O mito Saci Pererê
A noite do dia 31 de outubro daquele ano parecia uma típica noite de primavera. Tempo instável, ora chovendo, ora tempo acalorado. Naquele momento, por volta das nove horas, o tempo parecia que havia se estabilizado e permitia que toda a família Medeiros pudesse sair do interior da residência e curtir a churrasqueira na parte externa. José já estava lá assando algumas carnes, enquanto sua noiva, Monique, seu irmão, Eduardo e outros parentes próximos vinham para próximo da churrasqueira carregando bebidas e cadeiras.
- Ainda bem que a chuva parou! – disse Eduardo, enquanto adentrava no local carregando uma garrafa de vodka
- Você e sua eterna companheira! – disse José, enquanto cortava uma linguiça do lado de fora da churrasqueira – Acho que já passou da hora de você arrumar uma companheira humana de verdade e largar essa daí. – em seguida, entregou-lhe uma bandeja com carne dentro – Anda, ajuda a servir aí. Daqui a pouco sai carne de porco.
Eduardo lhe fitou torto. Pegou a bandeja da mão do irmão e saiu do local sem falar nada.
- Isso mesmo. Bom menino.
Passado algum tempo, José continuava na fogueira. Monique estava sentada próxima ao noivo e conversava com Melissa, sua melhor amiga. Eduardo conversava um pouco mais distante com Erick e Mathias, dois primos seus. Fitava continuadamente Melissa.
- Nossa, você não para de olhar a amiga da sua cunhada, hein? – comentou Erick
- Cara. Ela é muito gatinha. – respondeu José
- Vai e chega nela, ué... – disse Mathias – Qual a dificuldade?
Eduardo engoliu um pouco na cabeça.
- Ah, cara. Sei lá... tenho medo de ela me rejeitar.
- Você só vai saber se chegar nela... – disse Erick – Vai lá, cria coragem. O “não” você já tem!
Eduardo respira fundo. Sentiu o coração saltar dentro do peito.
- Vai lá! – disse Mathias. – Aproveite!
Eduardo se levantou. Deu dois passos. Interrompeu sua caminhada quando Allan adentrou no local, vindo do interior da residência, com um celular na mão, dizendo:
- Olha isso, gente. – o rapaz chamou a atenção de todo mundo para si – Tem um maluco vestido de Saci atacando quem está na rua ou nos quintais de sua casa aqui na cidade.
- Como assim? – perguntou José, caminhando até Allan.
- Olha para você ver. – disse Allan, enquanto mostrava a tela do celular para José. Este fita a tela e lê em voz alta uma postagem no Facebook:
“Pessoal, apareceu aqui um rapaz vestido igualzinho de Saci. Achei que fosse só para dar um susto, mas ele deu um soco na cara da minha irmã e levou ela desmaiada. Tentei ir atrás, mas ele sumiu na primeira esquina. Alguém me ajuda, por favor!”
“Tomem cuidado, pessoal. Um maluco vestido de Saci apareceu aqui em casa do nada atacando meu filho. Tentou sequestrá-lo. Por sorte, conseguimos escapar dele.”
“Olhem, olhem. Tem um lunático achando que é o Saci Pererê no quintal da minha casa com uma faca na mão e nos ameaçando. Ainda por cima, o desgraçado ainda está comendo a nossa comida”
- Realmente, parece que está vestido de Saci mesmo. – disse José, ao fitar a foto postada junta da última frase.
- Se alguém roubar o meu churrasco, eu mato ele! – disse Rubens, tio de José e Eduardo, levemente embriagado. Algumas pessoas riram, outras apenas lhe olharam torto.
- Mas que estranho isso... – disse Eduardo, caminhando até José e Allan. – Quando eu era pequeno, eu ouvi algo do tipo. Você lembra disso, José? – perguntou, dirigindo-se ao irmão
- Não. Não lembro não! – respondeu
- Era um amigo do vô! Ele foi lá em casa uma vez, há muitos anos, com o vô, a vó e a mulher dele. Se chamava Seu Henrique, se não me engano! Nossa, tem muitos anos!
- Tem mesmo! – respondeu Allan – Só que a vó morreu, já se vão mais de quinze anos!
- Pra você ver! Eu era pequenininho, aí lembro do Seu Henrique contando uma história de quando era pequeno, a cidade de Larital vivia sendo atacada por um Saci que infernizava a vida das pessoas, sequestrava meninos e homens adultos, estuprava mulheres e atacava quem não trancava portas e janelas de casa. O Seu Henrique contou que a irmã dele havia desaparecido uma vez e voltou grávida, morrendo estranhamente no parto.
Allan ficou de olhos arregalados.
- Nossa, mas que história... – disse, assustado
- Ele contou isso para a gente não sair de casa à noite. Você ainda acredita nessas coisas, Eduardo? – perguntou José, irritado, distanciando-se do irmão
- Minha avó contava uma história semelhante! – disse Melissa, chamando a atenção do trio para eles. Parecia assustada. Ao ter a atenção de todos para si, continuou – Minha avó vivia contando quando eu era criança que a casa dela vivia sendo atacada pelo Saci na noite do dia 31 de outubro. Parecia que ele era um espírito vingativo ou algo do tipo e voltava na noite de sua morte para vingar os vivos!
- Gente. Isso é lenda. – disse José. Parecia realmente aborrecido. – Moramos em uma cidade histórica mineira. Cidade histórica mineira é cheia de lendas, lembram-se? Aqui tem uma lenda de um retrato de gente morta, do Diabo que atravessa a cidade na Semana Santa? Vocês realmente vão acreditar que o Saci Pererê existe de verdade? Francamente.
- Quando eu era criança, eu cheguei a vê-lo uma vez. – disse Rubens. Fitava a noite nublada com olhar distante. – Eu tinha seis ou sete anos de idade. Ele atacou numa noite do dia 31 de outubro lá na casa da tia Rosa. Eu lembro que ele levou o Mateus. Nunca mais o achamos!
- Mateus?! – perguntou Allan, surpreso – Quem é Mateus, pai?
- Ah, pronto. Só falta dizer que vocês vão acreditar nele! – reclamou José. Monique olhou torto para ele e lhe repreendeu, fazendo som para este manter em silêncio.
- Mateus era um filho que a tia Rosa tinha, que sumiu em 1974. Ele tinha cinco anos. Abriu a porta de casa e saiu para o quintal sem ninguém ver. Eu vi a porta aberta e corri para fechá-la. Aí deu tempo de eu ver o Saci aparecer e levar o Mateus embora.
- A tia Rosa nunca falou desse tal de Mateus! – disse Eduardo
- Não é fácil perder um filho. Acho que ela preferiu fingir como se nunca tivesse ele. E todos os outros pactuaram e ficaram em silêncio.
- Você está bêbado, tio Rubens! Como que a gente vai acreditar em você?
- Eu posso estar bêbado, meu caro sobrinho José. – disse o tio, levantando-se da cadeira e caminhando até José – Mas certas coisas a gente nunca esquece.
José ficou em silêncio. Rubens caminhou em direção ao interior da residência.
- Agora, deixa eu mijar que já está escorrendo perna abaixo.
Os demais fizeram cara de nojo.
“Agora sim é o tio Rubens que todo mundo conhece”, pensou José.
Era por volta de dez horas da noite. José e Monique conversavam ao lado da fogueira. Melissa estava sentada solitariamente mexendo no celular. Eduardo não parava de fitar a amiga da cunhada e estava junto de Erick, Mathias e Allan.
- Vai lá. – disse Erick, incentivando o amigo – Aproveita que a mocinha está sozinha!
Eduardo respirou fundo. Levantou-se da cadeira. “Agora vai”, disse para si mesmo, com o peito inflado de coragem. Soltou o ar e caminhou em direção a Melissa. Sentou-se ao seu lado, chamando sua atenção.
- Oi! – disse Melissa, sorridente. Ver o sorriso natural da moça fez Eduardo perder parte de seu nervosismo
- Oi! Tudo bem? Te atrapalho?
- Claro que não. Pode se sentar! Tudo bem por contigo?
- Tudo. E contigo? Gostando do churrasco?
- Estou sim. A sua família é muito gente boa.
- É sim. Eles são meio malucos, mas são gente boa. Principalmente o tio Rubens.
Melissa riu. Eduardo não disfarçou que ficou vislumbrado em seu rosto.
- Ele é uma piada.
- Ô se é...
- Ele é irmão do seu pai?
- Da minha mãe.
- Ah, sim. Não cheguei a conhecê-la, mas a Monique falava bem dela.
Eduardo deu um sorriso para esconder a tristeza. Ainda não era fácil falar de sua mãe, mesmo tendo passado mais de dois anos de sua morte.
- Ah, desculpa. – percebeu Melissa – Estou sendo inconveniente. – continuou, passando a mão no rosto de Eduardo e o alisando. A situação chamou a atenção de Erick, Mathias e Allan, que se surpreenderam.
“Olha!”, deixou soltar Erick.
“Já que não vai dar nada mesmo, eu vou ao banheiro”, disse um descrente Mathias, levantando-se da cadeira e afastando-se do local.
Eduardo ficou avermelhado. O coração pulsou de nervoso no interior de seu peito. Repousou sua mão sobre a mão de Melissa.
- Tudo bem. – disse – Essas coisas acontecem.
Os dois se entreolharam, durante alguns segundos – que pareciam uma eternidade para ambos. Melissa não parava de fitar o olhar de Eduardo e vice-versa. O rapaz percebeu que chegara a hora. Mexeu com a cabeça para frente, aproximando-a do rosto da garota.
Entretanto, para surpresa – e susto – do casal – e de todos, eis que um grito ocorre dentro do quintal. Todos viraram os rostos em direção a origem do grito. Mathias estava de pé, desacordado, com um enorme talho na região do abdômen, onde vertia bastante sangue e parte de suas trilhas. Sua cabeça estava sendo segurada por um homem que estava ao seu lado. Tal homem era negro, forte, possuía apenas uma perna e portava um gorro natalino na cabeça, um cachimbo na boca, uma bermuda vermelha e uma faca na mão.
Naquele instante, um estranho silêncio reinou no local. Todos ficaram paralisados, fitando a cena. O homem, percebendo a situação, sorriu. Soltou Mathias no chão, que caiu em um só baque. Caminhou aos pulos em direção às pessoas.
A caminhada do homem fez as pessoas acordaram de suas paralisias. Aos gritos e em verdadeiro caos, todos passaram a correr para dentro de casa, derrubando outras pessoas em um verdadeiro “salve-se quem puder”. Eduardo pegou Melissa pelo braço e a passou a puxar.
- Vamos, vamos! – disse, no desespero.
José e Monique também saíram correndo do local, igual Rubens, Erick e Allan. O homem atacava quem estivesse mais perto, desferindo facadas onde e quem ele conseguia. Tão logo derrubava uma pessoa, partia para a outra.
Segundos depois, José chega no interior da residência. Eduardo, Melissa, Rubens, Erick, Allan e mais dois parentes já se encontravam lá dentro.
- O que está acontecendo? – perguntou José, assustado
- Parece que é o Saci que a gente estava falando! – disse Allan, amedrontado
- Só pode ser! – disse Rubens, fitando o cenário de caos que reinava no lado externo da residência
- Cadê a Melissa? – perguntou Eduardo, ao sentir falta de sua cunhada
- Ela não chegou aqui não? – perguntou José. O desespero tomou conta de seu corpo. Virou rapidamente em direção à saída e viu Monique e mais alguns parentes tentando sobreviver à fúria do assassino.
- Amor! – gritou, desesperado. Saiu correndo em direção à parte externa da residência.
“Não, não vai!”, gritou Eduardo, no mesmo tom de desespero. Em vão. Poucos passos depois, José estava no quintal da residência. Desviou de alguns corpos e pulou com toda força sobre o assassino, jogando-o no chão.
- Vai, corre! – gritou José, para Monique. Esta, percebendo a ordem do noivo, saiu em disparada tendo como foco o interior da casa.
- Vem, vem, vem rápido! – gritavam os demais, gesticulando para Monique acelerar os passos.
José tentava segurar o homem o quanto pôde. Porém, este rapidamente conseguiu desvencilhar uma mão e, pegando a faca que caíra no chão ao seu lado, golpeou o rapaz no peito. Este deu um grito seco de dor. O assassino desferiu mais duas facadas em seu peito. José começava a estrebuchar e a vomitar sangue. Em seguida, o homem se levantou. Fitou Monique correndo a passos curtos em direção ao interior da casa.
Monique estava a alguns passos da porta da casa. Eduardo estava com o braço esticado tentando auxiliar a cunhada. Quando a moça estava a dois passos da porta da casa, eis que esta é atravessada por uma facada no peito. Eduardo assusta e encolhe os braços. Melissa fica estupefata, tampa a boca com a mão e segura as lágrimas para estas não descerem.
O corpo da garota rapidamente vai ao chão, já sem vida. O assassino estava logo atrás dela, sujo de sangue e com olhar diabólico no rosto. No susto, Eduardo fechou a porta com extrema força, quase arrebentando as dobradiças. Em seguida, trancou a porta.
- Precisamos sair daqui. – disse Allan, amedrontado
- Ele não pode entrar em uma casa hermeticamente fechada. – disse Rubens, fitando constantemente o assassino
- Como assim, tio? – perguntou Eduardo. – O que é hermeticamente?
- Significa perfeitamente, completamente. – respondeu Melissa
- Basicamente, estar todas as portas e janelas completamente fechadas. – explicou Rubens
- Então, precisamos verificar todas as portas e janelas da casa. – disse Allan. Saiu correndo em direção ao interior da casa. Eduardo, Melissa, Rubens, Erick e os demais se dividiram para verificar as janelas e portas.
Melissa e Eduardo correram em direção a um quarto. Foram até a janela e fecharam o vidro. Era um modelo de janela veneziana, em formato de arco, de madeira. Fechado o vidro, Eduardo sentou no chão, encostando-se na parede abaixo da janela.
Enfiou a cabeça entre os joelhos e postou-se a chorar. Melissa sentou-se ao seu lado e começou a afagar seus cabelos. Pensou em falar algo para acalentar, mas apenas pegou a cabeça do rapaz e colocou em seus ombros. Ele a abraçou forte e se desmanchou em lágrimas.
- Pronto, pai! – disse Allan, voltando à sala junto de outros moradores. – Fechamos todas as janelas e portas.
Rubens continuava fitando o assassino na mesma posição em que se encontrava. Este debatia furiosamente e tentava abrir a porta de todas as formas.
- O que está olhando, pai? – perguntou Allan
- É muito estranho. Por que ele não desiste da gente? – perguntou Rubens, mais para si mesmo
- Porque ele é um assassino biruta, pai. – disse Allan
- Não é isso! – disse o pai – Ele não é um assassino. Ele é o Saci. O ser mitológico que eu te falei. Pelo o que me lembro das histórias antigas, ele aparecia, sequestrava homens e mulheres, adultos e crianças e desaparecia. Tem uma cidade inteira para ele ir atrás, por assim dizer. Nos relatos da internet que o José e o Eduardo leram mesmo, demonstram que ele tentou sequestrar um menino, não conseguiu e desistiu. Por que aqui é diferente?
- Carne de porco. – disse Erick, olhando o celular
- Como? – perguntou Allan
- Estava procurando aqui sobre o mito do Saci. Segundo constam, ele ataca impiedosamente quem ingere carne de porco, porque foi a última refeição que ele teve que preparar em vida, na condição de escravo.
- É verdade. Comemos carne de porco durante o churrasco. – disse um rapaz
- E o pior que nem dá para fingir que não comeu, porque a carne está lá fora, junto dele. – disse Allan, fitando o lado externo da residência e percebendo que, de fato, a forma com comida pronta do churrasco se encontra ao lado da churrasqueira.
- E o que faremos agora, então? – perguntou o rapaz
Rubens ficou em completo silêncio. Apenas fitava o Saci ensandecido do lado de fora. O silêncio reinou no local.
- Não há uma solução então? – perguntou uma senhora, tremendo de medo
- Calma, tia Maria. – disse Allan, acolhendo-a – Daremos um jei...
Contudo, Allan foi interrompido com um estrondo vindo da porta de vidro. Todos fitaram. O Saci estava com uma cadeira em punhos e a utilizava para atacar os vidros.
- Ai, meu Deus. Ele vai acabar quebrando esse vidro. – disse Allan, desesperado
- Mas ele não pode entrar aqui, não é tio? – perguntou Erick, igualmente desesperado
- Eu disse que ele não pode entrar com portas e janelas hermeticamente fechadas. Mas não disse que ele mesmo não pode abrir a porta ou a janela. – disse Rubens, recuando
- Precisamos fechar as janelas então. – gritou Allan. – Só encostamos os vidros. – em seguida, sai correndo junto dos demais para o interior da residência.
Os moradores da residência se dividem e cada um vai para um lado fechar, de vez, uma janela ou porta. Rubens correu em direção à cozinha e trouxe de volta uma mesa. Levantou-a e colocou de frente para a porta. Em seguida, pegou algumas cadeiras e colocou junto.
- Espero que isso sirva. – disse, para si mesmo
Eduardo e Melissa escutam o desespero dos moradores da residência pela casa. O rapaz se levanta, pede para Melissa permanecer no local e vai até a porta do quarto. Vê Allan correndo de um lado para o outro da residência e lhe para:
- O que foi? O que aconteceu?
- O monstro está tentando quebrar os vidros. Precisamos fechar a parte de madeira das janelas.
Eduardo fica surpreso.
- Mas o tio Rubens falou que era só fechar hertemi... hermeta... completamente as janelas e portas que estávamos a salvo.
- Parece que o Saci pode entrar se ele quebrar o vidro da janela ou da porta.
- Ah, puta que pariu. Por que não avisam as coisas direito? – reclamou Eduardo, perguntando para si mesmo, enquanto adentra novamente no quarto
- O que aconteceu? O que foi? – perguntou Melissa, levantando-se do chão
- O tal maluco tá fora está tentando quebrar os vidros para entrar. Precisamos fechar a parte de madeira.
Melissa virou-se para a janela e, junto de Eduardo, fecharam a sua parte de madeira. Em seguida, trancaram-na.
- Pronto. Isso deve detê-lo. – disse o rapaz, enquanto se sentava no chão novamente, no mesmo local de outrora. Melissa sentou ao seu lado em seguida e apoiou a cabeça em seu ombro. O rapaz passou o braço direito por sobre seu ombro.
Repentinamente, para espanto geral, eis que a luz de toda a residência se apaga. As venezianas fechadas impediam a entrada da luz de fora, tornando a residência completamente escura. Por causa da escuridão, os moradores passaram a gritar e a correr desesperadamente.
- Que merda. Ficamos na escuridão completa por causa das venezianas! – reclamou Eduardo.
- E o que faremos agora? – perguntou Melissa, visivelmente desesperada.
Eduardo enfiou, com toda velocidade, a mão no bolso esquerdo de sua calça. Como estava sentado, teve dificuldade inicial. Porém, logo conseguiu alcançar o celular e apertou alguns botões, fazendo com que a lanterna do celular fosse ativada.
- Precisamos unir todo mundo em um local só e...- dizia o rapaz, enquanto auxiliava Melissa a se levantar. Porém, ouviu o barulho de um estrondo provocado pela quebra do vidro. Este barulho foi audível para todos, que ficaram em um sepulcral silêncio.
Eduardo paralisou, tamanho o medo.
- O que aconteceu? – perguntou Melissa. Diminuiu o tom de voz em virtude do completo silêncio da residência.
- Vem, vem, vem... – disse Eduardo, falando baixo e andando depressa para o interior do quarto novamente.
- O que foi? O que aconteceu? – Melissa parecia assustada com a modificação de comportamento do rapaz.
Eduardo ajoelhou ao lado da cama e disse para Melissa:
- Vamos, entre.
- O que aconteceu?
Neste instante, o silêncio sepulcral foi interrompido por um grito masculino, que ecoou como uma sinfonia diabólica por toda a residência.
“Tio Rubens”, pensou Eduardo.
- Vamos! – disse, em ritmo acelerado. As pessoas voltaram a correr e a gritar casa adentro. “Não façam isso. Fiquem onde vocês estão!”
Melissa adentrou debaixo da cama, sendo seguida de Eduardo. Ele utilizou a lanterna do celular para enxergar a porta do quarto, tendo chamar a menor atenção possível.
“O que aconteceu?”, perguntou Melissa, no tom de voz mais baixo possível
“O Saci quebrou a porta”.
A garota arregala os olhos. “Meu Deus!”, soltou, estarrecida. “E o que faremos?”
“Temos que ficar escondidos aqui até o monstro sair”.
“Mas... e se ele nos encontrar?”
“Veja lá fora”, disse Eduardo, apontando com o braço. “Ouça os gritos dos outros. Se nós temos uma chance, é essa”.
“Não devíamos ter ligado para a Polícia?”
“Devíamos. Mas agora ele vai nos ouvir aqui”.
Eduardo e Melissa ficaram em absoluto silêncio. A garota aproximou o corpo do rapaz e colocou a cabeça em seu ombro. Este abraçou e apoiou sua cabeça sobre a da garota. Enquanto isso, do lado de fora do quarto, a casa estava um verdadeiro pandemônio. Gritos desesperados ou de dor, além de correria. Aos poucos, o barulho foi diminuindo.
Era audível ouvir, em algumas ocasiões, que a porta da frente da casa foi aberta e rapidamente fechada, em uma batida. Em dado momento, mais por impulso, acabou por beijar a parte anterior da cabeça de Melissa. A garota lhe fita, surpresa e aflita. “Ops”, pensou Eduardo. “Fiz merda”. Melissa apoia a cabeça no peito de Eduardo, próximo ao ombro e ao pescoço e fita seu rosto, de baixo para cima. Eduardo igualmente fita o seu rosto. Estavam próximos. Aproximaram-se ainda mais seus rostos.
Sobressaltaram-se com o grito da tia Maria na porta do quarto, pedindo socorro e caindo esfaqueada em seguida. O casal rapidamente fitou o que estava acontecendo. Assustou-se novamente quando percebeu o Saci parado na porta do quarto. Eduardo joga o feixe de luz da lanterna para o chão. Em seguida, o apaga, mergulhando todo o quarto em uma intensa escuridão.
O casal escutou os pequenos saltos do monstro que indicavam sua caminhada. Como o restante da residência estava em completo silêncio, o som dos pequenos estrondos do pé descalço do Saci no piso era ensurdecedor.
Debaixo da cama, Melissa tremia igual vara verde. Não conseguia conter o desespero e o nervosismo. Segurava com as mãos a respiração. Externamente, Eduardo parecia calmo. Entretanto, por dentro, seu coração parecia que iria rasgar seu peito.
O Saci caminhava pelo local tranquilamente. Parecia procurar por algo lá dentro. Foi na direção contrária da cama, o que deu um alívio imediato. Chegou frontalmente ao guarda-roupa e abriu uma das portas. Em seguida, a fechou. Depois, abriu a outra. Fechou-a segundos depois.
Eduardo e Melissa tentavam acompanhar os passos do Saci através do som. Estavam completamente cegos e não havia o menor feixe de luz para enxergar algo. Apenas escutavam o pequeno estrondo ocasionado pelos saltos do Saci e o ranger das portas do guarda-roupa.
O coração do casal voltou a apertar forte no peito quando ouviram o monstro voltar a caminhar. Deu três saltos e parou novamente. “O que ele está fazendo?”, se perguntou mentalmente Eduardo. Subitamente, a surpresa. Um forte feixe de luz inundou o ambiente. Era a janela que fora aberta.
A luz oriunda do lado externo da residência iluminou o ambiente, mostrando o casal debaixo da cama e o Saci em frente à janela. O monstro logo virou para os dois.
- Puta que pariu. Vamos! – gritou Eduardo, assustado. Saiu de debaixo da cama em um só pulo e puxou Melissa consigo. Levantaram rapidamente e correram para fora do quarto.
Melissa atravessou o quarto na frente de Eduardo e chegou à porta primeiro. Pulou rapidamente o corpo de Maria e correu casa adentro. Eduardo veio logo atrás. Ao atrapalhar o batente da porta, porém, é alcançado e derrubado pelo Saci, que pulou em suas costas e o jogou no chão. Melissa se assusta.
Eduardo tenta se desvencilhar do Saci, mas este é mais rápido e crava sua faca nas costas do rapaz. O rapaz solta um grito seco. Melissa grita, desesperada. Em seguida, leva a mão à boca. Paralisara, a tal ponto que nem mesmo uma lágrima solitária que verteu de seus olhos continuou a contornar as curvas de seu rosto.
O rapaz começa a perder a consciência. O Saci, com um débil sorriso no rosto, crava novamente a faca nas costas de Eduardo. E novamente. E novamente. Por fim, com Eduardo escorregando sangue pela boca e já inconsciente, levanta a sua cabeça do chão, aponta a faca em sua garganta e a dilacera, de um lado a outro. A cabeça de Eduardo cai para o lado direito, colado ao corpo por causa da parte anterior do pescoço.
Melissa continuava no chão, paralisada. O Saci caminhou aos pulos até ela e parou ao seu lado.
“Você vem comigo!”, ele disse. Sua voz era extremamente grave e amedrontadora. Pegou Melissa pelo braço e desapareceu com ela, cercados por um pequeno redemoinho.
Melissa foi encontrada desacordada na manhã seguinte em uma clareira dentro de um matagal na zona rural da cidade. Junto dela, havia algumas outras garotas e alguns corpos completamente carbonizados e amarrados em troncos. Não se lembrava como apareceu ali e nem sabia o Inferno que lhe aguardava...