHO DO PADRE
Filha bonita é um problema sério. Isso é que pensava o Coronel Otaviano Correia. E pior ainda é quando se tem uma mente conservadora, que não acompanha as mudanças que ocorrem no mundo dos valores. Pois o Coronel ainda vivia no século XIX, e achava que mulher tinha que casar virgem. Se não fosse e enganasse o noivo dizendo que era, na noite de núpcias, quando não saia sangue, e a penetração ocorria sem obstáculo, o marido ultrajado podia fazer duas coisas: ou devolvia a noiva para o pai, pedindo em seguida a anulação do casamento, ou então ele mesmo matava a mulher, para salvaguarda da sua honra.
Vale dizer que a própria lei permitia isso; A lei civil, que regulava a união entre casais estipulava que o ato poderia ser anulado se o noivo descobrisse, na noite de núpcias, que a noiva o enganara, dizendo-se virgem, quando de fato não o era. O hímen da mulher era como se fosse um selo de segurança que garantia que a carta ainda não tinha sido lida. Se prometido que havia, tinha que haver. Descoberto depois que não existia, isso era considerado um logro, um estelionato, uma burla à boa fé do marido, que comprara um produto que lhe fora oferecido perfeito e descobrira depois que estava estragado. Algo assim como uísque batizado ou gasolina adulterada. Puro estelionato moral.
Por isso, o Coronel Otaviano criou a sua bela filha Jolinda na maior segurança. Não deixava macho chegar perto dela nem para dar bom dia. Para ensinar-lhe a ler e escrever contratou professora particular. E todas as outras coisas, que ele entendia úteis para a educação da menina, fez questão de trazer instrutoras da capital para ensiná-la, como se ainda estivessem vivendo em séculos passados, quando tais comportamentos eram usuais.
Só um tipo de homem ele deixava chegar perto da Jolinda: o padre. Padres, dizia o Coronel, são homens assexuados. Sua vocação os castra para sempre. São eunucos por conta da profissão que escolheram. Não representavam perigo. Assim, deixava sua filha ir à Igreja, assistir missas, participar dos trabalhos paroquiais necessários nos dias de festa, e principalmente, se confessar regularmente. Aliás, isso era coisa que ele até incentivava. Jolinda devia manter-se pura até o dia em que ele achasse um homem digno dela, e se as práticas religiosas ajudavam nisso, bem vindas eram.
Por isso, é possível imaginar a raiva e a decepção que o Coronel experimentou no dia em que descobriu que a sua preciosa filha, tão meiga, tão recatada, gentil e religiosa, apesar de todos os cuidados que tomara, não era mais virgem. E para entornar ainda mais o caldo, estava grávida de dois meses.
Mas o pior de tudo veio depois quando ele descobriu quem fora o sacripanta que profanara aquele santuário que ele cercara de todos os cuidados e defesas. Pois fora justamente aquele que ele pensara que poderia ser o seu mais fiel guardião, ou seja, o próprio Padre Rafael, jovem pároco que o bispo nomeara para sua paróquia.
Pior do que o fato de sua filha ter sido engravidada por um homem que não podia se casar com ela, era a ideia da traição. Pois o Coronel se sentia duplamente traído: pela filha, a quem cercara de tantos cuidados, e pelo padre, o único homem em quem ele depositara confiança. Era um crime sem perdão. Não perdoava a filha e odiava mortalmente o padre.
E além disso, havia a crença tradicional que vigorava por aquelas bandas. A de que filho de padre, geralmente vira lobisomem ou coisa pior. Já era insuportável ser pai de uma filha mãe-solteira. Ser avô de lobisomem, então...
Ele não podia suportar isso. Por isso, a solução que encontrou foi a mais radical que sua mente perturbada pode perpetrar: simplesmente mandou seus jagunços matar os dois.
O Coronel era o maior poder naquela cidade. Mandava na polícia, na justiça e na política. Assim, não houve inquéritos, nem perguntas, nem questionamentos de qualquer espécie, quando o jovem casal apareceu de canelas esticadas. A filha do Coronel e o padre Rafael, acreditou-se, morreram de causas naturais. De febre tifoide o padre e de crupe a menina. Afinal, esses tipos de infecção eram comuns naqueles tempos e lugares, e escassos os meios de prevenção e tratamento dessas doenças. Muita gente morria disso e de outras moléstias que a medicina moderna já aprendeu a tratar.
Pelo menos era o que diziam as certidões de óbito assinadas pelo médico local, sabidamente também um agregado do Coronel. Ninguém soube das balas que ele tirara dos cadáveres dos dois infelizes jovens.
O corpo da filha do coronel foi sepultado na tumba da família, a mais imponente do cemitério local. Já o do padre foi jogado numa cova comum, não muito longe da tumba. O bispo, que também tinha lá suas relações com o coronel, não objetou nada. Afinal, ele também queria que o caso fosse esquecido o mais depressa possível, pois a moral da Igreja seria uma das maiores prejudicadas se o caso viesse a público. Para disfarçar, eles foram sepultados com dois dias de diferença.
Tudo teria sido mesmo esquecido, se um dia, um veterano guarda do cemitério local não tivesse ouvido um estranho barulho vindo da tumba da família Correia. Fazia uns sete meses que a filha do Coronel havia sido sepultada. O guarda, velho profissional da lide, tinha experiência suficiente para saber que fantasmas não existem. Estava acostumado a vigiar o cemitério há muitos anos, e nunca vira nada de extraordinário acontecer com os corpos que lá descansavam. Costumava até brincar dizendo que o negócio mais seguro do mundo era ser agente funerário. Nunca um cliente voltava para reclamar. Policiar uma cidade de mortos, dizia ele, era baba.
Morto não incomodava ninguém. Vivo sim. Por isso, logo concluiu que poderiam ser ladrões, os autores daquele barulho. Afinal de contas, esses ele sabia que existiam, e não raras vezes, costumavam assaltar tumbas. Já presenciara alguns roubos naquele cemitério.
Foi então que, munido de uma lanterna e um velho revólver que guardava numa gaveta- arma que nunca precisara usar, aliás - ele se dirigiu para a tumba da família Correia, de onde vinha o barulho. A tumba tinha a forma de uma capela, de mais ou menos três metros por quatro, e era ornada com belos querubins na entrada. O imponente portal tinha uma bela porta com esquadrias e grades de ferro, em estilo colonial, toda envidraçada. Vista de fora, a tumba parecia um pequeno palácio. Dentro dela ele pode ver que brilhava uma luz amarelada e mortiça.
Estranho, pensou o guarda. Que ele soubesse, ninguém da família Correia visitara a tumba naquele dia. Ela estava trancada a cadeado, pelo lado de fora. Só a administração e a família tinham as chaves. Mas não havia dúvida. O interior da tumba estava iluminado. E pelos vidros, embora opacos, ele podia ver que se tratava de luz de velas. E que havia alguém dentro dela, pois pode perceber as sombras que se moviam na bruxuleante luz que iluminava o aposento. Ouviu palavras, que pareciam ser de uma língua que ele não soube identificar. Ouviu também gritos que tinha certeza ser de uma mulher. Escutou um choro, que juraria ser de uma criança recém nascida.
Assustado, correu para a sua salinha e chamou imediatamente a polícia. Cerca de meia hora depois a polícia abriu a porta da tumba. Um cheiro fétido, de organismo apodrecido, inundava os ares. Tapando o nariz, para suportar o terrível odor, os policiais entraram na tumba, e o que viram foi estarrecedor,
O único policial que se manteve lúcido o suficiente para dar declarações disse, que no caixão aberto da filha do Coronel, a jovem Jolinda, morta e sepultada há sete meses atrás, havia um corpo práticamente decomposto, em posição de mulher dando a luz. E tinha certeza de que era exatamente isso que acontecera, pois uma placenta ainda sangrando fora encontrada, ao lado do corpo. Junto à ela, um feto, pouco maior do que um ratinho, mas já completamente formado, pois se podia distinguir nele, perfeitamente, as formas humanas, estava se mexendo, emitindo uns ruídos que pareciam ser de choro. Um cordão umbilical ainda o ligava á placenta descolada. Ao lado do esquife, mas do lado de fora, outro corpo, também já praticamente todo decomposto, estava caído. Suas mãos descarnadas seguravam um ritual de batismo escrito em latim. Suas vestes, embora todas puídas, corroída de vermes, mostravam tratar-se claramente de um padre.
O policial que deu essas informações nunca mais foi visto na cidade. Os seus colegas, dizem, ficaram loucos e foram internados em um manicômio. Já o velho guarda foi aposentado, e segundo informações correntes na cidade, voltou para sua terra, no nordeste, e nunca mais ninguém o viu. As más línguas dizem que foi o Coronel que deu um jeito nas coisas, pagando uns e dando sumiço em outros, para que o caso não saísse dos muros do cemitério.
Evidentemente isso virou uma lenda urbana e ninguém acredita que tal caso tenha realmente acontecido. Mesmo as pessoas que o conheceram e também conheceram a Jolinda e o padre Rafael diziam que tudo era invencionice do supersticioso povo local. Afinal, diziam que o velho Coronel tinha parte com o diabo.
Mas houve mesmo quem jurasse ter visto, de fato, o diabinho que o Coronel guardava a sete chaves, numa espécie de aquário de coloração leitosa. Segundo ainda esses linguarudos, o Coronel rezava para esse diabinho todas as noites.
A única coisa certa em tudo isso é o fato de que, todos os anos, naquela mesma data em que o tal caso supostamente aconteceu, a tumba da família Correia fica iluminada por luz de velas. E lá dentro (isso já foi testemunhado por muita gente que já teve a coragem de ir lá ver com os próprios olhos), pode ser ouvida a voz de pessoas cantando parabéns rezando ladaínhas em latim. Dizem que isso vem ocorrendo há pelo menos uns noventa anos já.
O Coronel Otaviano já morreu há mais de oitenta anos. Mas sua fazenda continua exatamente do jeito que era quando ele morreu. Nenhum dos seus herdeiros, até hoje, teve a coragem de ir morar lá. Ninguém se aventurou a comprá-la também. Dizem que o diabo é que toma conta daquela propriedade. E que o espírito amaldiçoado do Coronel é que faz as vezes de seu capataz.
Filha bonita é um problema sério. Isso é que pensava o Coronel Otaviano Correia. E pior ainda é quando se tem uma mente conservadora, que não acompanha as mudanças que ocorrem no mundo dos valores. Pois o Coronel ainda vivia no século XIX, e achava que mulher tinha que casar virgem. Se não fosse e enganasse o noivo dizendo que era, na noite de núpcias, quando não saia sangue, e a penetração ocorria sem obstáculo, o marido ultrajado podia fazer duas coisas: ou devolvia a noiva para o pai, pedindo em seguida a anulação do casamento, ou então ele mesmo matava a mulher, para salvaguarda da sua honra.
Vale dizer que a própria lei permitia isso; A lei civil, que regulava a união entre casais estipulava que o ato poderia ser anulado se o noivo descobrisse, na noite de núpcias, que a noiva o enganara, dizendo-se virgem, quando de fato não o era. O hímen da mulher era como se fosse um selo de segurança que garantia que a carta ainda não tinha sido lida. Se prometido que havia, tinha que haver. Descoberto depois que não existia, isso era considerado um logro, um estelionato, uma burla à boa fé do marido, que comprara um produto que lhe fora oferecido perfeito e descobrira depois que estava estragado. Algo assim como uísque batizado ou gasolina adulterada. Puro estelionato moral.
Por isso, o Coronel Otaviano criou a sua bela filha Jolinda na maior segurança. Não deixava macho chegar perto dela nem para dar bom dia. Para ensinar-lhe a ler e escrever contratou professora particular. E todas as outras coisas, que ele entendia úteis para a educação da menina, fez questão de trazer instrutoras da capital para ensiná-la, como se ainda estivessem vivendo em séculos passados, quando tais comportamentos eram usuais.
Só um tipo de homem ele deixava chegar perto da Jolinda: o padre. Padres, dizia o Coronel, são homens assexuados. Sua vocação os castra para sempre. São eunucos por conta da profissão que escolheram. Não representavam perigo. Assim, deixava sua filha ir à Igreja, assistir missas, participar dos trabalhos paroquiais necessários nos dias de festa, e principalmente, se confessar regularmente. Aliás, isso era coisa que ele até incentivava. Jolinda devia manter-se pura até o dia em que ele achasse um homem digno dela, e se as práticas religiosas ajudavam nisso, bem vindas eram.
Por isso, é possível imaginar a raiva e a decepção que o Coronel experimentou no dia em que descobriu que a sua preciosa filha, tão meiga, tão recatada, gentil e religiosa, apesar de todos os cuidados que tomara, não era mais virgem. E para entornar ainda mais o caldo, estava grávida de dois meses.
Mas o pior de tudo veio depois quando ele descobriu quem fora o sacripanta que profanara aquele santuário que ele cercara de todos os cuidados e defesas. Pois fora justamente aquele que ele pensara que poderia ser o seu mais fiel guardião, ou seja, o próprio Padre Rafael, jovem pároco que o bispo nomeara para sua paróquia.
Pior do que o fato de sua filha ter sido engravidada por um homem que não podia se casar com ela, era a ideia da traição. Pois o Coronel se sentia duplamente traído: pela filha, a quem cercara de tantos cuidados, e pelo padre, o único homem em quem ele depositara confiança. Era um crime sem perdão. Não perdoava a filha e odiava mortalmente o padre.
E além disso, havia a crença tradicional que vigorava por aquelas bandas. A de que filho de padre, geralmente vira lobisomem ou coisa pior. Já era insuportável ser pai de uma filha mãe-solteira. Ser avô de lobisomem, então...
Ele não podia suportar isso. Por isso, a solução que encontrou foi a mais radical que sua mente perturbada pode perpetrar: simplesmente mandou seus jagunços matar os dois.
O Coronel era o maior poder naquela cidade. Mandava na polícia, na justiça e na política. Assim, não houve inquéritos, nem perguntas, nem questionamentos de qualquer espécie, quando o jovem casal apareceu de canelas esticadas. A filha do Coronel e o padre Rafael, acreditou-se, morreram de causas naturais. De febre tifoide o padre e de crupe a menina. Afinal, esses tipos de infecção eram comuns naqueles tempos e lugares, e escassos os meios de prevenção e tratamento dessas doenças. Muita gente morria disso e de outras moléstias que a medicina moderna já aprendeu a tratar.
Pelo menos era o que diziam as certidões de óbito assinadas pelo médico local, sabidamente também um agregado do Coronel. Ninguém soube das balas que ele tirara dos cadáveres dos dois infelizes jovens.
O corpo da filha do coronel foi sepultado na tumba da família, a mais imponente do cemitério local. Já o do padre foi jogado numa cova comum, não muito longe da tumba. O bispo, que também tinha lá suas relações com o coronel, não objetou nada. Afinal, ele também queria que o caso fosse esquecido o mais depressa possível, pois a moral da Igreja seria uma das maiores prejudicadas se o caso viesse a público. Para disfarçar, eles foram sepultados com dois dias de diferença.
Tudo teria sido mesmo esquecido, se um dia, um veterano guarda do cemitério local não tivesse ouvido um estranho barulho vindo da tumba da família Correia. Fazia uns sete meses que a filha do Coronel havia sido sepultada. O guarda, velho profissional da lide, tinha experiência suficiente para saber que fantasmas não existem. Estava acostumado a vigiar o cemitério há muitos anos, e nunca vira nada de extraordinário acontecer com os corpos que lá descansavam. Costumava até brincar dizendo que o negócio mais seguro do mundo era ser agente funerário. Nunca um cliente voltava para reclamar. Policiar uma cidade de mortos, dizia ele, era baba.
Morto não incomodava ninguém. Vivo sim. Por isso, logo concluiu que poderiam ser ladrões, os autores daquele barulho. Afinal de contas, esses ele sabia que existiam, e não raras vezes, costumavam assaltar tumbas. Já presenciara alguns roubos naquele cemitério.
Foi então que, munido de uma lanterna e um velho revólver que guardava numa gaveta- arma que nunca precisara usar, aliás - ele se dirigiu para a tumba da família Correia, de onde vinha o barulho. A tumba tinha a forma de uma capela, de mais ou menos três metros por quatro, e era ornada com belos querubins na entrada. O imponente portal tinha uma bela porta com esquadrias e grades de ferro, em estilo colonial, toda envidraçada. Vista de fora, a tumba parecia um pequeno palácio. Dentro dela ele pode ver que brilhava uma luz amarelada e mortiça.
Estranho, pensou o guarda. Que ele soubesse, ninguém da família Correia visitara a tumba naquele dia. Ela estava trancada a cadeado, pelo lado de fora. Só a administração e a família tinham as chaves. Mas não havia dúvida. O interior da tumba estava iluminado. E pelos vidros, embora opacos, ele podia ver que se tratava de luz de velas. E que havia alguém dentro dela, pois pode perceber as sombras que se moviam na bruxuleante luz que iluminava o aposento. Ouviu palavras, que pareciam ser de uma língua que ele não soube identificar. Ouviu também gritos que tinha certeza ser de uma mulher. Escutou um choro, que juraria ser de uma criança recém nascida.
Assustado, correu para a sua salinha e chamou imediatamente a polícia. Cerca de meia hora depois a polícia abriu a porta da tumba. Um cheiro fétido, de organismo apodrecido, inundava os ares. Tapando o nariz, para suportar o terrível odor, os policiais entraram na tumba, e o que viram foi estarrecedor,
O único policial que se manteve lúcido o suficiente para dar declarações disse, que no caixão aberto da filha do Coronel, a jovem Jolinda, morta e sepultada há sete meses atrás, havia um corpo práticamente decomposto, em posição de mulher dando a luz. E tinha certeza de que era exatamente isso que acontecera, pois uma placenta ainda sangrando fora encontrada, ao lado do corpo. Junto à ela, um feto, pouco maior do que um ratinho, mas já completamente formado, pois se podia distinguir nele, perfeitamente, as formas humanas, estava se mexendo, emitindo uns ruídos que pareciam ser de choro. Um cordão umbilical ainda o ligava á placenta descolada. Ao lado do esquife, mas do lado de fora, outro corpo, também já praticamente todo decomposto, estava caído. Suas mãos descarnadas seguravam um ritual de batismo escrito em latim. Suas vestes, embora todas puídas, corroída de vermes, mostravam tratar-se claramente de um padre.
O policial que deu essas informações nunca mais foi visto na cidade. Os seus colegas, dizem, ficaram loucos e foram internados em um manicômio. Já o velho guarda foi aposentado, e segundo informações correntes na cidade, voltou para sua terra, no nordeste, e nunca mais ninguém o viu. As más línguas dizem que foi o Coronel que deu um jeito nas coisas, pagando uns e dando sumiço em outros, para que o caso não saísse dos muros do cemitério.
Evidentemente isso virou uma lenda urbana e ninguém acredita que tal caso tenha realmente acontecido. Mesmo as pessoas que o conheceram e também conheceram a Jolinda e o padre Rafael diziam que tudo era invencionice do supersticioso povo local. Afinal, diziam que o velho Coronel tinha parte com o diabo.
Mas houve mesmo quem jurasse ter visto, de fato, o diabinho que o Coronel guardava a sete chaves, numa espécie de aquário de coloração leitosa. Segundo ainda esses linguarudos, o Coronel rezava para esse diabinho todas as noites.
A única coisa certa em tudo isso é o fato de que, todos os anos, naquela mesma data em que o tal caso supostamente aconteceu, a tumba da família Correia fica iluminada por luz de velas. E lá dentro (isso já foi testemunhado por muita gente que já teve a coragem de ir lá ver com os próprios olhos), pode ser ouvida a voz de pessoas cantando parabéns rezando ladaínhas em latim. Dizem que isso vem ocorrendo há pelo menos uns noventa anos já.
O Coronel Otaviano já morreu há mais de oitenta anos. Mas sua fazenda continua exatamente do jeito que era quando ele morreu. Nenhum dos seus herdeiros, até hoje, teve a coragem de ir morar lá. Ninguém se aventurou a comprá-la também. Dizem que o diabo é que toma conta daquela propriedade. E que o espírito amaldiçoado do Coronel é que faz as vezes de seu capataz.