ELE VEIO PARA A FESTA...FINAL.
Maria Rosa cresceu, criada mais pelos avós que pelo pai. Esse, pai rígido, se preocupava mais com o trabalho e o gado da fazenda. Passava dias fora, em comitivas ao pantanal. Tinha pouco tempo pra filha, mais nas noites em que se encontrava em casa. Uma pergunta aqui, outra ali, sobre a escola da menina ou algum exame médico ou vacinas. Nada além disso. A menina, aos dez anos, questionou a avó sobre o fato de nunca ter comemorado um aniversário!! Sabia que sua mãe morrera no parto mas fazia tanto tempo!! -" Muito traumatizante para o seu pai, filha!! O dia que você nasceu foi um dia triste demais da conta! Além do mais, cai numa sexta feira santa, dia sagrado e de guarda. Nesse dia, Cristo foi morto, o mal domina o mundo todo!!! Se alguém fizer festa ou danças, chamará o coisa ruim." Maria Rosa sorriu. -" Isso é bobice da senhora e dos antigos, vovó. Coisa de velho." A velha franziu a testa. - "Num é!! Ele, o demo, vem pra festa!!!! Deus me livre de minha netinha querer fazer festa!!!" Maria Rosa foi pra escola, no outro dia, matutando a conversa que tivera com a sua avó. Pensou que, quando tivesse dezoito anos de anos faria uma festa de aniversário, custasse o que custar. Festa de arromba. A avó de Maria Rosa conversou com Tobias sobre os questionamentos da menina. -" Ela é jovenzinha, logo esquece mas quando for adulta nada vai segurá-la!! A juventude já nem respeita mais a quaresma nem faz jejum. Espero estar vivo para proteger a menina!!" Disse Tobias. Maria Rosa terminou os estudos e se empregou como secretária da igreja do povoado de Santa Cruz. Tinha já dezoito anos e passou a ser olhada com carinho e admiração por Itamar, um empregado da fazenda. Um bom moço. As amigas de Maria Rosa a alertaram sobre o interesse de Itamar. Ela gostava do rapaz e dirigia-lhe olhares apaixonados há tempos. Tobias alertou Minervino. -" Maria Rosa agora é adulta. Vai querer festa de aniversário!!" O capataz se enfureceu. -" Nunca, Tobias. Só por cima de meu cadáver. Enquanto eu for vivo, nunca!!" Fim de fevereiro. Maria Rosa pesquisou o valor de contrato de um sanfoneiro. Jerônimo era o melhor sanfoneiro da região. Visitou uma boleira do povoado. Queria um bolo gostoso, com recheio de goiabada e frutas em cima. Dias depois. Minervino voltava de uma viagem pra Goiás, com seis boiadeiros, quando uma cobra cascavel cruzou a estrada, assustando o seu cavalo. Ele caiu e bateu a nuca numa grande pedra. Desacordado, foi socorrido pelos amigos. O coronel o buscou no hospital de Anápolis. Perdera os movimentos das pernas. Estava paraplégico. O homem passaria a viver numa cadeira de rodas. Todos na fazenda ficaram tristes com o fato. -" Já começou!!! Coisas ruins acontecerão." Pensou Tobias, preocupado. Ele procurou Maria Rosa, a fim de tirar da cabeça dela a idéia de comemorar seu aniversário. A moça estava irredutível. -" Dou de maior, meu amigo. Farei a festa e pronto." Ventos fortes sopraram do nada, nas noites da fazenda. Redemoinhos grandes surgiam do nada nos quintais das casas dos colonos. Tobias observava aquilo com preocupação. -" O mardito já sabe das intenções da menina. Eita, coisa ruim. Valha, Nossa Senhora!!!" Minervino e a filha se mudaram para Santa Cruz. Ficaram próximos do posto de saúde e da farmácia de seu Benedito. Além disso, seria melhor pra Minervino fazer fisioterapia e Maria Rosa ficaria mais perto do trabalho. Ela fez novos amigos na cidade. Início da quaresma. Itamar teve uma forte gripe, precisando ser internado. Exames constataram uma pneumonia. Maria Rosa se preocupou com o rapaz. Os pais de Itamar se mudaram pra uma cidade de clima mais ameno. Isso seria vital para o bem estar do filho. Maria Rosa ficou triste quando soube. -" Coisas ruins acontecem!! Minervino paralítico, Itamar se muda!!! O demo tá agindo. " Pensou Tobias. Domingo de Ramos. Maria Rosa preparava tudo, escondida de seu pai e com a ajuda de suas amigas. Contratara o sanfoneiro, uma dupla sertaneja, churrasqueiro, fotógrafos, garçons... encomendara um bolo de dez quilos e muitas bexigas cor de rosa. Tudo que sempre sonhara. Estava feliz. Faria a festa na sexta feira santa, no galpão da fazenda, um local amplo, onde poderiam colocar música alta sem importunar. Festa pra virar a noite. O coronel consentiu com a festa. Queria ver a aniversariante feliz. Ao ver a beleza do galpão, a avó de Maria Rosa se emocionou e passou a ajudar nos preparativos. Queria ver a neta feliz. Na sexta feira santa, Maria Rosa foi pra fazenda, a tarde. Se arrumou pra festa na casa da avó. Estava linda num vestido novo, todo rosa. Usava um colar de esmeraldas que a esposa do coronel lhe emprestara. Lurdinha fez sua maquiagem. Os 180 convidados chegavam, do povoado e fazendas vizinhas. Tobias, escondido, jogara sal grosso em volta do galpão. Amarrara réstias de alho na entrada do local da festa. Tomara um banho de ervas e passara a noite rezando. Estava preocupado. -"Se o demo vier pra festa, eu saberei. Meus anjos de luz me avisarão." Minervino despertou de sua soneca da tarde. Chamou pela filha. -" Rosa!! Meu banho!! Está anoitecendo, filha!! Perdemos a hora de irmos pra igreja!!" Ouviu batidas na porta. Abriu com esforço. Era o coronel. -" Vim buscar o amigo pra festa!! Vamos!!!" Minervino se entristeceu. -" Sabia que tinha coisa errada.Maria Rosa vai festejar...." Desconfiara que era a festa de aniversário da filha. O motorista do coronel colocou Minervino na caminhonete. A cadeira de rodas foi colocada na traseira. A estrada de terra. A entrada da fazenda. Minervino sentiu um nó na garganta. O coração disparou. Ele ouviu o forró. O aglomerado de pessoas. Desceu do carro e sentou-se na cadeira. Conduzido ao galpão pelo coronel, viu a filha caminhar em sua direção. Tobias se aproximou dele. -"Pai. Estou feliz!!!!" Minervino ficou mudo. O amigo Tobias pousou a mão no seu ombro. Minervino estava gelado. Tobias se arrepiou todo. Maria Rosa abraçou o pai. -"Feliz aniversário, filha. O importante é sua felicidade!!" A festa continuou noite adentro. Tobias olhava de um lado a outro. Conhecia todos ali. Parecia buscar algum desconhecido ou intruso!! -" Meu Deus, perdoe-nos. Ele vem pra festa!!" Benzeu-se. O jantar. Os espetos de churrasco. Os salgados. Os casais dançando alegremente. Gritos de vivas. Cortaram o bolo. Minervino ganhou o primeiro pedaço de bolo da filha. -" Pai. Te amo muito." Disse a aniversariante radiante. O sobrinho do coronel dançou a valsa com a aniversariante. Alfredo era um príncipe improvisado. Maria Rosa pensou em Itamar. Uma pena ele não estar presente. Altas horas. Minervino decidiu ir dormir na casa da sogra. Estava cansado. Os casais se formaram pro baile. O coronel jamais vira festa tão boa. -" Eita. A melhor festança daqui." Todos elogiavam Maria Rosa. Ela ganhara muitos presentes. Meia noite. Tobias sentiu o corpo todo se arrepiar. Trovoadas e raios. Uma chuva pesada começou a cair. Um cavaleiro surgiu, de repente, a frente do galpão. Um raio. Tobias se benzeu. -" Ele veio para a festa!!" Pensou. O cavaleiro, todo vestido de preto, desceu do cavalo num salto. Chapéu longo, botas altas e capa. Ele correu e entrou no barracão, se protegendo da chuva. -" Boa noite, Tobias!!!" O negro olhou bem. -"Sabe meu nome, coisa ruim!!!?!" Era Itamar. -"Assim que chama os amigos, feioso???!!! Sou eu." Itamar empurrou Tobias e entrou. Maria Rosa o avistou, de longe. -" Itamar!! Você veio!!!!" Gritou a aniversariante. Eles se abraçaram. -" Jamais poderia perder isso. Está bela demais, Maria Rosa. Feliz aniversário." Eles dançaram algumas músicas. Tobias olhava pra Itamar, ressabiado. -" Itamar parece mais jovem!! Estranho!! Deve ser o ar de Monte Sião." Maria Rosa contava muitas coisas ao rapaz, que dava respostas monossilábicas. Parecia distante. -" Eu devo ir, Maria Rosa! Essa gente toda me faz mal." Maria Rosa o puxou pra fora do local da festa. Ela o beijou, apaixonada. -"Quero você, amor!!!" Itamar sorriu. -"Eu também. Te quero muito." Ela o puxou até uma casa vazia. O colono Raimundo se mudara dali há um ano e a casa jamais fora ocupada. A casa de número sete da colônia. A moça abriu a porta. Tobias procurou pela aniversariante, em vão. Enquanto isso, Maria Rosa e Itamar se preparavam pra se amarem. Ela estava feliz nos braços dele. Tobias percorria as casas. A sede da fazenda. Suava frio. -" Ele veio para a festa. Ohhh, se veio. Rosinha sumiu!!!" Ele viu uma forte claridade na casa do velho Raimundo. -" O home se mudou, uai.... aquela casa tá vazia!!!!!" Chuva. Raios e trovoadas. Tobias deu um forte chute na porta da casa. Itamar se virou. -"Tobias. Sempre me atrapalhando!!!" O corpo de Maria Rosa estava suspenso no ar, a um metro da cama. Duro. Ela dormia. Tobias pegou o rosário. -" Em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, de Nossa Senhora, dos anjos e santos todos!! Vade retro, demo!!! Fora e deixe a menina em paz!!!" Itamar deu uma gargalhada estrondosa. -" Imbecil...Ela é minha. Vai morrer. A alma dela é minha." Itamar tomou a forma de um bode vermelho, chifrudo e de longa barba. Cheirava enxofre e fumo. -"A alma é de Deus. Deus é mais!!!!" Tobias aspergiu água benta sobre o bicho, jogou nele o crucifixo.... Ele assumiu a forma de Itamar e saiu correndo dali. -" Alguém me chama. Adeus, Tobias, idiota!!!!" Itamar saiu da casa. Tobias viu o rabo peludo do coisa ruim, por baixo da capa. Maria Rosa caiu desfalecida sobre a cama. Tobias correu, a ponto de ver Itamar saindo em galope da fazenda. O coronel e algumas pessoas vieram verificar o motivo daquela gritaria. -" Maria Rosa dormiu, cansada. Fim da festa, pessoal." Disse o coronel, dando a festa por encerrada. O coronel levou Maria Rosa pra repousar na casa grande. Tobias ficou de vigília, sentado nas escadarias da casa. Vez ou outra dava uma cochiladinha. Em poucas horas o sol nasceu. Tobias agradeceu a Deus pela noite ter passado. Entrou na casa grande e foi ao quarto de Maria Rosa. Duas amigas dormiam com ela. Ele verificou a pulsação dela. -"Graças a Deus, só anjo Miguel, a menina está viva!!!" Estava viva. Estava bem. Horas depois, a avó de Maria Rosa a procurou. Fizera um café especial pra neta, com bolo de milho e pão de queijo, como ela gostava. -"Tobias. Venha tomar café conosco!!" Disse a avó de Maria Rosa. Os homens do coronel procuraram Minervino e não o acharam. Procuraram na casas. A cadeira de rodas estava no quarto. Tobias saiu pra procurar o amigo. -" Trem mais esquisito. Minervino não está na fazenda!!" O coronel foi colocado a par do desaparecimento do antigo capataz. Maria Rosa se desesperou. -"Meu pai. Ele sumiu." Trinta empregados da fazenda saíram procurando Minervino pelas terras do coronel. Pequenos grupos iam em todas as direções. Tobias lembrou-se da cachoeira do encantado, onde tinha uma encruzilhada. Ele, o coronel e seis empregados, rumaram ao lugar. Viram Minervino e Itamar caídos, debaixo da mangueira. Pareciam dormir. Tobias acordou Itamar. O rapaz despertou, sem saber onde estava. -" Meu corpo, todo dolorido!! Dor de cabeça, meu bom Tobias." Tobias concluiu que o coisa ruim tomara conta do corpo de Itamar, na noite anterior. Só ele o chamava de meu bom Tobias. Um cavalo estava alí perto. Minervino estava morto!!! Concluiu o coronel, verificando-lhe o pulso e os olhos. Tobias e Itamar choravam. Maria Rosa foi consolada por Tobias e Itamar, ao ver o pai morto. Um dia triste na fazenda. Dias depois, Tobias reuniu a moça, sua avó, o coronel e Itamar para lhes explicar o que realmente acontecera na noite da festa. -" Meu pai deu sua vida em troca da minha!?!!" Chorava Maria Rosa. -" Sim, filha!! Ele, o gramunhão veio para a festa!! Seu pai conseguiu montar um cavalo e foi pra encruzilhada . Ele chamou o demo pois sabia que ele viria pra sua festa. O demo poderia lhe fazer muito mal. Quem dança com ele, geralmente não sobrevive!!!! Seu pai foi no seu lugar. " Disse Tobias. Maria Rosa casou-se com Itamar e mudou-se pra Monte Sião. Tiveram cinco filhos. A história daquela festa espalhou-se pelas vilas e fazendas da região. Tobias tinha cento e sete anos quando entrou no cafezal e nunca mais foi visto. Dizem que era um anjo e foi elevado aos céus, mas isso já é outra história............ FIM.