O ESPÍRITO DE ADÃO

Essa história aterrorizou uma pequena cidade do interior. A frase mais ouvida nos bares, farmácias e reuniões familiares: “Só pode ser o espirito de adão que está matando todas essas pessoas.”

Adão era mais um pai de família atencioso, trabalhador, responsável e muito religioso, tanto que se tornou responsável pelas reuniões semanais na igreja “AESV”, “Amor Eterno do Senhor que Voltará” Essa igreja contava com mais de 300 fiéis, e todos confiavam em Adão. Ele mantinha sua família unida em casa e principalmente na fé. Sua esposa Marília era responsável pelos filhos, ela acompanhava as lições de casa e também era muito rígida na educação religiosa. Merlim com 8 anos ajudava o pai em suas reuniões e cultos, era responsável por manter as roupas dobradas em um pequeno quarto que ficava atrás do prédio principal da igreja e também organizar o púlpito, deixando a bíblia e as anotações diárias de seu pai em ordem, bem como deixar uma jarra com chá de flores e um copo para que seu pai pudesse hidratar-se durante os sermões. Rosemarrí ajudava sua mãe nos afazeres domésticos, com apenas 10 anos ela orgulhava-se de já ter aprendido a fazer o prato que seu pai mais gostava, “pato ao molho de laranjas”. No dia 18 de outubro, Adão preparava-se para sair para mais um culto, bebeu dois goles de café e mordeu um pedaço de pão torrado com margarina. O sol resolveu não aparecer, parecia que as nuvens haviam vencido naquele dia, e a chuva não tardava a aparecer. Ainda sentado Marília percebeu que seu marido não estava muito bem, suava muito, manchando o peito e em baixo dos braços da camisa verde escuro. Ela não preferiu não comentar, mas ao ver a cara de preocupação de sua esposa, Adão disse: “Estou bem, deve ter sido porque comi muito ontem a noite, mas também valeu a pena, pois o pato que vocês prepararam ficou uma delícia”. Rosemarrí recém acordando ouviu as palavras de seu pai e foi ao seu encontro para abraça-lo e desejar bom dia. Ele retribui o abraço, deu-lhe um beijo na testa, acariciou o rosto da esposa e saiu. Já estava passando a porta quando virou para trás e comentou: “Diga ao Merlin que ele deve estar lá antes das nove”. Marília meneou a cabeça positivamente e lhe jogou um beijo estalado. Adão sentia-se pesado, suas pernas pareciam estar amarradas a uma ancora, mas em seu pensamento ele reforçava a ideia do jantar da noite anterior. Já na igreja e com todos os fiéis reunidos, Adão começou a dizer suas mensagens de fé e na hora da leitura, seu corpo começou a tontear. De tempos em tempos ele sussurrava: “O que está acontecendo comigo?”, “Senhor, esteja comigo”.

Os fiéis perceberam o mal estar de seu líder, mas esperaram o final do sermão para ir até Adão. Mesmo sempre muito paciente e muito respeitoso, não era o melhor momento para as perguntas e aquele amontoado de gente a sua volta o deixava mais nervoso e tonto. Aquelas perguntas penetravam seus ouvidos como flechas e ele não se conteve e gritou: “ Por que vocês não vão para suas casas? Eu estou bem, saiam agora, não consigo respirar”. Muitos se assustaram com a expressão daquele homem que sempre agia da forma mais amável possível, mas agora parecia estar possuído por algo ruim.

A história espalhou-se na cidade como folhas secas em dias ventosos, e na noite daquele dia, alguns fiéis juntaram-se e foram até a casa de Adão e não voltaram. Antes de amanhecer o dia os policiais já batiam na porta e Marilia foi atender, não disseram nada, apenas entraram e prenderam Adão, mesmo sem entender direito, ele os acompanhou sem fazer força. Ao sair na porta, Adão perguntou calmamente: “Por que estão me levando?” e com um sorriso irônico um dos policiais responde: “Depois de matar 11 pessoas, é muita cara de pau fazer essa pergunta”. Adão ainda abalado e com os olhos cheios de lágrima, apenas sussurrou: “Eu fiz isso?”. Marília escutou o que o policial e gritou: “Não foi ele, eu sei que não foi ele”. Os policiais não deram ouvidos a mulher desesperada e o conduziram até a viatura. Parentes das pessoas que morreram, relataram ainda na madrugada o que havia acontecido na igreja, disseram que Adão expulsara todos após o sermão, chegaram a dizer que ele parecia estar com o diabo no corpo, mas o que creditou as mortes a Adão foram os pertences que haviam ficado perto dos corpos das vítimas. Era o fim daquele que parecia ser um homem fora de suspeita, uma pessoa integra, feliz, bom pai e sem razões aparentes para fazer tal atrocidade. E cumprindo as leis da cidade Adão foi enforcado 40 dias depois dos assassinatos, ele nunca tentou defender-se.

Marília se encerrara em casa, não tinha forças para nada, foi a única a não desistir de tentar a inocência do marido, mas não conseguiu e agora era a mais nova viúva da cidade. Amigos da família foram oferecer ajuda, mas também não voltaram para suas casas. O mesmo caso se repetia, mais uma vez a polícia invadiu a casa, Adão já estava morto, o que poderia ter acontecido agora? Os pertences do falecido estavam mais uma vez ao lado dos corpos. Mas dessa vez, a cena era mais devastadora ainda, Marília e Rosemarrí estavam enforcadas.

Nos dias seguintes, as conversas pela cidade voltaram com mais intensidade, os crentes ainda creditavam as mortes para o espirito de Adão, não Havia outra resposta, Ele já havia sido enforcado, esposa e filha seguiram o mesmo rumo e o filho estava desaparecido. Mesmo com as investigações, nada foi definido. A culpa era do espírito de Adão.

Quando a cidade estava voltando a sua rotina natural com as pessoas voltando para a igreja eis que tudo mudou. Numa manha comum, fiéis voltando a igreja depois de terem escolhido um novo pastor, sentaram-se para o sermão. Felipe, o novo líder da igreja abre sua bíblia e percebe um bilhete escrito com letra estranha e nele estava escrito:

“Gostaria de pedir perdão aos fiéis e ao senhor rei todo poderoso pelos pecados de minha família, eles pecaram e quem peca deve morrer. Eu, como futuro líder, quero garantir que minhas ovelhas estejam afastadas dos lobos, aquele que se dizia meu pai era fraco, eu tive que fazer tudo sozinho. Perante isso digo aos homens da lei terrestre, que eu com apenas 8 anos fiz tudo sozinho, ninguém nunca imaginou minha força. Vocês mataram um inocente neste caso, ele não matou ninguém, a culpa dele foi me fazer de seu escravo, eu sempre fiz tudo, mas ele que sempre levou os louros. Pensando bem, a morte lhe caiu bem, as outras sempre aceitaram tudo, por isso tiveram o mesmo fim. Para finalizar quero dizer que suas leis não me importam, pois a lei divina está do meu lado, e agora estou pronto para assumir meu cargo.”

Com amor e fé...

Merlim