Morte por encomenda
Os saltos de suas botas ecoavam altos sobre o piso de madeira laminado. Pegou sua jaqueta de couro marrom de cima da cadeira e a vestiu. Ajeitou a gola e olhou ao redor. Encarou seu reflexo no espelho retangular preso à parede, seus cabelos loiros pendiam sob seus ombros e seus olhos eram duros. Voltou o olhar para a janela e soltou um ligeiro grunhido, antes de sair pela porta.
Estacionou o carro em frente a um pequeno restaurante e saltou. Observou a movimentação dos carros ao redor. Ela era sempre muito meticulosa, um hábito crucial em seu trabalho. Passava um pouco da hora do almoço e algumas poucas mesas estavam ocupadas. Um garçom passou por ela com os passos apressados e caminhou até a única mesa ocupada nos fundos do salão.
Olhou na direção do balcão de distribuição, onde ficam as cubas com as comidas, e cerrou os olhos, em seguida seguiu até uma mesa a sua direita. Um rapaz estava sentado com os olhos fixos em seu celular. Ela arrastou a cadeira em sua frente e ele a fitou, deixando o celular de lado.
- Está atrasada. – Descontente.
- Tive um pequeno problema. – Sua voz era grossa.
Um garçom se aproximou da mesa e colocou uma garrafa de Coca Cola e um copo em frente ao rapaz.
- Me traz uma cerveja. – Pediu ela.
- Bebendo a essa hora? – Servindo-se. – Espero que isso não seja um vicio.
- Não, não é.
- Você foi muito bem recomendada, espero que honre os elogios.
- Não está contente? – Inclinando-se a frente com um olhar intimidador. – Procure outro.
O rapaz sorriu. O garçom colocou a garrafa de cerveja sobre a mesa e ela se serviu.
- Quero o serviço feito até hoje à noite. – Seu olhar ficou sério.
- Quem é o alvo? – Sorvendo um generoso gole, despreocupadamente.
O rapaz tirou uma fotografia do bolso da calça e a deslizou pela mesa. A mulher a pegou e a analisou minuciosamente. Seu maxilar se enrijeceu.
- Quem é ela?
- Não deveria lhe contar, mas não faz diferença, ela vai estar morta em poucas horas mesmo. – Dando de ombros, sem olhá-la. – Essa vadia é minha ex-namorada. Ela me traiu e agora vai pagar por isso. – O ódio era palpável em seu olhar.
- Como é o nome dela? – Fitando a fotografia.
- Joana.
- Assim que o serviço estiver feito eu te ligo. – Levantando-se.
Deixou o restaurante e adentrou em seu carro. Colocou a chave no contato, mas não a girou. Encarou a fotografia mais uma vez. A jovem tinha o olhar sincero e um sorriso doce nos lábios. Jogou a foto sobre o painel e deu partida no veiculo.
***
Ela estava sentada na mesa da cozinha, o olhar fixo na tampa de granito e tamborilavam os dedos, pensativa. Tic Tac. Era o único som que ecoava por toda a casa. Ela desviou o olhar para o relógio. 20:30. Estava na hora! Pegou a pistola semi-automática, que sempre usava, a engatilhou e se levantou, guardando-a atrás das costas. Olhou mais uma vez a foto, deixando-a sobre a mesa.
Apagou todas as luzes e saiu pela porta. Suas mãos seguravam o volante com firmeza, enquanto se dirigia até sua vítima. Estacionou o carro próximo a uma casa, desligou os faróis e fitou seu relógio de pulso. 21:00. Apoiou o cotovelo sobre a janela aberta e respirou profundamente, fechando os olhos por um instante.
A jovem saiu pelo portão da casa, caminhando despreocupadamente pela rua. Ela usava uma blusa branca de cetim de manga comprida e um short preto. A assassina de aluguel saltou do carro sem fazer qualquer barulho e a seguiu.
Ela virou por uma rua à direita.
- Joana. – Chamou ela.
A jovem estacou e levou alguns instantes para se virar.
- Você! – Incrédula.
- Não tenho muito tempo para explicar. Você corre perigo.
- E por que confiaria em você? Uma assassina de sangue frio. – A palavra assassina foi dita com repulsa.
- Porque eu fui contratada para te matar. – Não conseguiu olhá-la.
- O quê!?
A jovem fez menção de sair correndo, mas a assassina de aluguel deu um longo passo e a segurou pelo braço. Ela a olhava com o olhar carinhoso.
- Eu não vou te machucar. Não quero te machucar, mas quem me contratou quer te ver morta.
- E quem te contratou? – Se soltando com um puxão.
- Seu ex-namorado.
- O Felipe jamais faria isso. – Descrente.
- Tem certeza? Você pode achar que sou fria, que não tenho qualquer sentimento, mas isso não é verdade. Nunca me importei tanto com alguém, como me importo com você. Nunca amei ninguém como amo você.
Os olhos de Joana se arregalaram, surpresa.
- Você me deixou, mas eu nunca deixei, um dia sequer, de pensar em você.
A assassina de aluguel se aproximou, seus olhos fitaram os lábios de Joana com desejo. Acariciou seus cabelos e deslizou a mão por seu rosto. A olhou nos olhos e abriu um sorriso tímido. Envolveu seu rosto com as mãos e a beijou. Tudo ao seu redor desapareceu. Seu único desejo era fazer com que aquele momento durasse por toda a eternidade, mas sabia que era impossível.
Seus lábios se separaram. A testa da assassina de aluguel estava franzida, ela não queria acabar com aquele momento, não queria que se separassem mais uma vez.
- Você precisa ir embora. Eu vou resolver isso, não se preocupe. – Abrindo um ligeiro sorriso e acariciando seu rosto.
- O que vai fazer?
Joana ainda estava surpresa com tudo o que estava acontecendo.
- Vou cuidar disso para você. Seja feliz!
A olhou uma última vez, analisando cada detalhe de seu rosto. Queria guardar aquele momento eternamente em suas lembranças. Deu-lhe as costas e voltou para seu carro. Sentia como se tivesse deixado um pedaço seu para trás. Pegou o celular e ligou para o seu cliente. Um nó se formou em sua garganta.
- O serviço está feito.
- Excelente. – Risonho. – O restante do pagamento vai ser depositado quando você me der uma prova de que ela está realmente morta.
- Como quiser.
Encarrou a ligação. Olhou para seu reflexo no espelho interno, seus olhos estavam lacrimejantes. Acelerou o veiculo e seguiu ao encontro de seu cliente.
Apertou a campainha do apartamento e a porta foi aberta por ele.
- O que faz aqui? – Perguntou descontente.
- Você me pediu uma prova.
- Pedi, mas não era para aparecer no meu apartamento. E se eu estivesse com visitas?
- Nunca deixo rastros.
- Onde está a prova?
- Não vai me convidar para entrar?
O rapaz soltou uma bufada e abriu caminho para que ela adentrasse.
- E então, onde está a prova?
A assassina de aluguel observou todo o apartamento.
- Eu não a matei. – Virando-se para olhá-lo.
- O quê!? Eu te contratei para ter o serviço feito. Por que você não a matou? Por que mentiu para mim?
- Como eu poderia matar alguém que tanto amo?
- O quê? – Confuso.
A assassina de aluguel sorriu.
- Vocês eram amantes?
- Claro que não. – Franzindo o cenho. – Nós éramos muito mais do que isso. Ela era minha esposa.
- Esposa?
- Jamais a mataria, não importa a quantia que me oferecessem.
- Então porque aceitou o serviço? – Dando alguns passos para trás, instintivamente.
- Você estava disposto a matá-la e se não fosse eu encontraria outro com certeza.
- O tempo todo você só estava querendo protegê-la.
- Bingo! – Sorridente.
Ela avançou em sua direção com passos curtos. Felipe sentiu o medo aflorar dentro do peito.
- Não faça nada comigo, por favor. Eu vou deixá-la em paz, prometo. – Com o olhar suplicante.
- Para o seu azar eu não confio em promessa feita às portas da morte.
A assassina de aluguel sacou a arma, um silenciador longo estava preso ao cano, e fez um único disparo, atingindo-o no meio da testa. Seu corpo desabou no chão com um baque abafado e ela se aproximou.
- Agora tenho certeza que vai deixá-la em paz.