LE NOIRE DANSEUR

A caravana escapava de dentro da escura tempestade. Nem ventos, nem ondas, nada poderia definir a espessa matéria que os engolia junto a luz em sua volta. Apenas que era violenta como o mar ou como um furacão. O barulho dos madeiros dos comboios se quebrando ao serem lançados de um lado a outro, os gritos dos membros fugitivos, o breu... A mão do homem, então, se solta do caibro da carroça coberta depois de tanto lutar para se manter. O homem vai ao solo e, pelo instinto, se manteve ali, agachado, deixando tudo continuar rugindo palmos sobre sua cabeça.

O tumultuoso comboio se afasta no meio da densa penumbra, e em pouco tempo nada mais se ouvia dele. O estalar intenso da tempestade também começa a se amainar. Um pouco se ilumina, então. Algo no meio do negrume começa a emanar um fio de luz.

Como o pior parecia ter passado, o homem se encoraja a levantar a cabeça. Enfeitada de algum tipo de luz, uma mulher se aproxima em passos suaves, enquanto a escuridão começa a suavizar ao seu redor. A mulher, de bela e firme fisionomia, longos e brilhantes cabelos negros, vinha descalça em passos suaves de dançarina, como suas vestes negras admitiam ser.

O homem, com a passada incerta, levanta-se e se sustém miseravelmente diante dela. A luz se expande, revelando apenas os destroços ao redor da parte da caravana fustigada pela força sombria de antes. O homem se apavora com a cena, mas retorna a contemplar a outra presença ali.

- Você... Você está bem? – Questiona, embora ela parecesse distante do castigo em que ele estava e sua expressão, quase um sorriso, sugeria que sim.

Ela não responde. Apenas alarga um pouco mais os lábios carmim num sorriso quase perverso.

- Madame. Você não viu o que aconteceu aqui? A tempestade? De onde você está vindo?

O questionário permanece sem resposta.

Ao invés disso, a mulher põe-se em postura. Estendendo os braços, começa a desenhar com os dedos no ar, graciosamente, enquanto move o ventre com desenvoltura. Olhos fechados, o sorriso perverso. Uma música ainda não existia, mas os primeiros passos de uma dança airosa se iniciava.

- Quem é você? – O homem interpela, agora começando a se desesperar.

- Eu sou aquela que te dá propósitos e nenhum caminho. Eu sou a coreografia dos que dançam as horas que passam. Eu estou atrás de tudo que se move, e na frente de seus destinos. Você sabe quem eu sou...

A música então reinicia. Da clareira minguada, tentáculos de escuridão começam a brotar e se apresentam bailando como consortes da dançarina, silvando e se retorcendo. Diante daquilo, o homem, aterrorizado, põe-se a correr, claudicando com a já ferida perna. O rumor de ventos e ondas quebrando atrás dele cresce. A música selvagem o estremece enquanto ele aperta o passo, ingloriamente. Garras da escuridão avançam para depois dele, e se fecham para lhe agarrar. Desesperado, o homem tenta se libertar. Retorce o corpo de todas as maneiras possíveis tentando escapar da força da treva. Temendo voltar os olhos para trás, ainda assim o emaranho sombrio o revolve. Uma última vez, ele vê, adornada por uma aura de uma luz mortificada, a dançarina sombria movendo as mãos e todo o corpo com a violência da tempestade. Num último movimento, volta-se para ele, dobrando-se em reverência. Então a escuridão finalmente o esmaga.

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Conto baseado em um universo que pretendo transformar em romance Le Cirque de Chuchu

David Leite
Enviado por David Leite em 05/11/2018
Código do texto: T6495463
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