ELE VEIO PARA A FESTA!!!!
Fazenda das Duas Figueiras, Minas Gerais. Um lugar pacato, encrustado em meio as serras e cortado pelo rio do Peixe. A casa grande do coronel Elias Joaquim domina a paisagem com seus dois andares. Branca, com portas e janelas azuis, cercada por jardins bem cuidados pela sinhá Joana Mercedes, a casa lembra as riquezas de tempos passados. O tronco no meio do pátio evoca os tempos da escravidão. A senzala antigo virou celeiro. O coronel construiu a carreira de doze casinhas para os empregados, a metade deles italianos. A outra metade é composta de filhos e netos de antigos escravos da propriedade que decidiram ficar junto do coronel Elias, um amigo dos pretos, como diziam, a exemplo do pai, Gumercindo Joaquim. Entre os poucos filhos de escravos que ainda restavam estava o preto velho Tobias, um sujeito forte e calmo, amante das ervas e da natureza. Conhecia as histórias, o folclore, as lendas dos índios e negros, os caminhos das matas e das serras, as rezas e simpatias, os chás e poções contra todo tipo de males e quebrantos. Tinha setenta e dois anos mas aparentava ter cinquenta. Um sorriso fácil e uma fala agradável lhe conferiam a singeleza e doçura de um monge. Era duro e verdadeiro quando precisava ser. O coronel sempre se aconselhava com ele pois era uma liderança entre os colonos. Minervino chegou de Mato Grosso em busca de trabalho. O rapaz magrelo seria dispensado não fosse sua habilidade em lidar com o gado. O coronel tenciona aumentar o rebanho e precisava de alguém capacitado pra isso. Minervino ficou duas horas proseando com o coronel, mostrando como deveriam ser os pastos, o confinamento, o armazenamento de leite, as datas de vacinas, a higiene, enfim, convenceu o coronel com tanto conhecimento, indicando ainda onde o coronel poderia comprar gado bom em Mato Grosso e Goiás. O coronel exultou. Minervino foi contratado como capataz auxiliar. Em pouco tempo o rapaz mudou a fazenda, com carta branca do coronel, que tencionava enviar os filhos Alaor e Jonas, de treze e quinze anos, respectivamente, para estudarem na Europa. Minervino fez amigos entre os colonos, especialmente por Tobias. Gostava das histórias que o preto velho contava aos colonos ao redor da fogueira, assando batata doce e milho verde sob a luz do luar e o voar dos vaga-lumes. Uma ou outra criança bocejava com sono. A horas passavam e Tobias, vendo as crianças saírem, passava a contar causos de terror e medo. Minervino morria de medo mas fingia ter coragem. Depois demorava pra pegar no sono. Um italiano buscava a sanfona e os casais se formavam pra dançar. Minervino se retirava nessa hora. Não curtia danças, festas e afins, achava tudo perda de tempo mas guardava isso consigo pra não se indispor com aqueles que o acolheram. Respeitava. Oito anos depois e a fazenda prosperou muito. Minervino era o primeiro capataz e braço direito do coronel. Ocupara uma boa casa e passou a ajudar Tobias nos afazeres deste. Apaixonou-se por Julieta, filha do compadre Tinoco. Seis meses depois, a fazenda era palco da festa de casamento do capataz com Julieta. Minervino estava radiante em seu terno azul marinho que fora comprar em Uberaba. Minervino tinha quarenta e dois anos, por isso a pressa em casar e ter filhos. Nem esperava por isso até se encantar por Julieta, de dezoito anos. O coronel foi seu padrinho, Tobias idem. Julieta engravidou e disse ao marido. Feliz, saiu a galope pelos campos e retornou duas horas depois. Sempre sonhara com um filho. Era muita alegria. -" Julieta vai lhe dar uma filha!!" Disse-lhe Tobias. - " Errado, caro amigo. Sonhei. Será menino!!!" Tobias o encarou. -" Sei ver as curvas das barrigas das mulheres prenhas, buchudas!! Pelo jeito da barriga de Julieta vem menina!!" Minervino deixou cair os ombros e a alegria desapareceu como por encanto!! Acreditava em Tobias e ele tinha certeza em tudo que dizia. -" Que venha com saúde, oras!!!" Os meses se passaram. Julieta percebeu a tristeza do esposo mas guardou pra si. Pensou ser cansaço. Pensou tanta coisa. O coronel comprara a fazenda das Duas Pontes, vizinha da sua, pra aumentar o pasto pra tanto gado. Minervino e seus dez peões passavam dias fora de casa, cuidando do rebanho e levando gado em comitivas pra Goiás e ao Pantanal. Foi durante uma dessas viagens que Julieta entrou em trabalho de parto. Nascia Maria Rosa, uma menina linda de olhos verdes. Julieta morreu no parto. Tobias estava todo molhado de suor, auxiliando a parteira Zezita e tentando salvar a gestante naquela noite chuvosa de sexta feira santa. Minervino chegou na manhã seguinte. -" Aquilo lá é velório!!! Meu Deus do céu!!" Gritou o berranteiro Juliano, enquanto passavam pela porteira da fazenda. Uma massa de gente em volta da casa grande. -" Pai Nosso. O coronel morreu!!! Só pode, uai!!" Gritou o capataz, esporeando o cavalo. Mal sabia que a esposa estava sendo velada na casa grande. Saltou do cavalo e entrou casa adentro. Tobias quis abraçá-lo mas ele se esquivou. A vista se escureceu ao ver Julieta no centro da sala, morta. O mundo rodou. Ele desmaiou amparado por Tobias. Voltou ao mundo real meia hora depois... olhar perdido. Sem crer no que os sus olhos e naquilo que as pessoas diziam-lhe. Julieta se fora. Deixara-o pra sempre!! Ele ouviu um choro de recém nascido. Por um instante desejou que aquele ser tivesse ido com seu amor. A filha do coronel entrou no quarto pra lhe mostrar a filha. Ele sequer estendeu os braços. Apenas olhou. O quarto cheio de gente, amigos o consolando em vão. Tobias o olhava de longe. Apenas olhava. A filha do coronel deu meia volta e levou a pequena Maria Rosa pra longe da dor daquele pai, daquele marido, daquele capataz. Assim ficaram, longe um do outro. Na mesma casa mas longe no coração.... (CONTINUA....)