Presentes Vivos

Ninguém saberia dizer, quem era aquele ser maltrapilho, com roupas vermelhas, caminhando sob a nevasca que assolava a vila, naquela noite de Natal. No meio das montanhas e afastada da cidade, a vila estava isolada pela neve.

Carregando um saco nas suas costas, empurrou o portão enferrujado e entrou na rua sem saída cercada de casas, onde famílias felizes se reuniam para celebrar.

O ser escolheu a que receberia sua visita, e observou sua fachada, parando à porta. A mão esquelética, com unhas grandes, abriu o enorme saco vermelho que trazia. Retirou de lá uma caixa branca com uma fita vermelha, do tamanho de uma caixa de sapatos. Estava suja de cinzas e carvão.

O presente foi deixado em frente a porta, e o ser se afastou.

Dentro da casa, Meg viu pela vidraça, um vulto estranho se esgueirando lá fora. Ray sentado diante da lareira com as crianças, levantou e foi ver quem era o visitante.

Pelo vidro, viu apenas a rua vazia, coberta de neve. Não havia ninguém lá fora.

— Deve ser uma sombra na janela! – ele disse abrindo a porta. Já ia fechar, quando deu um passo para trás, surpreso com sua descoberta.

Havia um presente no carpete. Uma caixa esperando ser aberta.

— Um presente para nós, querida! – ele fechou a porta com a caixa nas mãos — Papai Noel chegou com antecedência…

Meg e as crianças, Mike e Jude, estavam curiosas e animadas com o presente.

— Essa caixa suja, foi deixada para nós? – falou Meg.

— Brincadeira de algum vizinho… - Ray disse, exitante — Vou abrir… - mas ela segurou sua mão — Está com medo? — Não é uma bomba… - dizendo isso, a abriu.

Desapontados, viram dentro da caixa, enfeites natalinos. Miniaturas humanoides, que pareciam sair de figurinhas de um chiclete Ploc Monsters, medindo 10 centímetros.

— Jogue fora! – ela disse com asco.

Jude estava assustada, e Mike insistia em colocar na árvore os enfeites. Depois de muita insistência, Ray aceitou.

Colocaram as miniaturas junto com as bolinhas e luzes pisca-pisca; enquanto Ray lia Dickens para os filhos.

Faltava pouco para meia-noite e a ceia estava servida. Ray foi para cozinha, mas lembrou do pisca-pisca tocando a música monótona, e desligou as luzes. Se ele tivesse olhado para trás, teria visto pontos amarelos e brilhantes, reluzindo como brasas.

Os sinos anunciavam a meia-noite. Sentados à mesa, todos riam felizes, menos Jude. Ela estava com os olhos vidrados na árvore de natal. Pensava que as folhas se mexiam.

— Alguma coisa na árvore! – gemeu.

Ray foi até a sala e não encontrou nada de anormal. Então disse:

— Vamos dormir, para o Papai Noel poder entrar na chaminé.

Quando as crianças dormiram, ele foi para o banho, pois viajaria pela manhã.

Os galhos do pinheiro e os enfeites, se agitavam furtivamente.

A noite de Natal era feliz e repleta de paz.

Mas algo sombrio pairava no ambiente. Um clima sobrenatural penetrava na casa. Uma sensação opressora de desgraça iminente.

Os enfeites abanaram na árvore. Os pequenos monstros rastejaram dela, reanimados por uma força oculta, farejando suas vítimas.

Ray se barbeava no espelho embaçado. Disse um palavrão ao cortar-se com a navalha afiada.

— Cortaria meu pescoço, como uma manteiga! – rosnou, apertando o corte no queixo.

Algo subiu na sua perna lentamente. Um pequeno monstro tentacular próximo a coxa, outro com dentes pontudos em seu calcanhar. Enquanto um de duas cabeças subia no seu ombro.

Sua mente não processava o horror à sua frente. Sentiu uma dor como várias picadas de vespas e o sangue brotou pela mordida. Deu uma patada no ar tentando se livrar da criatura e resvalou no piso molhado.

No chão, eles o cercaram; como se fosse uma horda de formigas. Um monstro cravou os dentes no seu pescoço, numa dor excruciante. Tentou gritar, mas outro entrou em sua boca.

Se horrorizou quando viu um ser alado pousar em seu peito, trazendo nas garras, a afiada navalha que se barbeava. As miniaturas seguraram sua cabeça, e outros golpearam seu pescoço. O sangue brotou dos sulcos abertos, e as miniaturas infernais banhavam-se no rubro líquido vital, em grunhidos de regozijo.

Meg acordou e saiu do quarto. Encontrou Jude na cama e procurou Mike. Na sala, uma imagem não sairia da sua cabeça, em seus últimos momentos de vida.

Mike murmurava palavras desconexas em frente à árvore de Natal. Em transe, seus olhos se reviravam nas órbitas e sangue escorria pela boca aberta, numa máscara escarlate.

— Feliz Natal! – ele roncou.

Suas mãos seguravam bolinhas coloridas de vidro, retiradas da árvore. Num sorriso medonho, o menino mastigou o vidro numa fome ávida. Expelia uma massa viscosa de sangue e bile fedorenta. No emaranhado de vísceras regurgitadas, havia um monstrinho rastejando.

Meg sentiu uma dor na perna. Uma miniatura espetava o calcanhar com um garfo. Levou a mão na ferida e quando foi levantar, foi atingida no rosto por uma gárgula segurando um cutelo.

Quando caiu viu que estava cercada, sentiu uma tesourada decepando seu tendão de Aquiles. Ela se arrastava gritando, sobre uma poça de sangue, vinda da porta do banheiro.

Os enfeites vivos surgiram empunhando talheres da ceia, tesoura, a navalha de Ray. Seu corpo foi atingido pelas armas, pelos dentes afiados e garras que rasgavam sua pele.

A criatura vestida de vermelho espiava pela janela. Dentro da casa, seus presentes vivos retalhavam o corpo da mulher, num banquete macabro. Uma cabeça decapitada era disputada pelos monstrinhos; que a seguravam pelo cabelo num tétrico cabo de guerra. O tapete de sangue adornava a lareira e a árvore de Natal, contrastando com o branco da neve lá fora.

Assim como os falsos desejos de felicidade e realizações, se dissolvem como a neve, numa manhã ensolarada, a noite mágica se extinguia melancolicamente.

Pela manhã, a pequena Jude acordou e correu para sala. Sua alegria era tanta, que não percebeu que pisava num cenário de horror.

Em frente ao pinheiro, sentou esperando pelo presente que não fora deixado sob árvore.

Ao tocar nas miniaturas caídas da árvore para colocar no lugar, elas se transformaram em cinzas e carvão.

FIM

Amigo Leitor,

Se você chegou até o final, espero que tenha gostado do conto acima.

Diga nos comentários a sua opinião, pois ela é muito importante para mim.

Agradeço sua visita,

Abraços!

Rangel Elesbão
Enviado por Rangel Elesbão em 12/12/2018
Código do texto: T6525082
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