Bailarina
“Essa menina,
tão pequenina,
quer ser bailarina...”
Cecília Meireles
tão pequenina,
quer ser bailarina...”
Cecília Meireles
Prostrada ela observa a ponta das sapatilhas de cetim cor-de-rosa desgastadas pelos anos de uso. Dor e solidão são suas únicas companheiras. Ela está exausta após uma vida dedicada àquela coreografia, porém, aqueles momentos em que as luzes brilham e se refletem sobre ela são os únicos em que ela se sente viva. Já faz algum tempo que ela não se apresenta. Um leve tremor percorre seu corpo e a ansiedade a domina como naqueles instantes que antecedem o espetáculo. O tule do saiote tem pequenas manchas e já perdeu muito do esplendor de seus primeiros dias nos palcos quando tantas garotinhas desejavam vê-la e sonhavam em ser como ela enquanto sorrindo observavam atentas seus movimentos graciosos, tentando repeti-los desajeitadamente. Ela evita olhar para o espelho às suas costas, teme identificar outros pequenos defeitos em sua aparência, algo que faça com que aquela seja a última apresentação. Ela sente que o seu fim está próximo e tem medo que isso aconteça. Enfim, ela sente o movimento que precede seu momento de glória. É como se o mundo todo se elevasse ao mesmo tempo. Ouve o ranger metálico das cordas sendo giradas, vê o céu sobre sua cabeça se abrir e a luz invade cada canto do seu pequeno mundo. Olhos curiosos a veem pela primeira vez. Ela se levanta com graça e inicia sua apresentação ao som doce de Debussy. A princípio, as crianças a observam com um misto de admiração e curiosidade e ela se sente feliz, mas logo perdem o interesse por aqueles movimentos fluidos que não entendem. O céu sobre sua cabeça se fecha com um estalido inesperado, sem que ela ao menos tivesse tido a chance de finalizar sua apresentação, a escuridão outra vez toma conta de seu mundo. A pequena bailarina é trancafiada na caixa de música outra vez, condenada a esperar.
Porém, desta vez a espera será para sempre.
Porém, desta vez a espera será para sempre.