Nerdizinho
Depois do drible olhou para o goleiro e chutou de bico. Toda rua silenciou quando a bola não passou nem perto do gol mas foi certeira no quintal do seu João. Daí para frente o enredo era sempre o mesmo.
O velho saiu porta afora pegou a bola novinha tirou o canivete do bolso e cortou-a antes de jogar de volta.
Como sempre, a molecada o xingou e ameaçou. Ele sorrindo virou as costas e entrou na casa.
Do portão de sua casa Nerdizinho assistiu a tudo com imensa satisfação, afinal nunca deixavam ele jogar. Ele por sua vez não entendia qual era o erro em gostar de ler e estudar.
Mais uma vez foi falar com os garotos, tinha uma ideia que resolveria o problema de todos.
Como de costume estavam reunidos amaldiçoando seu João e traçando planos de vingança que nunca eram realizados. Ele dirigiu-se ao mais velho, o chefe da turma: “Se vocês me deixarem jogar eu resolvo o problema do seu João para sempre”.
A maioria dos meninos ignorou o que ele disse, mas conseguiu a atenção do mandachuva, que irritado perguntou: “O que cê pode fazer, seu esquisito?”
Só garantiu que no próximo domingo eles estariam livres para sempre do velho.
A semana passou e no domingo cedo Nerdizinho tomou seu café e correu para a rua levando em baixo do braço uma bola de couro profissional.
Fora os velhinhos varrendo suas calçadas não tinha nenhum movimento.
Começou então a gritar e chutar a bola em todos os portões até que chegou a casa do seu João. Prendeu a respiração, fez a mira e encheu o pé. Foi perfeito, a bola acertou em cheio a porta da sala.
Não precisou esperar muito, o velho, só de pijamas, apareceu no quintal e dessa vez não estava sorrindo.
Com o canivete em uma das mãos, apanhou a bola e cravou a lâmina até o cabo. A bola explodiu, dividindo-se em duas.
Fingindo medo, Nerdizinho virou-se e correu para casa. Correu para o telefone e avisou o chefe da rua que tudo estava resolvido, à tarde ia ter jogo e ele levaria uma bola novinha.
Mal desligou o telefone, ouviu a sirene da ambulância passando em frente a sua casa e estacionando na porta do véio. Como todos os moradores da rua, correu para fora e viu a viatura sair cantando pneus com o maldito dentro.
Fim de jogo... Como sempre, Nerdizinho é carregado nas costas pelos amigos até a sorveteria para comemorarem mais um domingo divertido. Fato impossível há um ano.
Mas, e seu João?
Bem, ele morreu poucas horas depois de dar entrada no hospital. O corpo demorou meses para ser liberado. Dizem que até o exército se meteu com o defunto.
Causa mortis: envenenamento por Gás Sarin.