1.000.000.000 de Portas

Era um sonho em que ele se sentia encontrando no escuro do seu quarto com uma figura estranha, uma sombra da qual não conseguia distinguir traços faciais. Não percebia se era mesmo uma sombra de um ser projetado de outra dimensão ou se era o próprio ser em sua forma escura.

Não sabia ainda se era sonho ou se realmente havia recebido a visita estranha e atormentadora. Havia tomado remédio antes de dormir, pensou nisto e tentou acordar daquele sonho.

Talvez por efeito do sonífero não conseguia acordar, pensava ele enquanto começava a sentir seu coração acelerar. Uma crescente sensação de desespero lhe deixava sem ar, respirava fundo e rápido mas pouco lhe aliviava a aflição.

A sombra ou sei lá o que fosse aquilo continuava diante dele próximo a porta. Se aquilo era um sonho, pensou ele, bastaria esperar que não duraria muito tempo e despertaria naturalmente - fácil afirmar difícil de se convencer que seria tão fácil assim.

A figura começou a se arrastar lentamente. Uma sombra se arrastar... não era um pensamento que ajudava muito naquela hora. Enfim se arrastava lentamente e disparava seu coração e todos os sinais que o medo e a ansiedade poderiam juntos desencadear.

Estava imóvel como alguém que já aceitava como um cordeiro no abate seu destino ou alguém paralisado pelo próprio terror diante de si. Ou os dois, já não sabia explicar, nem conseguia pensar claramente em nada que não fosse a própria aflição e o olhos abertos escorrendo lágrimas no silêncio daquela escuridão.

Aquele homem ao mesmo tempo desesperado e conformado com o pior viu aquela criatura lhe estender a mão e ouviu ela dizer: " teve sorte, esta noite não vim pra destruir, a alma não pode ser destruída, ela é imortal. Não pense que isto é bom, pois não é e saberá um dia o porquê".

Era uma voz neutra. Não havia ódio, raiva ou coisa assim. Parecia anunciar algo muito certo, como um carrasco preparando a vítima para o enforcamento. Então prosseguiu, "venha comigo, hoje é seu dia e nada pode estragar isto, nem se você quiser".

O levou para um lugar totalmente branco, sem formas definidas a não ser a linha que divide o chão das paredes. Um amplo salão vazio onde se encontravam duas criaturas: uma agora toda branca, mas sem traços faciais (um humanoide alto, sem olhos, bocas, nariz, orelhas como um manequim) e outra completamente apavorada, mas obediente.

A criatura branca novamente lhe dirigiu a palavra. Ele ouviu como alguém que já não tivesse mais nada a perder. "Te ofereço dois pedidos e pouquíssimo tempo pra escolher. Provavelmente será atendido".

Pensou muita coisa naquele curto espaço de tempo, mas não sei se pensou com inteligência, afinal ainda estava apavorado. Os clichês eram as únicas coisas que faziam algum sentido e que conseguia pensar naquela hora.

A criatura se moveu, enquanto ele se decidia, e ampliou aquele espaço branco de forma a comportar um bilhão de portas, que surgiam rapidamente uma a uma se dispondo em círculo em torno dos dois.

Por medo da morte pensou em pedir eternidade e por vaidade e ambição, como a maioria de nós temos, pediu para ser o homem mais rico do mundo. Quem não pediria isto? A imortalidade e a riqueza maior do mundo! Revelou então seu pedido àquela criatura.

Aquele ser disse ao homem: "És a partir de agora o dono de um banco que empresta aos maiores governos da Terra, de uma empresa que alimenta 1/4 dos seres humanos e de uma indústria que produz boa parte das máquinas que movimentam o mundo. És também um imortal, nada poderá tirar sua vida, nem mesmo você, doenças e a velhice. E a saída deste lugar se encontra em uma destas portas. Boa sorte!"

A criatura branca desapareceu e outra ficou lá esperando o sonho ou pesadelo acabar. Mas o tempo ali parecia não passar, já havia aberto 25 portas. Olhava aquele imenso círculo onde estava preso, a ansiedade não o perdoou e era a sua única e atormentadora companhia.

Wendel Alves Damasceno
Enviado por Wendel Alves Damasceno em 21/12/2018
Reeditado em 22/12/2018
Código do texto: T6532785
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