A Dengue
I.
O sol teimava em sair quando Adolfo já estava à beira do rio a pescar, era ainda um iniciante, volta e meia espetava-se com o anzol, mas gostava de pescar, consigo não dispensava a sua maior companheira nesses tempos, a cerveja; enquanto o dia não termina-se, a cerveja também não saia de perto, certamente era quase um sociedade perfeita. Ao final do dia, não tinha comemoração, pois como pescador ainda tinha um caminho longo a percorrer, e voltava para casa ao final do dia, apenas com a vara, a linha e o anzol, mas nada disso o desencorajava, era só chegar mais um fim de semana, e lá estava ele novamente à beira do Rio Paraná, um imenso mar de águas doce, pelo menos era a sensação dada ao olhar do barranco próximo a margem. Ali era calmo, havia pouca vegetação, em outros tempos, já tinha havido mais árvores, mas nos tempos atuais podia-se contar nos dedos, as pessoas mais antigas diziam ser ali um lugar abençoado por Deus, pois podia-se levar peixe em fartura para casa, e nem era preciso saber pescar, e hoje, infelizmente a situação não é a mesma, alguns acham que é devido a falta de árvores frutíferas a beira do rio, outros acreditam estar havendo pesca em excesso, outros ainda acreditam em castigo divino, e entre os que acham, e os que não acham, é verídico estar cada vez mais difícil pescar por ali.
Não era a falta de peixe no rio a preocupação de Adolfo, e sim a diversão proporcionada, era uma combinação perfeita, ou quase, do rio com a pesca e a cerveja, mas ainda sentia faltar algo, a diversão não estava completa, talvez faltasse uma companhia, então resolveu levar um colega, e com dois seria mais divertido, poderiam contar anedotas, ou mesmo, conversas de pescador. Ao aproximar o final de semana, combinou com o colega, Juliano, de passarem o sábado à beira do rio a pescar, poderiam fazer um churrasquinho com cerveja, enquanto o tempo passava sem preocupações; e foi o acontecido, ao final da tarde do sábado, voltavam com a vara, a linha, o anzol cambaleando pela estrada até a casa de cada um. Achavam essa diversão o máximo, o único incomodo era a dor de cabeça no domingo, mas valia a pena, pois não estavam no bar se alcoolizando.
O colega Juliano sugere uma idéia, de no próximo final de semana acamparem à beira do rio, com duas colegas dele, Cida e Silvia, e certamente o divertimento seria maior, com um pouco de sorte, talvez pudessem ter a chance de pegar algum peixe, e poderiam até fazer um bom preparo deste. A idéia foi aceita de imediato por Adolfo, e logo começaram a providenciar os meios para executar a atividade, a barraca conseguiram com o morador da esquina da rua de Adolfo, as bebidas no bar de costume, o fogãozinho de uma boca com o pai de Juliano, as iscas no fundo do quintal, e praticamente estavam prontos para mais uma aventura. Prepararam-se para logo cedo estarem na barranca do rio, conseguiram até mesmo arrumar uma camionete para levar os materiais e a caixa de isopor com gelo e cerveja, seria algo novo e altamente estimulante, até o presente momento não haviam feito algo parecido.
Na barranca já estavam todos reunidos, e ainda sem jeito, cada um procurava ocupar o seu espaço, e conforme as horas passavam, menos cerveja havia na caixa de isopor, e cada vez mais a integração entre os quatro colegas aumentava, na hora do almoço já era impossível um cruzar com o outro sem se esbarrarem, e as horas iam se passando, e cada vez mais aumentava a alegria e mais íntimos ficavam, a ponto de se perder qualquer pudor. O final da tarde se aproximava, e como sempre não tinham pego nenhum peixe, as iscas já tinham praticamente acabado, mas ainda tinham uma noite toda pela frente, e como não tinham mais nada interessante a fazer, foi o momento de qualquer pudor ou vergonha existente, extinguir-se e a relação entre os colegas tornar-se íntima. Do por do Sol até o firmamento da Lua na abóboda celeste, transcorreram-se gritos, gemidos e só teve fim na exaustão dos mesmos, e nesse momento mais um dia pôde ter o seu desfecho.
No dia seguinte, quando o Sol já estava acima do horizonte, foram tomando consciência do que poderia ter acontecido, esqueceram totalmente de qualquer tipo de preservativo, e além da dor na cabeça devido à ressaca, Alberto e Juliano estavam com o anus doendo, não conseguiam ainda entender, de fato o ocorrido, mas como a imaginação é fértil, com algum esforço podiam fazer hipóteses, e todas elas traziam grandes preocupações, pois estariam modificando a vida de cada um, conforme as conseqüências, poderia ficar apenas como um caso, como também poderia haver filhos dessa pescaria, algo planejado apenas para uma diversão num final de semana, e não para assumir responsabilidades, talvez por uma vida toda, ou então, as conseqüências desta pescaria poderia causar certos empecilhos, e estes os impediriam até mesmo de arriscarem outras alternativas de emprego num futuro. Realmente não era nada bom a situação criada, talvez pela cerveja, talvez pela irresponsabilidade da juventude, talvez pelo espírito de liberdade, e por mais que tentassem, nem sequer conseguiam encarar um ao outro, passaram a manhã de domingo arrumando o acampamento para irem embora, pois já tinham previamente marcado com o rapaz da camionete, para vir buscá-los às catorze horas.
II.
Passaram-se longas semanas, e o resultado era evidente, Cida e Silvia estavam grávidas, mas para saber quem era o pai, somente um exame de DNA, pois era evidente a dúvida, mas os candidatos resumiam-se ao Adolfo e Juliano, após aquele final de semana ainda foram em mais alguns, Adolfo conseguiu pescar um peixe pequeno, e foi só, depois houve algum desentendimento entre os dois colegas, e por esse motivo pararam de ir na barranca do rio. Toda segunda-feira era um dia movimentado no posto de saúde, e neste dia tinha sido agendado mais uma consulta, onde Cida e Silvia já estavam fazendo o acompanhamento da gravidez, e as duas sempre se encontravam na fila de espera.
_ Tem visto o Adolfo ou o Juliano? Cida.
_ Parece terem sumido depois do ocorrido, um dia desses vi o Juliano de passagem.
_ Quem você acha ser o pai do seu filho?
_ Se ao menos pudesse me lembrar quem deitou comigo primeiro! Mas se tivesse de escolher, tenho uma simpatia maior pelo Adolfo, e você Cida?
_ Acredito ter cometido um erro, porque não considero os dois como namorados, e sim amigos, e o meu medo é de ter de criar a minha criança sozinha, sem o apoio de um pai.
_ Mas a Justiça não dá apoio? Logo que as crianças nascerem devíamos procurar essa Justiça e saber quais são os nossos direitos, Cida, não podemos deixar isso ficar assim.
_ E como faremos isso, se nem certeza de quem é o pai temos, Silvia?
_ Deverá ter alguma forma de realizar o exame de paternidade gratuito, Cida.
_ E você sabe onde fica essa Justiça, Silvia?
_ Não, mas poderemos nos informar na prefeitura, quem sabe é lá que está!
Nesse momento o diálogo é interrompido, porque Cida é chamada pelo médico, é hora dela ser examinada, e era evidente a preocupação estampada no rosto de cada uma, talvez se tivessem pensado um pouco mais, não precisariam estar ali naquele dia, mas quem poderia imaginar o futuro? Quando vive-se o presente, às vezes os estímulos para realização de um ato são maiores do que a própria consciência, e o envolvimento numa situação, é o caminho para realização de alguns atos, mesmo às vezes contra a própria vontade, talvez o instinto fale mais alto, talvez a falta de experiência fale mais alto, mas se para aprender é preciso errar, tem alguns erros previsíveis e evitáveis, bastaria estudar ou dialogar com pessoas mais experientes, talvez um livro poderia ser um dos caminhos, pois nele poderia conter histórias fictícias, onde estas situações passariam e levaria o leitor a refletir, ou quem sabe um grupo poderia refletir estes episódios.
Uma ambulância é chamada às pressas para socorrer um paciente, deu entrada no pronto socorro quase inconsciente, estava mal, teve os primeiros socorros realizado ali e fora encaminhado para um centro médico maior, era Juliano, alguns dias já vinha de uma convalescência, e agora parecia ter tido uma recaída, o motivo certamente seria investigado melhor no hospital, onde estava sendo transferido. Esse fato deixava Cida e Silvia preocupadas, porque poderia ser ele o pai de algum filho das duas, mas mais preocupado estava Adolfo, esse nem conseguir dormir direito mais fazia, estava sempre com um ar tristonho, quase não tinha vontade para o divertimento, e quando soube da notícia do internamento de Juliano, ficou em prantos, só faltou subir pelas paredes de tamanho desespero, e isso já estava chamando a atenção de sua família, já estavam suspeitando haver algo ruim em toda essa manifestação de desespero.
Num dia desses, Adolfo encontra com Silvia, ambos na fila do posto de saúde, esperando a hora de serem atendidos, e aproveitaram para prosearem um pouco:
_ Como tem passado Adolfo?
_ Nesses últimos dias, não estou bom, estou com uma gripe forte, e você?
_ Cuidando da gravidez. Respondeu Silvia, como querer dizer para Adolfo assumir as responsabilidades. _ E continua ainda a pescar?
_ Parei, ficou sem graça se divertir sozinho
_ E o Juliano como vai?
_ Ele está cada vez pior, talvez não escape dessa. Nesse momento uma grande tristeza envolve Adolfo, e um momento de silêncio entre os dois é manifestado, só interrompido quando o mesmo é chamado para ser atendido.
III.
Numa tarde ensolarada, morre Juliano, tinha AIDS, e no óbito constava insuficiência respiratória, e essa morte foi como um terremoto para Silvia, Cida e Adolfo, pois estavam conscientes das conseqüências futuras, sabiam do seu destino, e logo fariam companhia a alma de quem tinha partido para um lugar pouco compreendido pelos seres humanos, e não era esse o destino sonhado por esses três jovens ainda sobrevivente. Exames posteriores confirmaram as suspeitas, os três estava contaminados, e agora restava saber quem era culpado, e isso atormentava Adolfo, pois seria ele o maior culpado, até mesmo pelas atitudes acometidas a algum tempo, isso só o condenava cada vez mais, talvez já soubesse da verdade e se calara, mas para Cida e Silvia essa história tinha de ser bem explicada. E foi num dia desses, novamente no pronto socorro, o palco de uma grande discussão, e os protagonistas eram Adolfo e Cida:
_ Como você foi tão irresponsável de não nos ter avisado, de envolver-nos nessa doença, você é o culpado de tudo isso! Desabafa Cida.
_ Mas eu não sabia da doença dele, só fiquei sabendo depois, com um grande sacrifício ele contou-me que fora doar sangue, e tinha dado positivo! Responde Adolfo num tom de revolta.
_ Isso aconteceu antes ou depois? Pergunta Cida.
_ Isso o quê?
_ Não se faça de sonso, esbraveja Cida. _ Ele foi fazer a doação de sangue antes ou depois daquele maldito final de semana?
_ Isso foi depois, para ser mais exato, foi duas semanas depois daquele final de semana.
_ Mas esse fato ainda não tira a culpa dos dois, porque foram vocês os responsáveis pela irresponsabilidade de não usarem preservativos! Esbraveja Cida mais uma vez.
_ Não acredito no que estou ouvindo, existem preservativo femininos também, e quem deveria ter mais cuidado eram vocês! Exclama em alta voz Adolfo.
_ Nada disso teria acontecido se não tivéssemos sido convidadas por vocês, e certamente já havia a intenção de realizar os atos sexuais, por isso vocês foram os culpados! Novamente esbraveja Cida.
_ Pode até ser, mas não eram só nos dois que estávamos bêbados, vocês duas também estavam. Retruca Adolfo.
Nesse momento, funcionários do posto intervêm na discussão, separam os dois, tentam acalmá-los mas são tentativas em vão, pois ninguém poderia naquele momento devolver a expectativa de vida, toda a idéia, sonho de um dia se casar, ter filhos, ver os crescer acompanhando passo a passo e envelhecer, tinha sido posto um fim a toda uma trajetória de vida, bem ou mal esses jovens queriam viver, e nem mesmo a condição social ou econômica era mais importante, só queriam viver, uma realidade perdida para Adolfo, Cida e Silvia, seriam capaz de trocar qualquer coisa, pela vida. A revolta contida em cada um não era exatamente o dia da pesca, mas como os fatos foram concluídos, a maneira de como uma diversão mal administrada, pôde ter conseqüências tão terríveis, talvez pudessem alegar falta de sorte, quantos outros jovens fazem isso e já fizeram, e não passa de um caso, e porque eles teriam esse desfecho, seria um castigo, seria a irresponsabilidade da juventude?
Por mais esforço que tivessem, nada mudava o triste destino destes três jovens, e por mais explicações procuradas, refletidas não encontravam nada para acalmar a grande revolta existente, uma mágoa sem explicação, e a única maneira de amenizar o sofrimento da vida deles, ou do resto ainda existente, era passar essa experiência para os outros, não poderiam morrer achando que suas vidas não tivesse valido a pena, por isso esforçavam-se ao máximo, para transmitir quando era dada a oportunidade, a experiência vivida por um pescador e um grupinho de colegas, e as conseqüências futuras. Tinham de enfrentar dia a dia as barreiras de serem soro positivo, de assumirem essa realidade, preconceitos caídos até mesmo sobre as suas famílias, e nas horas mais difíceis a única saída era rezar.