A SENDA MISTERIOSA - CLTS V
Não estarei perecendo vítima do horror e mistério
das mais fantásticas dentre todas as visões sublunares?
Edgar Allan Poe, William Wilson
Ao sul do ponto em que a estrada entre Orozco e Ferrazo, no estado de Safo, divide o leste do rio Coru, há uma casa desamparada. Nenhuma pessoa vive lá desde o ano de 1980 e ela está arruinada. Por cerca de uma década depois da data que fiz menção, a casa foi ocupada por um grupo de jovens, cujos intentos era aventurar-se pela zona campestre. Eles não sabiam quem era o dono daquela propriedade abandonada, só queriam diversão.
Os últimos ocupantes da velha casa foram uma família de nome Freire. Dificilmente alguém passava por ali e quando passava não voltava mais, os fatos transformaram todo o terreno da casa numa porção de terra e estrutura arruinada e assombrada. Todo o verde abundante das árvores que se inclinam ao redor da arquitetura é suavizador. A vereda estonteante é uma sinuosa linha que vista ao longe parece um túnel, devido de um lado e de outro haver árvores, ela é a estrada que liga a casa ao povoado mais próximo que fica a mais de 9 milhas.
A família Freire era composta por quatro pessoas: José Freire, a sua mulher Madalena e um casal de filhos. José era um homem reservado e calado, nunca foi interessado em amizades. Madalena era uma mulher simpática, mas em seus olhos era possível ver a tristeza brilhar, duas coisas alegravam ela: os seus filhos e as árvores. Surgiu, em 1978, a notícia de que Madalena havia desaparecido. Foi essa a notícia que José espalhou. Um biênio depois do sumiço inexplicável da esposa, o homem vendeu todos os bens que estavam na casa, depois disso ninguém viu ou ouviu falar dele e das crianças. Ninguém deu importância para o ocorrido. Com o passar dos anos toda a porção de terra pertencente a José Freire ganhou a pecha de assombrada, principalmente depois da morte de um transeunte que havia errado o caminho e pegado a senda que leva à casa, a morte do pobre transeunte foi misteriosa. A senda não parece suspeita do sobrenatural aos olhos desavisados e incapazes de ver o outro mundo — nem todos podem ver.
Os jovens chegaram certa tarde de verão, eram dois casais, Glauco, Júlia e seus amigos Lívio e Dina. Não foi difícil encontrar aquele domínio específico, foi a única opção de abrigo para todos. Eles haviam passado pelo armazém da aglomeração urbana mais próxima, foi lá onde um velho de barba longa e vestes sujas travou conversa com Glauco após terem pedido bebida para se refrescarem.
— Ei, para onde estão indo? — questionou o velho de barba branca.
— Parece que algumas pessoas aqui não são nenhum pouco imiscuídas. — disse Lívio sob um olhar reprovador de Dina.
— Estamos em busca de um fim de semana bem caloroso em contato com a natureza, senhor...
— Hugo, o meu nome é Hugo.
— Prazer, o meu nome é Glauco e essa é minha namorada Júlia e os meus amigos Lívio e Dina.
O velho fitou cada um deles com um olhar enigmático, o seu semblante sério de repente mostrou um sorriso amarelado.
— Então, senhor Hugo, pode indicar-nos algum lugar por essas redondezas?
— O que acha de refrescarem-se um pouco e voltarem para o lugar de onde vieram?
As palavras de Hugo foram ouvidas por outras duas pessoas, um agricultor local e o dono do armazém, que estavam por perto no momento em que os dois conversavam. O dono da casa comercial pediu que Hugo ficasse calado ou saísse do local. O homem idoso apontou o dedo para os visitantes que estavam sentados à mesa, enquanto perfazia o traçado de cento e oitenta graus tendo cada um deles sob a mira do seu dedo enrugado ele disse:
— Posso indicar qualquer coisa, menos uma. Por isso indico a todos que voltem para as suas casas e não se aventurem por essas terras adiante.
— Já chega! Hugo. — advertiu o homem atarracado atrás do balcão.
— Tudo bem — disse Glauco —, mas o que há de tão incomum mais adiante?
O comerciante com um olhar fatigado e um ar fatídico disse-lhe:
— A senda para lá da minha propriedade divide-se em duas, uma delas vai até a próxima cidade e a outra você não deve seguir, dizem ser uma senda assombrada.
— Lendas rurais. — disse Lívio com um sorriso escarnecedor.
Os jovens despediram-se do comerciante e dos demais que ali estavam e seguiram avante. A curiosidade é uma coisa que nasce com o ser humano. Daí a repetição do adágio: "a curiosidade matou o gato", podemos criar um novo anexim trocando a palavra "gato" pela expressão "ser humano". A afoiteza repousa no seio dos jovens, principalmente. Os quatros jovens viram a curva ao longe e sentiram euforia, mormente os garotos, porém toda a euforia evadiu-se um pouco quando o pneu do carro em contato com o solo da estrada começou a emitir um barulho. Glauco parou o carro e junto dele Lívio desceu para verem o problema, a câmara de ar do pneu havia sido danificada, seria fácil trocar a roda se não tivessem esquecido as chaves para retirar os parafusos.
A euforia transformou-se em uma sutil preocupação.
— O que faremos, Glauco?
— Calma amor, seguiremos essa vereda, certamente há um povoado e se for realmente assombrada como os capiaus do armazém disseram deve ter no mínimo um casebre abandonado.
— Não acho uma boa ideia. — opinou Dina.
— Ora, viemos nos divertir, ficar em contato com a natureza, será uma aventura, Dina. Vamos, peguem as bolsas, pois caminharemos por alguns minutos.
Caminharam pela vereda, o frescor provindo de um lado e de outro junto a sombra sobre as suas cabeças diminuía a temperatura, eram galhos de árvores, pareciam estar de mãos dadas. Dina pediu que os seus companheiros de caminhada parassem um pouco, porque precisava urinar.
As duas amigas afastaram-se um pouco dos rapazes, nesse momento Dina olhou para o cercado ao seu lado e viu uma mulher apontando na direção que seguiam.
— Você está vendo, Júlia? — indagou ela com uma cara de susto.
— O quê?
— A mulher, ela estava aqui ao lado.
— Pare com isso, não tem graça.
— Mas...
— Chega! Vamos terminar aqui e continuar a caminhada.
Alguns metros à frente puderam ver o casebre. Todos sorriram aliviados por terem encontrado um abrigo para ficarem durante a noite. O amanhã seria outro dia para desbravarem a terra desconhecida. Entraram na casa bucólica, morada de aranhas e outros seres vivos pequenos, era a única forma de vida ali.
— Meninas, ponham a mão na massa... tirem essas teias de aranha, afinal esse é o nosso palácio por hoje. Eu e Glauco iremos em busca de lenha antes que anoiteça.
Os rapazes não tiveram dificuldade para encontrar lenha, no quintal da casa havia uma árvore ressequida, excelente para alimentar o fogo que seria a fonte de luz deles durante a noite. Adentraram novamente e ficaram surpresos: as mulheres estavam paradas olhando para a senda como se estivessem vendo alguém ou alguma outra coisa que merecesse atenção.
— O que há aí fora, meninas? — perguntou Lívio.
— Olhem aquela mulher na estrada!
— Onde?
— Ali, bem ali, vejam.
— Não vejo nada.
— Eu também não. — disseram Lívio e Júlia.
— Querida, você deve estar cansada. A propósito, fizeram uma boa limpeza. Descansem, deixem o resto comigo e Lívio.
A tarde deu lugar ao crepúsculo. O calor ainda permanecia opressor, o ar estagnado. Logo reuniram-se na sacada da casa, a fogueira foi acesa apenas para iluminar o local porque o calor ainda permanecia. Cada um pegou uma garrafinha de cerveja.
— Ainda é cedo para jantar. Proponho uma rodada de cerveja com histórias. Façamos como um clube de terror, cada um conta uma história. — disse Lívio.
— Meninas, só não vale encenar. — completou Glauco.
Eles gostavam de histórias de terror, Lívio contou uma sobre monstros, Glauco contou outra sobre zumbi, Júlia gostava de carnificina.
— Júlia, agora é sua vez, conte uma história bem assustadora.
Quando Júlia começou a narrar a história, um sutil ar frio cobriu todos, como se a ventilação viesse da senda. A noite ainda não tinha engolido totalmente as redondezas com a sua escuridão. Júlia e os outros olharam para a estrada com admiração porque as árvores em torno dela começaram a agitar-se de forma violenta, não só as folhas sacolejavam, o tronco também, isso tudo foi perturbador para todos, puderam ver e ouvir aquele fenômeno insólito.
— Deve ser uma espécie de tempestade. — disse Júlia assustada.
Obviamente não se tratava de uma tempestade, não daquela forma. O pavor demorou para tomar conta dos jovens, até que Dina viu duas crianças de mãos dadas como se estivessem a brincar no meio da senda.
— Vejam, são crianças brincando.
— Ai meu Deus! — gritou Júlia.
O desespero havia chegado. Os dois rapazes pegaram as lanternas e tentaram se aproximar das duas crianças, ainda longe iluminaram-nas com o feixe de luz, eram pálidas, à medida que se aproximavam elas corriam em direção ao arvoredo que já havia parado de sacolejar.
— Vamos ficar juntos. Venha Júlia.
— Júlia, cadê a Dina?
— Eu não sei, nós estávamos seguindo vocês em direção às crianças e ela estava do meu lado.
— Como assim? E cadê ela? Fala.
— Eu não sei, já disse! Ela estava do meu lado, eu não sei o que aconteceu, eu fiquei assustada. — falou Júlia aos prantos.
— Calma Lívio! Vamos encontrá-la.
— Dina, cadê você? — gritou Lívio sem obter resposta.
Continuaram em direção ao local onde as crianças foram. Tinha uma velha cancela por onde passaram, diante deles, mergulhada na escuridão já notável, erguia-se a árvore que durante o fenômeno insólito era a mais agitada. Lívio direcionou o feixe de luz para as árvores. Enroscado pelo pescoço, junto aos galhos, estava o corpo de Dina.
— Vamos embora daqui! — gritou Glauco.
— Não! Nós vamos tirar ela lá de cima. — retrucou Lívio.
As pessoas quando estão no escuro e livres de regras são capazes de qualquer coisa. O que o casal Glauco e Júlia fizeram foi apenas a consequência do pavor. Correram em direção a estrada que levou eles até ali, correram o máximo que puderam enquanto Lívio ficou sozinho, velando o corpo pendurado da sua namorada. Ao passo que corriam ouviam a voz aguda e elevada do amigo que deixaram para trás, ele gritava:
— Socorro! Ajudem-me! Socorro! Socorro!
Glauco correu ainda mais rápido deixando a sua namorada para trás, após percorrer alguns metros ele percebeu que já estava um pouco mais distante e diminuiu o ritmo da carreira, já estava cansado. Foi então que percebeu que Júlia não estava atrás dele. Pegou a lanterna tentando focalizar ela, mas ela estava distante demais para a luz da lanterna alcançá-la. Ele estava domado pelo pavor, não pensou, só correu, mas após algumas passadas longas caiu da mesma forma que alguém cai quando é atingido por algo. Levantou-se, continuou correndo e parecia que a senda tortuosa não tinha fim, depois de muito correr conseguiu alcançar o carro e ali ficou até o amanhecer, estava exausto demais até para gritar, só arquejava, para ele já não importava mais nada. Começou a lembrar da sua covardia diante do assombro e deitou-se abaixo do carro.
Após ter sido socorrido, ao amanhecer, pelo velho que conhecera no armazém ele relatou todo o ocorrido ao aglomerado de pessoas que estavam na sua presença na vizinhança da casa de Hugo. Todos ficaram assustados e chamaram a polícia para averiguar o ocorrido. Os policiais foram até a estrada que dava acesso às terras onde Glauco e os outros presenciaram o fenômeno incomum. Os militares notaram algo estranho na estrada, ao pé de algumas estacas, exatamente onde havia sido encontrado há muito tempo o corpo de um transeunte, havia a marca de terra fofa, isto é, parecia que ali havia sido cavado alguns buracos, a tonalidade do solo estava diferente, os policiais pararam e desceram para averiguar.
Eles constataram que havia corpos enterrados recentemente na lateral da estrada. Eram os corpos de um homem e duas mulheres. O corpo de Dina era o que estava mais profundo, cerca de meio metro de fundura, os outros estavam em covas rasas, ao lado do corpo da mulher havia ossos humanos. Além dos três corpos encontraram outros três, a ossada de duas crianças e de uma mulher.
A conclusão óbvia que a polícia chegou foi a seguinte: a senhora Freire e os seus filhos haviam tido o mesmo fim dos outros jovens. José, até onde sabiam estava sumido há muitos anos. O delegado continuou com as investigações para descobrir quem havia matado os dois jovens, pois uma das mulheres tinha enforcado-se, mas as investigações não tiveram êxito algum. Após um bom tempo o delegado encerrou o caso.
Um fato importante foi o relato de Glauco, porém o racionalismo não deixou espaço para o relato do jovem, que era visto pelas autoridades como uma história absurda. A senda estonteante e sinuosa foi interditada, isso aumentou a fama do local que passou a ser visto como habitação de demos.
Mas afinal, quem matou os jovens e enterrou-os numa cova rasa à beira da senda?