Jesus me Pediu pra Votar no Bolsonaro
Foi um sonho que sonhei no sábado, na véspera das eleições. Estava antes, acordado, perdido entre frases, fake news, mentidos e desmentidos. Não sabia em quem confiar e brotava dentro de mim o desejo puro de mandar tudo para aquele lugar e não mais pensar nisto.
Mas aquelas frases se repetiam na minha cabeça. Metralhar, matar, torturar, mulher, negro, índio, comunista, doutrinação, kit gay... WhatsApp me bombardeando com o que não sei mais se é verdade ou mentira, o absurdo em excesso me tornava indiferente e frio ao escândalo.
Sentiam ódio por eu apoiar, por eu não apoiar, por eu acreditar e por eu não acreditar. Parecia uma grande torcida organizada e tresloucada.
O sono profundo do espírito cansado tomou minha mente de assalto. Onde antes se povoava os delírios e frases de efeito, agora assombrava o silêncio do inconsciente.
Até o momento em que sonhei. Jesus surgia diante de mim, eu na cama tentando entender o que se passava, até que me dei conta de que era um fenômeno além do nosso entendimento. "Pra quê aquela divina visita?" fiquei com a pergunta em meus pensamentos até que reuni coragem pra perguntar.
Jesus começou então a me pedir voto para o Bolsonaro. Me alertou que o PT queria tornar o Brasil comunista como a Venezuela, que as escolas estavam ensinando as crianças a se tornarem homossexuais, professores marxistas doutrinando jovens, me disse também que o erro da ditadura foi ter torturado e não matado, que os cidadãos de bem precisam se armar pra conter a violência e que Olavo tem razão.
Acordei assustado e me perguntando por que Jesus havia me pedido tal voto, afinal eu havia aprendido na minha juventude que o segundo mandamento nos dado por Jesus era amar o próximo. Fiz um tremendo esforço pra compatibilizar no meu pensamento coisas tão díspares.
Obediente compareci impávido, mas pensativo na seção eleitoral para ali exercer minha cidadania e meu compromisso com Jesus. Votei pra governador, e estava agora diante da tela, precisava digitar 17. Contrariado e sem outra alternativa que não fosse contrariar a minha fé digitei 17 e confirmei. Saí sem graça e confuso, mas votei em nome de Jesus no Jair Messias Bolsonaro.
No culto de domingo a noite, abri ao acaso a Bíblia. Diante de mim, saltava os olhos o capítulo 24, versículo 24: "Pois se levantarão falsos cristos e falsos profetas e apresentarão grandes milagres e prodígios para, se possível, iludir até mesmo os eleitos".
A ficha caiu naquele momento. Me perguntei como eu poderia ter acreditado que o verdadeiro Cristo teria me dito o contrário de tudo que ele pregou e nos ensinou e nos legou por séculos?
Senti vergonha, mas era um constrangimento silencioso, afinal estavam todos comemorando dentro do templo a vitória do Bolsonaro. A igreja me lembrou a Gaviões da Fiel quando o timão marca um gol em decisão de campeonato. Todos se levantaram e pulavam gritando. Lá fora foguetes, buzinas e gritos de apoio.
Com a mão na cabeça, fingindo uma dor de cabeça, me pus a sentar, mas não chamei a atenção diante de todo aquele frenesi. Abri pra dissimular minha inquietação, uma página qualquer da Bíblia e eis que me salta a vista isto: "24 Todo aquele, pois, que escuta estas minhas palavras, e as pratica, assemelhá-lo-ei ao homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha;25 E desceu a chuva, e correram rios, e assopraram ventos, e combateram aquela casa, e não caiu, porque estava edificada sobre a rocha.26 E aquele que ouve estas minhas palavras, e não as cumpre, compará-lo-ei ao homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia;27 E desceu a chuva, e correram rios, e assopraram ventos, e combateram aquela casa, e caiu, e foi grande a sua queda". Do capítulo 07 de Mateus.
Fechei rapidamente a Bíblia após ler tal coisa. Finge que nada havia acontecido e me juntei a multidão em polvorosa a gritar e festejar. Afinal tanta gente acreditando na mesma coisa não pode estar errada. Entrei no meu carro e tentei me misturar. Gritei Bolsonaro, gritei "Lula esta Preso Babaca", "Fora petralhada" e buzinei para os PMs que se mostravam contentes com o resultado.
Após esta tentativa patética de esquecer o lapso de sensatez ou o lampejo de bom senso em meio a cegueira, voltei a ficar pensativo. E quanto mais eu pensava, mais vergonha eu sentia. A mulher me perguntara se estava acontecendo alguma coisa, eu urrei "viva Bolsonaro" ela se alegrou e voltou a mexer no celular.
Mas ali dentro de mim, como um verme incomodo, estava meus pensamentos. Eles perambulavam por toda minha mente. Em qualquer coisa que eu fosse pensar, lá estavam eles. Abria um livro, brincava com o cão ou fazia alguma tarefa doméstica - lá estavam eles em mim, sobre mim e além de mim.
Comecei a contemplar o suicídio, uma saída justa, digna dos traidores como Judas, eu também havia traído Jesus. Abri mais uma vez, buscando quem sabe um consolo diante da angústia, a Bíblia Sagrada. Eis que salta aos meus olhos: "Se alguém diz: 'Eu amo a Deus', e odeia a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, como pode amar a Deus, a quem não viu?" 1 João 4;20.
Corri para abrir a janela e comecei a gritar com meus irmãos para que parassem imediatamente com aquilo tudo, que estávamos errados, que estávamos traindo a palavra! Inútil, estavam todos surdos e cegos.
Respirei fundo para conter a crise de pânico. Ela era incontida. Estávamos todos no fundo do precipício, e eu tive a infelicidade de ser o primeiro a acordar e esperar sozinho, em meio a escuridão, o lento despertar do demais.
Após horas de perturbação, dormi e sonhei que Judas Iscariotes arrumava minha cama, mas quem apareceu pra dormir era outro. A cama não era pra mim, era pra Satanás.
Simplesmente desisti de entender o que este sonho significava, preferi não saber. Fui orar para que o Brasil saia da crise e o nosso presidente, o capitão Jair Messias Bolsonaro, tenha um ótimo governo.