Quando os urubus preferem carne fresca

No começo Emery Crane era o mentor de tudo. O plano era roubar as joias e o dinheiro da velha rica, que sua namorada Amber cuidava.

Para isso, contava com a ajuda do seu amigo Ted Bolland, para invadir a casa e saquear o cofre. Não teriam muitos empecilhos para entrar na casa, já que havia roubado a cópia da chave, que estava em posse de sua namorada, e feito uma duplicata sem que ela percebesse.

Emery Crane e seu amigo Ted, chegaram na casa da velha rica logo no início da noite. Entraram pela porta dos fundos sem maiores dificuldades e silenciosos percorreram os corredores à procura do cofre.

Ao passarem pela biblioteca, encontraram a porta entreaberta, e espiando por ela, os bandidos, viram a Sra. Lily Morse mexendo em algumas notas de dinheiro e depois as colocando num compartimento secreto, atrás de um quadro pendurado na parede.

Sorrindo satisfeito, Emery planejava agir assim que a velha saísse de lá. Silenciosos, se esconderam no quarto ao lado.

A Sra. Morse, foi arrastando-se lentamente pelo corredor, apoiada no seu andador, e sumiu de vista.

— Vamos lá… Entrei aqui semana passada e fiz uma duplicata do molho de chaves que encontrei… Uma delas abre o cofre, vamos tentar todas até conseguir abrir… Até minutos atrás, eu sequer imaginava onde ele se encontrava… Agora, meu caro amigo, estamos muito perto do nosso tesouro… Logo seremos os novos milionários de toda essa região!

Os bandidos correram para a biblioteca, tomando o cuidado de não fazer nenhum barulho. Testaram todas as chaves que haviam em mãos. Suando frio, estavam quase perdendo as esperanças, quando o cofre abriu.

Suas mãos tremiam segurando as joias, que reluziam diante dos seus olhos vidrados. Agilmente, colocaram tudo dentro de um saco de pano. Todas as joias, dinheiro e objetos de valor que encontraram. O saco avolumou-se e ficou pesado, diante de tamanha fortuna.

Os olhos de Ted brilharam nesse instante. Desejou ardentemente ter o produto do roubo, só para ele.

Quando se preparavam para partir, foram surpreendidos pela velha do andador, que entrou pela porta sem perceber a presença dos bandidos. Ela ainda segurava em uma das mãos, um colar de pérolas, que havia esquecido de guardar no cofre.

Assustada, a velha gritava pedindo por socorro, à sua dama de companhia.

Ted estremeceu e entrou em pânico. Não sabia o que fazer, e sacou seu revólver da cintura e ficou pronto para atirar.

— Cale-se, ou eu atiro… – Não queremos lhe fazer nenhum mal! Queremos apenas seus pertences!

— Deixe que eu cuido dela! – disse Emery, agindo mais rápido.

Emery correu até onde estava a Sra. Morse, trêmula e em pânico.

Com um puxão forte, arrancou o andador em que ela se apoiava, fazendo com que ela caísse, gritando de dor, devido às suas pernas quebradas.

Emery Crane com o semblante animalesco, ergueu o pesado andador de ferro para o alto e deixou-o suspenso por um instante, enquanto a velha gritava e chorava implorando pela sua vida.

Fechando os olhos, ele o baixou com força sobre a cabeça da velha, que gritou de dor. Depois continuou a baixar e a levantá-lo, seguidas vezes.

Com o rosto ensanguentado, gemendo de dor, a Sra. Morse juntou todas as forças que lhe restavam, balbuciando a palavra:

— Amaldiçoados!

Enquanto isso, Amber, alertada pelos gritos da Sra. Morse, entrou na biblioteca e deparou-se horrorizada com a cena dantesca diante dos seus olhos.

Dessa vez, foi ela quem gritou…

Subitamente enfurecido, Ted Bolland apontou sua arma para Amber e atirou, sem pensar duas vezes… Sem piedade…

O tiro acertou na testa, arrebentando-lhe o crânio, deixando a parede tingida com os seus miolos. Havia sangue por toda a parte, a biblioteca, parecia um matadouro.

Assim que a Sra. Morse finalmente morreu, com sua cabeça e parte do peito ligeiramente esmagados, Emery jogou o andador para o lado e junto com Ted, saiu correndo pela porta dos fundos, pois algum vizinho deveria ter escutado os gritos ou os tiros e chamado a polícia.

Precisavam fugir com as joias, e salvarem suas peles. Amber já não era mais necessária, fora apenas uma marionete para facilitar o acesso à casa da velha.

Passaram a noite escondidos em uma pequena gruta no meio do mato, nos arredores da cidade, com medo de serem apanhados pelos policiais, e também para decidir o que fariam com o produto do roubo. Passaram a madrugada tensos e de armas em punho, alertas.

Logo que surgiram os primeiros raios de sol no horizonte, Ted já estava acordado e decidido. Sabia muito bem como faria a partilha do dinheiro e das joias roubadas.

De dentro da sua bota, retirou um pequeno canivete de mola e foi até Emery, que ainda estava cochilando.

Num movimento rápido, apertou o botão e a lâmina brilhante e afiada saltou para fora. Enterrou-a na garganta do seu amigo, e começou a dar fortes estocadas com o canivete. Torcia a lâmina para os lados, para cortar melhor, sujando o seu rosto com o sangue que jorrava do ferimento, como um chafariz escarlate.

Emery emitia sons estrangulados e estranhos, enquanto engasgava-se com o próprio sangue, até finalmente ser abraçado pela morte.

Ted pegou então o saco com o dinheiro e as joias e fugiu abandonando o cadáver do seu amigo no interior da gruta.

Ao sair, espantou-se com um imenso bando de urubus. Estranhamente estavam pousados na frente da gruta, perfeitamente alinhados e enfileirados. Como se esperando alguém sair lá de dentro, para eles poder entrar.

Outro bando, sobrevoava o céu em círculos, apenas vigiando. Pareciam uma tropa treinada, esperando alguma ordem para atacar a qualquer momento. Mas alguns que estavam pousados no chão, caminhavam sobre as duas patas, entrando no interior da gruta. Outros continuavam na entrada da gruta, como obedientes sentinelas.

— Coitado de você Emery, sua aparência ficará tão... Diferente... – Depois da visita dessas aves.... – e depois de dizer isso, deu uma gargalhada estrondosa.

Enquanto fugia, lembrou-se da Sra. Morse, balbuciando “Amaldiçoados!”, no momento da sua morte. Porém nada mais tinha importância. Era ele quem estava com as joias e com o dinheiro… Era ele quem estava rico, enquanto ela estava com o crânio amassado.

Enormes urubus voavam ao redor de Ted, onde quer que ele fosse. Ficou assustado com o pio agourento que elas emitiam.

As aves pareciam segui-lo.

Mas por quê? Esses animais, que costumam comer carniça, deveriam ir se divertir com o que sobrou de Emery na gruta, pensava o ladrão.

No meio do caminho, enquanto corria, encontrou um velhinho de coluna encurvada e cabelos brancos, montado no seu cavalo.

Viu naquele animal, uma boa oportunidade de fugir mais rápido, e não pensou duas vezes. Sacou sua arma, e deu três disparos no peito do ancião, cujo corpo rolou por cima do cavalo, e caiu morto sobre o cascalho.

O animal se assustou com o barulho e empinou, mas logo o bandido conseguiu o domar.

— Nada nem ninguém vai me impedir de ficar com essa fortuna – gritou Ted, enquanto subia no animal – Não exitarei em eliminar, quem quer que seja do meu caminho… Sou Ted, o Terrível, e ninguém jamais poderá me deter!

Galopando em disparada, o bandido deixou para trás, o velhinho agonizando e cuspindo nódoas de sangue, com seus olhos revirando de dor, dentro de suas órbitas.

Os urubus pareciam rondar Ted por todos os lugares, e ele tinha a impressão de que o bando aumentava a cada instante. Eram cada vez mais pássaros voando ao seu redor.

— Seus malditos! – gritou enquanto galopava – Vocês sentem o cheiro de sangue, não é mesmo? Sentem o cheiro da morte, que trago junto comigo?

De repente um urubu deu um voo rasante, próximo ao seu rosto. O bico do animal passou tão perto da sua bochecha, que pode ver o brilho aziago dos seus olhos negros.

— Urubus malditos! – Não adianta me perseguir, porque não estou morto! Sei que vocês só atacam, quando o corpo está sem qualquer movimento. – Esqueçam a minha carne fresca! – gritava, olhando para os pássaros voando em círculos sobre a sua cabeça, formando uma nuvem negra.

As aves atacavam, dando rasantes sobre o cavalo, vindas de todos os lados. O animal ficou assustado, relinchava e tentava empinar.

Cavalgando com dificuldades, passava pela beira de um pequeno penhasco, onde um córrego corria bem ao fundo. Ted, o Terrível, só pensava em encontrar um lugar seguro para ele e a sua valiosa “bagagem”.

Nesse momento, um enorme urubu voou tão rápido e tão perto da sua cabeça, que pode sentir as asas da ave roçarem seu cabelo.

Enquanto via a ave se afastar, sentiu uma forte bicada no seu pescoço, e outra no seu couro cabeludo, como pontas de facas cegas, tentando furar sua cabeça, e rasgando sua pele.

O cavalo também foi atacado. Uma ave enorme e negra, cravou suas garras nos flancos do animal, e começou a bicar furiosamente. Relinchando, ele empinou, jogando Ted no chão, e saiu em disparada. O saco com a fortuna roubada, desprendeu-se das costas do cavalo com o impacto. Rolou pelo chão até cair do penhasco, indo de encontro com as águas calmas e cristalinas do córrego lá embaixo.

O bandido rolou sobre os pedregulhos, sangrando. Com o corpo dolorido, assistia o cavalo em disparada, até finalmente cair, e ser oculto sob uma imensa nuvem de urubus, que pousaram sobre seu corpo, e ser digerido pelo bando lentamente.

Ted ficou em pé, sentindo seu corpo doendo. Sabia que estava no limite das suas forças, e que não conseguiria resistir por muito tempo em sua fuga. Mas precisava tentar ir para o mais longe possível, para não ser pego pelas autoridades.

— Não pode ser! – gritou, enquanto cuspia uma nódoa de catarro e sangue.

Furioso, não podia acreditar no que havia acontecido.

Então repentinamente, deu um outro grito.

Dessa vez, ainda mais alto do que o anterior.

Seu coração disparou nesse instante. Os pelos do deu corpo arrepiaram-se de susto, ao ver aquilo na sua frente…

O rosto cadavérico da Sra. Morse, flutuando à sua frente, pairando sobre a imagem do campo sangrento.

Ela sorria de forma macabra e ainda sussurrando:

— Amaldiçoados!.

Como se obedecendo a um estranho e sobrenatural chamado, os urubus se aproximaram lentamente, planando ao seu redor. Ordenadamente avançaram sobre ele, arranhando-o e bicando-o por vários lugares do seu corpo, arrancando-lhe pedaços da sua carne fresca e tufos de cabelo. Um deles pousou em seu rosto, cravando suas garras na sua bochecha, bicando sua órbita e arrancando um globo ocular.

O bandido debatia-se freneticamente para tirar a ave, que alçou voo, levando consigo um de seus globos oculares, e um pedaço do seu nervo ótico, de onde pingava uma minúscula gota de sangue. Mas era inútil sua tentativa desesperada de espantar as aves. Mais e mais se aproximavam, pousando em seu corpo para participar do festim.

Os gritos de dor e pavor dele, perdidos naquela paisagem desértica, pareciam apenas ecos, e tornavam-se quase inaudíveis, quando uma enorme nuvem negra, formada por outros urubus, pousaram sobre o seu corpo, e o atacaram, ocultando seus gritos com o farfalhar das suas asas.

Se o ataque dessas aves, teve algo a ver com o que a Sra. Morse sussurrou antes de morrer, ninguém soube ou saberia dizer…

O bando de famintos e selvagens urubus, devoraram sua carne, regozijando-se em um nefasto banquete. O esqueleto descarnado de Ted, o Terrível, jazia horas depois abandonada no campo.

FIM

Amigo Leitor,

Se você chegou até o final, espero que tenha gostado do conto acima.

Deixe nos comentários a sua opinião, pois ela é muito importante para mim.

Agradeço sua visita,

FELIZ 2019

Abraços!

Rangel Elesbão
Enviado por Rangel Elesbão em 31/12/2018
Código do texto: T6539339
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